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tento poeticamente

isto é
de singeleza iluminadas águas
o espaço do pleno viver
exprimir

não fosse eu homem
igual a uma multidão de homens
mas fosse eu quem sou
o anto pétreo ou líquido
nascimento e putrefacção não me teriam tocado
o caminho de desamparo a comunhão
caminho pedras pedras bichos bichos pássaros pássaros
não ficaria tão sujo
como agora se vê nos meus poemas
instantâneos desse caminho

o que sempre se chamou beleza
beleza hoje queimou o rosto
já não consola o homem
consola as larvas os répteis os ratos
ao homem assusta
ferindo-o pela consciência
de que é migalha de pão na saia do universo

já não só o mal
a punhalada mortal nos humilha ou revolta
igualmente o bem
o abraço nos faz remexer desesperadamente
no espaço

por isso eu procurei a linguagem
em sua beleza
lá ouvi que ela de humano apenas tinha
os defeitos de fala da sombra
e os da ensurdecedora luz do sol



Lucebert
Uma Migalha na Saia do Universo
Antologia da Poesia Neerlandesa do Século Vinte
Assírio & Alvim, 1997