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Conversa particular

Tantos anos já, parece mentira.
Os filhos crescem, nunca chega o dinheiro.
Essa viagem que sempre adiámos.
O tédio quotidiano que faz da vida uma fossa.
Viver para ver isto, viver para ser isto.

Está aí o Outono.
Nas últimas tardes de Verão
deixa o vento a praia deserta
e solitária a esplanada.
Anda. Chega-te mais. Resguardemo-nos um pouco do frio.



Fernando Ortiz
Vieja Amiga
(1984)

Tradução A.M.

Don Manuel

Gabardina de Inverno, no Verão
fato cinzento claro, com gravata.
Bonachão, irrascível, autoritário,
recordo-o já de cabelo branco.
Cara larga, sobrancelhas cheias
e muito hirsutas, que beliscava
amiúde ao entrar em Babia.
Caído o nariz, breve, carnoso.
Tão grato lhe era o sabor do café
que não sei quantos tomava por dia.
E à mesa, como gozava.
Nunca mais vi prazer igual ao seu,
tal como jamais vi alguém com o sono
tão fácil – dois minutos, de pé, até na missa.
Como cantava mal e com que ilusão
quando estava contente. Acho que
herdei dele esta virtude.
Foi um trabalhador incansável.
Guarda o calor minha mão da sua,
os dois passeando nos raros dias
que os seus afazeres o deixavam livre.


Depois que cresci, deu-se o que deu.
A sua idade avançada, a minha rebeldia,
a intransigência mútua, o desencontro.
Aparece-me em sonhos com frequência
e nem neles me fala. Eu tento fazê-lo
nestes versos que estais lendo agora.


Fernando Ortiz
Moneditas
(1996)

Tradução A.M.

Na idade perfeita

O sabor do café e o cigarro,
o pausado passeio cada tarde,
o cheiro da terra quando chove,
a grata conversa com um amigo
e uma rara página gostada
são teu amor à vida, os teus sentidos.
Aprofundam-se as feridas com o tempo
embora ele mesmo esconda as cicatrizes.
Passou a juventude e o que tens
chamam-lhe os néscios maturidade.



Fernando Ortiz
Tradução J.M.Magalhães