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sexta-feira, outubro 31, 2008

O Vaticano quer saber: você é casado? Tem filhos?

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Depois do questionamento que desanimou boa parte da militância petista em São Paulo e fez muita gente tomar Dramin até o dia da eleição, a imprensa deixou de dar destaque a manifestações mais ou menos homofóbicas que aparecem discretamente no noticiário.

Claro que é muito mais fácil bater no PT do que no Vaticano. Mas o politburo de Bento XVI anunciou nesta quinta-feira, no documento "Orientações para o uso das competências da psicologia na admissão e formação dos candidatos ao sacerdócio", que irá recorrer a psicólogos para avaliar se os seminaristas são homossexuais.
 
Dentre os “sintomas” que os psicólogos deverão detectar estão "as dependências afetivas fortes", a "identidade sexual incerta" e "a tendência arraigada à homossexualidade". Contudo, o documento ressalta que, democraticamente, os candidatos a padre só serão submetidos ao teste psicológico com "o consentimento prévio, livre e explícito". Fico imaginando o que pode acontecer com que se negar a participar de tal teste...

Como tudo na cúpula da Igreja Católica, o documento foi elaborado com rapidez. Demorou apenas seis anos para ser confeccionado, uma ano a mais do necessário para finalizar a estátua do Cristo Redentor. Tais medidas datam da época em que João Paulo II ainda habitava o reino dos vivos e a idéia, na prática, é evitar que novos escândalos envolvam sacerdotes da Igreja de São Pedro.

O curioso é que a deixa para tais atos seja os casos de pedofilia envolvendo padres. Ora, há uma equivalência pra lá de equivocada entre homossexualidade e pedofilia, esta última entendida, de acordo com a OMS, como "preferência sexual por crianças, quer se trate de meninos, meninas ou de crianças de um ou do outro sexo, geralmente pré-púberes ou não". Ou seja, tal prática criminosa não é restrita a homossexuais, como até os coliformes do Tietê sabem. Fazer esse tipo de relação é tão absurdo como dizer que todo padre é pedófilo ou asneira semelhante.

Aliás, deveras curiosa a relação da Igreja Católica com os homossexuais. O Catecismo pondera que a tendência à homossexualidade não é pecado, mas a prática – ah, a prática -, essa sim. É uma “depravação grave”, ato “intrinsecamente desordenado e contrário à lei natural”. E segue dizendo que “um número não negligenciável de homens e de mulheres apresenta tendências homossexuais inatas. Não são eles que escolhem sua condição homossexual; para a maioria, pois a maioria, pois, esta constitui uma provação. Devem ser acolhidos com respeito, compaixão e delicadeza. Evitar-se-á para com eles todo sinal de discriminação injusta”.

Como se vê o catecismo é bem respeitoso com os homossexuais dizendo ser contra a discriminação. Mas, logo em seguida, os chama à “castidade”. Ou seja, a Igreja admite que uma pessoa possa ser homossexual, mas “praticar” não pode. Se bem quem nem os heteros podem fazê-lo antes do casamento. Como não existe casamento homossexual, resta a opção pelo celibato. E, pior: nem se for celibatário ele pode ser padre. Vida difícil que vive o católico gay...

Em tempo: não é só na Igreja Católica que existe uma confusão a respeito de homofobia. Aliás, já vi um belo presépio em exposição no Mosteiro São Francisco, em São Paulo, onde lá estavam representados homossexuais e outros segmentos excluídos e/ou discriminados da sociedade. Nem sempre a base segue a cúpula. Ainda bem.

Mas realmente é de arrepiar quando se vê que em um lugar onde deveria estar – ou se acha que está – a “nata” da intelectualidade paulista, ocorre um episódio como esse. Pra quem não quiser ler o link, trata-se de um casal homossexual que foi expulso de uma festa na Veterinária da USP. Pobre Iluminismo brasileiro...

sexta-feira, junho 13, 2008

A sociedade dos distintivos

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Estava ontem no ônibus, umas cinco e meia da tarde, voltando com meu filho da escolinha pela avenida Franscisco Morato, zona Oeste de São Paulo. Eu tinha acabado de passar a catraca e ia descer no ponto seguinte, quando deparei com um rapaz de uniforme esportivo, tipo agasalho "adidas", bem diante da porta. Num primeiro relance, achei que era um torcedor do Fluminense, pois o uniforme era branco, com três listras no ombro, duas verdes e uma rosada no meio. Mas não, era um torcedor da Mancha Verde, paramentado do tênis ao boné.

Meu filho também se interessou pelo palmeirense e ficou olhando, até que abriu o seu sorriso de quatro dentes. O rapaz retribuiu com um sorriso simpático, deu uma risadinha e falou comigo "Tô vendo que não é corintiano". Havia uma cumplicidade boa na sua fala, ele realmente achou que uma criança que sorrisse para ele daquele jeito tinha que ser palmeirense, ou no mínimo não ser corintiano. Ao que respondi, amigavelmente, "Claro que é".

O moço fechou a cara, apertou um pouco os beiços e fixou os olhos no chão. "Embaçado", disse. "Ele é respeitador", acrescentei, pra quebrar o clima. Mas não teve jeito, o até então simpático palmeirense não tirou os olhos do piso do ônibus até que a porta abrisse e ele descesse, no mesmo ponto que nós, sem um gesto.

Duas reflexões me sobrevieram. A primeira foi a constatação de que um torcedor fanático lê o mundo apenas pela lente de sua identidade de torcedor. Quer dizer, ele mesmo se reduz ao distintivo que leva no peito, como um soldado, um membro de seita. Aquele palmeirense não podia entender que eu pudesse ser simpático com ele, sendo ao mesmo tempo seu adversário de torcida - "seu inimigo", devia pensar. Sua farda é o que ele é, ele acredita que quem o vê não o enxerga como uma pessoa complexa, com uma história própria, com qualidades e defeitos, o vê simplesmente como um palmeirense. E a um sorriso de um desconhecido reagiu simplesmente como torcedor.

A segunda coisa, um ponto a frente, é que nesse contexto até mesmo meu filho Chico tinha algo de ameaçador. Registre-se, é um bebê de um ano de idade, mas sendo ele corintiano o palmeirense não podia se render ao apelo de seu sorriso fofo, e continuar com os gracejos que todo mundo faz. Já era um pequeno inimigo. É terrível isso. A adesão a uma torcida, algo que legitimamente faz parte da mitologia individual-social de pessoas e grupos, pode se tornar mandamento moral, regra de conduta para se saber quem são as boas e as más companhias. É a violência das verdades morais se manifestando de forma crua e próxima, do mesmo tipo que se usa para fundamentar as "cruzadas" pelo "bem", ou outro tipo de cegueira violenta. Toda a necessidade de compartimentação - i.e., de discriminação - em nossa sociedade se mostrava naquele gesto de mirar o chão e evitar o encontro com o olhar daquele bebê maligno.

Que não me interpretem mal. Uso o exemplo do palmeirense porque eu e Chicão somos corintianos, e conosco essa cena obviamente não poderia ter acontecido com um membro da Gaviões. Mas meu assunto não são os palmeirenses, e sim essa simplificação do homem, essa redução de natureza fascista, que pode muito bem servir de modelo para entendermos outros tantos tipos de discriminação com os quais convivemos.