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terça-feira, novembro 17, 2015

Parceiro de boemia encaminhou Leônidas ao São Paulo

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A biografia de Paulo Machado
Segundo o livro "O marechal da Vitória", de tom Cardoso e Roberto Rockmann (já citado neste post aqui), em março de 1942, o empresário Paulo Machado de Carvalho, um dos proprietários da Rádio Record, estava disposto a reforçar o São Paulo Futebol Clube, do qual era diretor de Esportes, com "um jogador tecnicamente brilhante, experiente, que melhorasse a autoestima dos outros atletas e da torcida". A duas semanas do início do Campeonato Paulista, não havia qualquer atleta com essas características no mercado. Foi então que o "Acaso de Almeida" deu as caras. Conta o livro:

"Paulo Machado chegou desanimado à Rádio Record. (...) Ao notar que o patrão, normalmente de bom humor, estava ansioso, angustiado, o cantor de emboladas Manezinho Araújo decidiu puxar conversa:

- Boa tarde, doutor Paulo, como vai o São Paulo? Pronto para o título?

- Estamos trabalhando para isso, Manezinho.

- Tenho um amigo que adoraria jogar no São Paulo.

- Quem?

- Leônidas da Silva.

Manezinho, o amigo de Leônidas
O cantor pernambucano, e também redator da Record, estava de gozação, pensou Paulo Machado. Leônidas da Silva, "O Diamante Negro", era um dos maiores craques do mundo, artilheiro da Copa de 1938, na França, e estrela maior do futebol do Rio de Janeiro, onde atuavam os melhores jogadores do país. Paulo Machado pensou em encerrar a conversa, mas antes, por curiosidade, quis ver até onde o empregado levaria aquela história:

- É mesmo, Manezinho? O Leônidas sairia do Rio para jogar em São Paulo?

- Sim, doutor Paulo. Ele está sem clube, mas quer jogar, não importa o lugar.

- E o Flamengo?

- Ele não quer jogar nunca mais no Flamengo.

- Quem disse isso?

- No Rio não se fala em outra coisa."

Leônidas da Silva no Flamengo
Como se diz na gíria, "o peixe estava fisgado". Curioso, Paulo Machado de Carvalho descobriu que, em 1941, Leônidas se recusara a viajar com o Flamengo numa excursão à Argentina, alegando que estava machucado. O clube, que receberia cachê menor sem o astro, queria obrigá-lo a jogar, acusando-o de fazer corpo mole porque queria ficar no Brasil para atuar em campanhas publicitárias. Leônidas rompeu com o clube carioca, que, como vingança, recuperou uma acusação antiga para que ele fosse preso: fraude num certificado de reservista para escapar do Exército. Assim, em 25 de julho de 1941, pouco depois de brigar com o Flamengo, o atacante, com o menisco do joelho direito recém-operado (prova de que não mentira ao recusar a excursão), foi detido numa Vila Militar, onde passou oito meses. Liberto em março de 1942, deu uma entrevista a "O Globo Esportivo" afirmando que preferia abandonar o futebol a retornar ao clube da Gávea, que ainda detinha seu passe. Prossegue o livro:

"Desencantado com o futebol, em litígio com o Flamengo, Leônidas havia se isolado e pedia aos empregados que não abrissem a porta para ninguém. (...) A comitiva do São Paulo estava pronta para fazê-lo abandonar o pijama e voltar a jogar. Além de Paulo Machado e [Roberto] Gomes Pedrosa [ex-goleiro e, na época, dirigente do SPFC], desembarcaram no Rio de Janeiro Manezinho Araújo e Raul Duarte, eterno homem de confiança de Paulo Machado. O primeiro [Manezinho] teria a missão de avisar Leônidas do interesse do São Paulo e fazer a proposta milionária. Já Raul Duarte, se tudo desse certo, colaria no craque até a sua chegada à Estação do Norte (depois Estação Roosevelt), no bairro do Brás. Quando chegou ao Rio, Manezinho telefonou:

- Como vai a vida, Leônidas?

- Estou bem aqui, sossegado em meu canto.

- Um pessoal do São Paulo quer vê-lo.

- Diga a eles que não falo mais sobre futebol.

- Eles vão pedir alto para comprar seu passe, Leônidas.

- Não estou à venda, Mané.

- Nem por 200 contos de réis?

- O quê?

- Isso mesmo, 200 contos de réis: 120 para você e 80 para o Flamengo.

- Traga eles aqui. Vamos conversar."

