Imaginem que são um médio-defensivo, que recebem a bola de costas no meio-campo, com a equipa adversária completamente organizada atrás e que, olhando apenas por cima do ombro, descobrem um modo de deixar o jogador mais talentoso da equipa perfeitamente enquadrado para atacar a última linha adversária. Parece impossível, mas foi o que Sergio Busquets fez em Camp Nou no fim-de-semana passado, no primeiro golo do Barça. Tudo no modo como fez a bola chegar a Messi, mas tudo mesmo, foi deslumbrante. A aparente facilidade com que o fez, então, é o sinal inequívoco do seu brilhantismo. Reparem que Busquets não está de frente para o lance, que não pode decidir a direcção do passe à última da hora. Ao olhar por cima do ombro, num primeiro momento, há uma linha de passe aberta para Messi, entre o ala esquerdo e o médio-centro do lado esquerdo do Girona. Se a bola entrasse aí, porém, o ganho não seria decisivo. Mas é essa a linha de passe mais convencional, aquela pela qual optaria a maioria dos jogadores. E já nem estou a falar de jogadores banais. Esses passariam para o lado, ou procurariam fazer a bola chegar aos flancos. Um bom jogador, um que perceba a vantagem de fazer a bola entrar verticalmente entre as linhas adversárias, escolheria essa linha mais convencional. Mas um jogador excepcional como Busquets pensa de outro modo. Entre o momento em que olha por cima do ombro e o momento em que a bola sai do seu pé, há tempo suficiente para que as circunstâncias do lance se alterem. E Busquets sabe isso. Sabe também que os adversários não ignoram essa linha de passe, e que se preparam para reagir à previsível entrada da bola nessa zona. E sabe ainda que Messi também sabe todas essas coisas, e que se encarregará de lhe dar oferecer uma linha de passe alternativa. Ao olhar por cima do ombro, Busquets vê tudo isso: vê uma linha de passe relativamente óbvia, vê aquilo que os seus adversários se preparam para fazer e vê o espaço que existe para Messi explorar alternativamente. E não faz o passe logo porque precisa de dar tempo aos adversários para tomarem consciência da linha de passe mais óbvia e porque precisa de dar tempo ao próprio Messi para perceber qual o melhor espaço a atacar.
É incrível, mas é Sergio Busquets quem, de costas para o lance, vê em primeiro lugar aquilo que havia para ver e é quem, de certo modo, indica o caminho ao argentino. O próprio Messi não parece ter sido tão perspicaz quanto ele a descobrir aquele espaço privilegiado. Busquets recebe a bola, olha por cima do ombro, vê onde estava o espaço verdadeiramente relevante e retarda o passe apenas o tempo suficiente para criar a ilusão de que vai fazer aquilo que parecia evidente que tem de ser feito e para dar tempo ao colega para perceber onde é que a bola tem afinal de entrar. E depois ainda executa o passe na perfeição. Numa fracção de segundos, sem estar de frente para o lance, Busquets faz uma série de coisas inacreditáveis: analisa o posicionamento colectivo de toda a equipa adversária, calcula qual o espaço a aproveitar e em que momento exacto fazê-lo, deixa os adversários lambuzarem-se com o engodo de uma linha de passe que sabe desde o início que não vai utilizar, indica ao colega quais as suas reais intenções e, num gesto técnico nada fácil, ainda faz a bola entrar num espaço diminuto, com precisão absoluta, de modo a deixar o companheiro nas melhores condições possíveis para atacar a linha defensiva adversária. O resto do lance pouco importa. Para a estatística, fica o golo de Suarez e a assistência de Messi. Mas o génio, nesta jogada, é todo de Busquets. É ele quem, do nada, atrás da linha de meio-campo, com uma acção tão subtil quanto aparentemente simples, inventa aquela ocasião de golo. E poucos são os que, levados pela histeria das bolas perto das balizas, conseguem perceber que, por vezes, uma ocasião de golo se gera por inteiro num passe de dez metros a meio-campo. No dia em que se conseguir perceber tal coisa, perceber-se-á, por fim, que o futebol é daqueles que, como Busquets, só usam os pés para cumprir aquilo que a cabeça idealiza.