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A biografia de Paulo Machado |
Segundo o livro "O marechal da Vitória", de tom Cardoso e Roberto Rockmann (já citado
neste post aqui), em março de 1942, o
empresário Paulo Machado de Carvalho, um dos proprietários da Rádio Record, estava disposto a reforçar o São Paulo Futebol Clube, do qual era diretor de Esportes, com "um jogador tecnicamente brilhante, experiente, que melhorasse a autoestima dos outros atletas e da torcida". A duas semanas do início do Campeonato Paulista, não havia qualquer atleta com essas características no mercado. Foi então que o "Acaso de Almeida" deu as caras. Conta o livro:
"Paulo Machado chegou desanimado à Rádio Record. (...) Ao notar que o patrão, normalmente de bom humor, estava ansioso, angustiado, o cantor de emboladas Manezinho Araújo decidiu puxar conversa:
- Boa tarde, doutor Paulo, como vai o São Paulo? Pronto para o título?
- Estamos trabalhando para isso, Manezinho.
- Tenho um amigo que adoraria jogar no São Paulo.
- Quem?
- Leônidas da Silva.
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Manezinho, o amigo de Leônidas |
O cantor pernambucano, e também redator da Record, estava de gozação, pensou Paulo Machado. Leônidas da Silva, "O Diamante Negro", era um dos maiores craques do mundo, artilheiro da Copa de 1938, na França, e estrela maior do futebol do Rio de Janeiro, onde atuavam os melhores jogadores do país. Paulo Machado pensou em encerrar a conversa, mas antes, por curiosidade, quis ver até onde o empregado levaria aquela história:
- É mesmo, Manezinho? O Leônidas sairia do Rio para jogar em São Paulo?
- Sim, doutor Paulo. Ele está sem clube, mas quer jogar, não importa o lugar.
- E o Flamengo?
- Ele não quer jogar nunca mais no Flamengo.
- Quem disse isso?
- No Rio não se fala em outra coisa."
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Leônidas da Silva no Flamengo |
Como se diz na gíria, "o peixe estava fisgado". Curioso, Paulo Machado de Carvalho descobriu que, em 1941, Leônidas se recusara a viajar com o Flamengo numa excursão à Argentina, alegando que estava machucado. O clube, que receberia cachê menor sem o astro, queria obrigá-lo a jogar, acusando-o de fazer corpo mole porque queria ficar no Brasil para atuar em campanhas publicitárias. Leônidas rompeu com o clube carioca, que, como vingança, recuperou uma acusação antiga para que ele fosse preso: fraude num certificado de reservista para escapar do Exército. Assim, em 25 de julho de 1941, pouco depois de brigar com o Flamengo, o atacante, com o menisco do joelho direito recém-operado (prova de que não mentira ao recusar a excursão), foi detido numa Vila Militar, onde passou oito meses. Liberto em março de 1942, deu uma entrevista a "O Globo Esportivo" afirmando que preferia abandonar o futebol a retornar ao clube da Gávea, que ainda detinha seu passe. Prossegue o livro:
"Desencantado com o futebol, em litígio com o Flamengo, Leônidas havia se isolado e pedia aos empregados que não abrissem a porta para ninguém. (...) A comitiva do São Paulo estava pronta para fazê-lo abandonar o pijama e voltar a jogar. Além de Paulo Machado e [Roberto] Gomes Pedrosa [ex-goleiro e, na época, dirigente do SPFC], desembarcaram no Rio de Janeiro Manezinho Araújo e Raul Duarte, eterno homem de confiança de Paulo Machado. O primeiro [Manezinho] teria a missão de avisar Leônidas do interesse do São Paulo e fazer a proposta milionária. Já Raul Duarte, se tudo desse certo, colaria no craque até a sua chegada à Estação do Norte (depois Estação Roosevelt), no bairro do Brás. Quando chegou ao Rio, Manezinho telefonou:
- Como vai a vida, Leônidas?
- Estou bem aqui, sossegado em meu canto.
- Um pessoal do São Paulo quer vê-lo.
- Diga a eles que não falo mais sobre futebol.
- Eles vão pedir alto para comprar seu passe, Leônidas.
- Não estou à venda, Mané.
- Nem por 200 contos de réis?
- O quê?
- Isso mesmo, 200 contos de réis: 120 para você e 80 para o Flamengo.
- Traga eles aqui. Vamos conversar."