1 conto de réis (Caixa de Conversão, 1907)
O espanto e a imediata mudança de atitude de Leônidas justificam-se: segundo Laurentino Gomes, no livro "1808", um conto de réis (ou 1 milhão de réis) equivaleria, hoje, a cerca de R$ 123 mil (leia sobre isso clicando aqui). Ora, 200 contos seriam, portanto, R$ 24,6 milhões - praticamente o mesmo valor pago pelo São Paulo, 71 anos depois, para tirar o meia Paulo Henrique Ganso do Santos. Caso essa estimativa esteja próxima do que realmente valia em março de 1942, significa que a proposta do São Paulo foi dar algo como R$ 9,8 milhões para o Flamengo e nada menos do que R$ 14,7 milhões para Leônidas da Silva.  Não admira que tanto o clube carioca como o atleta tenham aceito o negócio na hora.

Segundo o livro, "hábil nos bastidores, bom de papo, conciliador, o diretor de esportes [do SPFC, Paulo Machado de Carvalho] foi aos poucos convencendo os conselheiros do clube e empresários ligados ao esporte de que a contratação de Leônidas mudaria para sempre os negócios do futebol em São Paulo". Ou seja: a fortuna gasta teria retorno para todos, pois o negócio do futebol passaria a outro patamar na capital paulista, multiplicando os lucros com rendas e transmissões radiofônicas das partidas, propagandas nos estádios e nas emissoras, incremento do comércio (e da indústria) etc etc. O espetáculo de massa da chegada de Leônidas a São Paulo confirmou que a aposta era certeira:

"O bacteriologista Alexander Fleming levou um susto ao desembarcar no bairro do Brás, em São Paulo, no dia 10 de abril de 1942, onde dez mil pessoas se espremiam em frente à Estação do Norte. Famoso no mundo inteiro por ter descoberto a penicilina, o primeiro antibiótico moderno, o médico escocês não esperava ser recebido com tanta atenção e carinho pelo povo paulista. Mas Alexander Fleming caminhou despercebido entre a multidão. [Ao contrário do que pensava,] Todos estavam ali para ver de perto o homem negro que sentara ao seu lado na primeira classe: Leônidas da Silva".

Multidão carrega Leônidas nos braços em sua chegada a São Paulo (10 de abril de 1942)

Apesar de não ter ganho o Campeonato Paulista daquele ano de 1942, o São Paulo, com Leônidas da Silva, conquistaria cinco títulos estaduais em oito anos, alcançando o mesmo status de Corinthians e Palmeiras e transformando-se num dos grandes esquadrões brasileiros dos anos 1940. Com o apelido de "Rolo Compressor", na segunda metade daquela década, o Tricolor só encontrava concorrência nos timaços do Internacional-RS e do Vasco da Gama. Infelizmente, para Leônidas, a Segunda Guerra Mundial fez com que as Copas de 1942 e 1946 não fossem disputadas e, em 1950, ele já estava abandonando o futebol, aos 36 anos. Mas Paulo Machado de Carvalho colheu todos os méritos por ter apostado no veterano jogador e, em 1958, coordenaria a seleção brasileira que traria nosso primeiro título mundial, na Suécia, consagrando-se eternamente como o "Marechal da Vitória".

Paulo Machado (em pé, à esquerda) e Leônidas (centro, agachado): bi paulista em 1946

Fica a dúvida, que a biografia de Paulo Machado não soluciona: será que, com tanto dinheiro envolvido, Leônidas ou o São Paulo recompensaram Manezinho de Araújo? O mais provável é que o cantor, compositor, jornalista e pintor nordestino tenha sido levado pelo colega jogador para comemorarem em longas noitadas de boemia. Curioso é que Manuel Pereira de Araújo, o Manezinho, nasceu em Cabo de Santo Agostinho em 27 de setembro de 1913, exatamente 21 dias depois de Leônidas vir ao mundo, no Rio. Empregado das rádios Mayrink Veiga e Philips a partir de 1933,  na capital fluminense (e, então, do Brasil), Manezinho gravou discos e atuou no cinema sempre interpretando emboladas de sua autoria. Atuou também como jornalista no rádio e na mídia impressa e foi um dos primeiros artistas a trabalhar na recém-criada televisão brasileira. Em 1954, decidiu abandonar a vida artística. Depois disso, dedicou-se a um restaurante de comida típica nordestina e, mais tarde, à pintura. Aqui, uma de suas raras reaparições, no filme "Amor para três", de 1960:





sexta-feira, julho 05, 2013

Quando a mídia começou a mandar no futebol

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Rede Globo e CBF: relações promíscuas
Em 2012, as cotas de TV representaram 40% do faturamento conjunto de R$ 3,08 bilhões dos 20 maiores clubes brasileiros em 2012, segundo estudo do consultor Amir Somoggi divulgado recentemente. Isso explica a ingerência explícita de grupos de comunicação como a Rede Globo na (des)organização do calendário futebolístico nacional, no dia e horário dos jogos, na cartolagem da CBF e dos clubes e em outras questões decisivas. Mas esse tipo de promiscuidade vem de muito longe. O livro "O Marchal da Vitória - Uma História de Rádio, TV e Futebol", biografia do finado empresário e cartola Paulo Machado de Cavalho, de autoria dos jornalistas Tom Cardoso e Roberto Rockmann (Editora A Girafa, 2005), aponta momento exato em que política, poder, dinheiro, futebol e comunicação se cruzaram no Brasil.

