Sentado na borda de uma cadeira sem tampo,
enjoado, doente, vivo por pouco,
escrevo versos previamente chorados
pela cidade onde nasci.
Tenho de segurá-los, também aqui
nasceram doces filhos meus
que me adoçam belamente no meio de tanto castigo.
É preciso aprender a resistir.
Não a partir nem a ficar,
mas a resistir,
embora seja seguro
que hão-de vir mais penas e olvido.
Juan Gelman
Tradução A.M.
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Chuva
hoje chove muito, muito,
dir-se-ia que estão a lavar o mundo.
o meu vizinho do lado vê a chuva
e pensa em escrever uma carta de amor
uma carta à mulher com quem vive
e lhe faz a comida e lava a roupa e faz amor com ele
e se parece com a sua sombra
o meu vizinho nunca diz palavras de amor à mulher
entra em casa pela janela e não pela porta
por uma porta entra-se em muitos sítios
no trabalho, no quartel, na prisão,
em todos os edifícios do mundo
mas não no mundo
nem numa mulher / nem na alma
quer dizer / nessa caixa ou nave ou chuva que chamamos assim
como hoje / que chove muito
e me custa escrever a palavra amor
porque o amor é uma coisa e a palavra amor é outra coisa
e só a alma sabe onde as duas se encontram
e quando / e como
mas que pode a alma explicar
por isso o meu vizinho tem tempestades na boca
palavras que naufragam
palavras que não sabem que há sol porque nascem e morrem na
mesma noite em que ele amou
e deixam cartas no pensamento que ele nunca escreverá
como o silêncio que existe entre duas rosas
ou como eu / que escrevo palavras para regressar
ao meu vizinho que vê a chuva
e à chuva
ao meu coração desterrado
Juan Gelman
No avesso do mundo
Quetzal, 1998
Tradução colectiva da Casa de Mateus,
revista por Ana Luísa Amaral
dir-se-ia que estão a lavar o mundo.
o meu vizinho do lado vê a chuva
e pensa em escrever uma carta de amor
uma carta à mulher com quem vive
e lhe faz a comida e lava a roupa e faz amor com ele
e se parece com a sua sombra
o meu vizinho nunca diz palavras de amor à mulher
entra em casa pela janela e não pela porta
por uma porta entra-se em muitos sítios
no trabalho, no quartel, na prisão,
em todos os edifícios do mundo
mas não no mundo
nem numa mulher / nem na alma
quer dizer / nessa caixa ou nave ou chuva que chamamos assim
como hoje / que chove muito
e me custa escrever a palavra amor
porque o amor é uma coisa e a palavra amor é outra coisa
e só a alma sabe onde as duas se encontram
e quando / e como
mas que pode a alma explicar
por isso o meu vizinho tem tempestades na boca
palavras que naufragam
palavras que não sabem que há sol porque nascem e morrem na
mesma noite em que ele amou
e deixam cartas no pensamento que ele nunca escreverá
como o silêncio que existe entre duas rosas
ou como eu / que escrevo palavras para regressar
ao meu vizinho que vê a chuva
e à chuva
ao meu coração desterrado
Juan Gelman
No avesso do mundo
Quetzal, 1998
Tradução colectiva da Casa de Mateus,
revista por Ana Luísa Amaral
claro que morrerei
claro que morrerei e hão-de levar-me
em ossos ou cinzas
e dirão palavras e cinzas
e eu hei-de morrer totalmente
claro que isto acabará
minhas mãos pelas tuas alimentadas
hão-de pensar-se de novo
na humidade da terra
eu cá não quero caixão
nem roupa
que o barro aceite minha cabeça
e que os bichos me devorem
agora
despido de ti
Juan Gelman
Tradução A.M.
em ossos ou cinzas
e dirão palavras e cinzas
e eu hei-de morrer totalmente
claro que isto acabará
minhas mãos pelas tuas alimentadas
hão-de pensar-se de novo
na humidade da terra
eu cá não quero caixão
nem roupa
que o barro aceite minha cabeça
e que os bichos me devorem
agora
despido de ti
Juan Gelman
Tradução A.M.
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