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Corinthians e Botafogo, jogo de volta da semifinal da Copa do Brasil. O Timão precisa ganhar de 1 a 0 ou por dois gols de diferença. 2 a 1 e virão os temidos pênaltis (detesto pênalti).
Antes do jogo eu não sabia o que fazer. Na segunda partida contra o Goiás, descrente (que erro gravíssimo), assisti minha aula de quarta-feira e ia embora pra casa sem sobressaltos, quando o celular de um amigo corintiano toca. Era um outro alvinegro, ligando direto do Morumbi, onde o Corinthians sapecava 4 a 0 no time esmeralda. Corremos pro boteco e vimos o segundo tempo entre cervejas e gargalhadas. Cheguei em casa umas 4h da manhã.
Contra o São Caetano, confiante, não me preocupei muito e, dessa vez, estava com a razão. O churrasco e a cerveja caíram como uma luva, melhorados pela vitória e a companhia de minha namorada, que é meio santista, meio atéia futebolística. Desceu tudo macio e dormi o sono dos classificados.
O primeiro jogo da semifinal vi no boteco onde tinha visto o primeiro das quartas, com o santista Glauco Faria. A mesa mudou de lugar e apareceu o tricolor Marcão, mas o cenário era praticamente o mesmo. O resultado, contudo, foi bem outro.
E nesse jogo, não sabia o que fazer. Não tinha mística, não tinha repetição, cada jogo foi uma história. Como para esse time do Corinthians, briguento, brabo pra caramba, com a cara, Deus meu, com a cara da torcida.
Decidi fazer o mesmo dos outros jogos e nada fazer. Fui para a aula e sai pra beber com um cara e duas moças da sala. Uma palmeirense e dois desligados dessa coisa maravilhosa, única, intensa, inexplicável que é o futebol. A moça verde é sincera e logo anuncia: vai torcer contra. Acho justo, mas me preparo para ter o inimigo a minha frente. O bar, descubro, é reduto alvinegro, e são várias as camisas amigas.
O papo era cabeça, psicanálises, antropologias, etnografias, éticas e o diabo a quatro. E eu com um olho e meio no jogo. Mano Menezes me escala o time com os benditos três zagueiros e eu temo. Mas algo funciona e o Timão pressiona. O primeiro tempo é pegado, brigado, suado, e nada de gol. A conversa flui entre Levi Strauss e terapia ocupacional. Eu tenso, tenso, tenso. A palmeirense não cumpre o prometido e ignora a partida.
Volta o jogo e o Corinthians vai pra cima. Seis minutos: lançamento na direita, Herrera ganha de um, corta o outro e entrega para o recém entrado Acosta manter sua sina contra o Botafogo. 1 a 0 Timão e eu vibro, grito, xingo com gosto. Na mesa, recebo o o olhar meio perplexo de meus companheiros agnósticos. Minha comemoração encontra eco, ainda que estranho, exatamente na inimiga, palmeirense infiltrada.
O desastre ocorre logo dois minutos depois: bola cruzada na área, confusão, Felipe pega mas rebate, e é gol do Botafogo. A agnóstica ao meu lado ensaia uma zombaria (o namorado e sãopaulino, percebam), mas não vai longe. Seu companheiro de credo não liga muito, e os dois voltam a problemática da luta antimanicomial. E a palmeirense, pasmem, se compadece.
Começo a achar que não vai. Mas aos 19, Chicão mete uma falta na direita de Castillo. Li que foi falha, mas eu e a palmeirense concordamos que foi “um golaço”. Timão no jogo, e eu entornando e fumando que nem um desesperado.
A cosia aperta. Vejo Marcel entrar em campo e filosoficamente me questiono sobre o cheiro do conteúdo da cabeça de Mano Menezes. Carlão entra também, e a neurose só aumenta. Calor do Botafogo, e vamo que vamo. Mas não tem jeito (ou foi esse o jeito? Ah, a filosofia...): pênaltis.
Eu odeio pênaltis. Não sei se olho ou saio da sala, tenho a impressão de que alguma coisa que eu fizer, qualquer coisa, vai alterar todo o curso do universo e dar ou não a vitória a meu time. “Pênalti é injusto, mor sofrimento”, concorda a palmeirense. Mas é assim, pondero eu.
Ficamos os dois presos ao jogo, enquanto Winnicott e a pesquisa acadêmica seguem seu caminho ao lado. Eu estou em frangalhos de tensão. Ela se preocupa. Ela se agita. E, pasmem de novo, torce para o Corinthians.
Chicão, Lúcio Flávio, Herrera, Alexandro, Nilton (que medo), Andŕe Luiz, Alessandro, Jorge Henrique, Acosta. E desisto de algum goleiro pegar pênalti. Vai ter que ser erro grosseiro do batedor. Na última batida, de Zé Carlos, não incentivo Felipe a pegar, mas o batedor a chutar pra cima. Ele segue meio que minha orientação e manda a meia altura, no lado esquerdo do goleiro. E Felipe, talvez ofendido, pega. Pega! PEGA!!! É Corinthians!!!! É CORINTHIANS NA FINAL!!!!
A palmeirense diz que é assim mesmo, que não é competitiva, que não consegue ver um amigo sofrendo e torcer contra. Mas eu entendo o que aconteceu. Entendo quando ela explica para a agnóstica por que o futebol é mágico. “Tem que ir no estádio para entender”, ela diz. “O fenômeno social”, emenda, meio encabulada. A Fiel ganhou até a inimiga. O Botafogo lutou bravamente, mas quando um time desses se afina com uma torcida dessas, meu amigo, fica difícil. Nessa quarta, Deus, se houver, estava com o Corinthians.
PS.: Amanhã penso no Sport, que passou também apertado contra o Vasco (com direito a pênalti na lua de Edmundo) e faz a final contra o Corinthians. Os dois times chegam na pilha, de batalhas homéricas, e o bicho vai pegar na final.
PPS.: Depois de tudo acabado, cada um para seu lado, liguei para meu pai em Mauá. “Até que enfim esse time dá uma alegria pra gente”, disse ele. E tem razão. Não tinha percebido há quanto tempo o Corinthians está na merda. Essa é a hora de sair na foto de novo, e esse time merece.