Record engajou-se na 'Revolução'
Depois de comprar a minúscula Rádio Record em 1931, Machado de Carvalho conseguiu projetá-la no ano seguinte ao engajar-se fortemente na "Revolução Constitucionalista" do ano seguinte, insurreição da elite paulista contra o ditador Getúlio Vargas que contou com a adesão total da referida emissora de rádio para mobilizar a população. Após três meses de batalhas, o governo federal venceu os paulistas e fechou a Record - que seria reaberta graças aos contatos amistosos de Carvalho, filho de tradicional família "quatrocentona" paulistana, com o general Cordeiro de Farias, indicado por Vargas como novo chefe de polícia em São Paulo. Mais do que isso: o ditador se interessou pelo poder da emissora a usaria para seus fins populistas. Porém, no rescaldo daquele pós-"Revolução Constitucionalista", a Record teve que acabar com o noticiário político.

Plantão da Record nos anos 1930
Foi então que o empresário de comunicação resolveu apostar todas as suas fichas na programação esportiva. Como ainda não se narrava jogos em São Paulo, a Record criou o primeiro plantão esportivo do Brasil, com cinco telefones de manivela ligados aos estádios e pistas de corridas de cavalo. "A cada gol ou páreo, um repórter discava para a sede da Record e dava a notícia". Essa cobertura "ao vivo" não existia e fez enorme sucesso. As emissoras concorrentes ouviam as notícias "frescas" da Record e, minutos depois, divulgavam para seus ouvintes na maior cara dura. E, assim como contou com a sorte ao comprar a emissora logo antes da "Revolução" de 1932, movimento que selou a ligação da Record com a população, Paulo Machado de Cavalho acertou instintivamente outra vez ao apostar no esporte justo em 1933, quando o futebol se profissionalizou no país.

Rio-SP de 1933: Palestra campeão
Para celebrar a mudança, dirigentes paulistas e cariocas deram uma trégua nas rixas bairristas e organizaram naquele mesmo ano, em parceria, o primeiro Torneio Rio-São Paulo. A Record contratou mais funcionários para a equipe do "Esporte nas antenas" e aumentou de cinco para sete o número de linhas telefônicas instaladas em campos das duas cidades. Com isso, liquidou a concorrência. Mas a Rádio Cruzeiro do Sul, de propriedade do milionário Alberto Byington, resolveu acabar com essa hegemonia. E, com isso, inaugurou o poder dos meios de comunicação sobre o futebol brasileiro. Terminado o Torneio Rio-São Paulo, a Associação Paulista de Esportes Atléticos (Apea) enviou uma carta à Record anunciando que a partir de 1934 só a Cruzeiro do Sul teria permissão para transmitir jogos de futebol.

Inauguração do Pacaembu, em 1940
O preço? Byington comandava o comércio de vendas de material de iluminação e propôs aos clubes, em troca da exclusividade nas transmissões, iluminar (a preços camaradas...) todos os estádios de futebol da cidade. Fora isso, ofereceu salários milionários para tirar a equipe que cobria esportes na Record. Somente em 1940, com a inauguração do estádio municipal do Pacaembu - que hoje tem o nome de Paulo Machado de Carvalho - foi que todas as emissoras da cidade passaram a ter cabine à disposição para transmitir os jogos, sem pagar nada por isso. Mas o dono da Record estava escaldado: embarcou diretamente na cartolagem futebolística, como diretor e presidente do São Paulo e, depois, como chefe das delegações brasileiras que venceram as Copas de 1958 e 1962, quando ganhou o apelido de "Marechal da Vitória".

Bellini com Paulo Machado de Carvalho, o 'Marechal da Vitória'
Assim, já proprietário da Rádio Panamericana e da TV Record, conseguiu respaldo político para que suas emissoras voltassem a transmitir futebol e estruturassem coberturas esportivas que marcaram época. Curioso é que, em 1965, proibido pela Federação Paulista de Futebol (FPF) de transmitir os jogos do Paulistão, pois os clubes reclamavam da baixa bilheteria nos estádios, Paulo Machado de Carvalho teve que tirar da cartola qualquer coisa que pudesse preencher o horário televisivo das tardes de domingo. Foi assim que surgiu o programa "Jovem Guarda", sucesso estrondoso entre a juventude que projetou para o estrelado Wanderléa, Erasmo Carlos e, principalmente, Roberto Carlos. Mas isso já é outra história...