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1 conto de réis (Caixa de Conversão, 1907) |
O espanto e a imediata mudança de atitude de Leônidas justificam-se: segundo Laurentino Gomes, no
livro "1808", um conto de réis (ou 1 milhão de réis) equivaleria, hoje, a cerca de R$ 123 mil (
leia sobre isso clicando aqui). Ora, 200 contos seriam, portanto, R$ 24,6 milhões -
praticamente o mesmo valor pago pelo São Paulo, 71 anos depois, para tirar o meia Paulo Henrique Ganso do Santos. Caso essa estimativa esteja próxima do que realmente valia em março de 1942, significa que a proposta do São Paulo foi dar algo como R$ 9,8 milhões para o Flamengo e nada menos do que R$ 14,7 milhões para Leônidas da Silva. Não admira que tanto o clube carioca como o atleta tenham aceito o negócio na hora.
Segundo o livro, "hábil nos bastidores, bom de papo, conciliador, o diretor de esportes [do SPFC, Paulo Machado de Carvalho] foi aos poucos convencendo os conselheiros do clube e empresários ligados ao esporte de que a contratação de Leônidas mudaria para sempre os negócios do futebol em São Paulo". Ou seja: a fortuna gasta teria retorno para todos, pois o negócio do futebol passaria a outro patamar na capital paulista, multiplicando os lucros com rendas e transmissões radiofônicas das partidas, propagandas nos estádios e nas emissoras, incremento do comércio (e da indústria) etc etc. O espetáculo de massa da chegada de Leônidas a São Paulo confirmou que a aposta era certeira:
"O bacteriologista Alexander Fleming levou um susto ao desembarcar no bairro do Brás, em São Paulo, no dia 10 de abril de 1942, onde dez mil pessoas se espremiam em frente à Estação do Norte. Famoso no mundo inteiro por ter descoberto a penicilina, o primeiro antibiótico moderno, o médico escocês não esperava ser recebido com tanta atenção e carinho pelo povo paulista. Mas Alexander Fleming caminhou despercebido entre a multidão. [Ao contrário do que pensava,] Todos estavam ali para ver de perto o homem negro que sentara ao seu lado na primeira classe: Leônidas da Silva".
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Multidão carrega Leônidas nos braços em sua chegada a São Paulo (10 de abril de 1942) |
Apesar de não ter ganho o Campeonato Paulista daquele ano de 1942, o São Paulo,
com Leônidas da Silva, conquistaria cinco títulos estaduais em oito anos, alcançando o mesmo
status de Corinthians e Palmeiras e transformando-se num dos grandes esquadrões brasileiros dos anos 1940. Com o apelido de "Rolo Compressor", na segunda metade daquela década, o Tricolor só encontrava concorrência nos timaços do Internacional-RS e do Vasco da Gama. Infelizmente, para Leônidas, a Segunda Guerra Mundial fez com que as Copas de 1942 e 1946 não fossem disputadas e, em 1950, ele já estava abandonando o futebol, aos 36 anos. Mas Paulo Machado de Carvalho colheu todos os méritos por ter apostado no veterano jogador e, em 1958, coordenaria a seleção brasileira que traria nosso primeiro título mundial, na Suécia, consagrando-se eternamente como o "Marechal da Vitória".
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Paulo Machado (em pé, à esquerda) e Leônidas (centro, agachado): bi paulista em 1946 |
Fica a dúvida, que a biografia de Paulo Machado não soluciona: será que, com tanto dinheiro envolvido, Leônidas ou o São Paulo recompensaram Manezinho de Araújo? O mais provável é que o cantor, compositor, jornalista e pintor nordestino tenha sido levado pelo colega jogador para comemorarem em longas noitadas de boemia. Curioso é que Manuel Pereira de Araújo, o Manezinho, nasceu em Cabo de Santo Agostinho em 27 de setembro de 1913, exatamente 21 dias depois de Leônidas vir ao mundo, no Rio. Empregado das rádios Mayrink Veiga e Philips a partir de 1933, na capital fluminense (e, então, do Brasil), Manezinho gravou discos e atuou no cinema sempre interpretando emboladas de sua autoria. Atuou também como jornalista no rádio e na mídia impressa e foi um dos primeiros artistas a trabalhar na recém-criada televisão brasileira. Em 1954, decidiu abandonar a vida artística. Depois disso, dedicou-se a um restaurante de comida típica nordestina e, mais tarde, à pintura. Aqui, uma de suas raras reaparições, no
filme "Amor para três", de 1960: