1- A FALÁCIA DO "CRESCIMENTO E
EMPREGO"
O governo e os corifeus da tragédia neoliberal exultam
apregoando os "bons indicadores" do crescimento e do emprego. Mas a propaganda
não passa de uma bela embalagem sem nada lá dentro. O PIB regride relativamente
a 2012, cai para níveis de 2000 (há 14 anos!); o desemprego é mascarado com a
emigração e o subemprego – trabalho parcial, por exemplo, de 1 a 10 horas
semanais.
Em "Utopía 14", Kurt Vonnegut descreveu uma sociedade de alto
nível tecnológico, dominada por uma camada desfrutando de elevados padrões de
vida, face à grande maioria marginalizada e vivendo nos limites da subsistência.
Admitindo por hipótese que alguma estabilidade económica e social fosse possível
nesta fase do capitalismo, capitalismo senil, as políticas atuais configuram
como objetivo este modelo de sociedade: uma elite tecnocrática, face a um
proletariado na condição de "servo da gleba". Diga-se que o livro termina com
uma revolução.
No Portugal do salazarismo houve crescimento e emprego
associado à repressão, à miséria, a maior atraso relativo. Na América Latina, em países submetidos aos critérios do
FMI e do neoliberalismo, impostos por sangrentas ditaduras, também houve pelo
menos de início, crescimento e emprego com aumento da pobreza e da dependência
externa.
Nos EUA, em dois anos da dita "recuperação económica", os 7%
mais ricos aumentaram em 27% a sua riqueza, mas para os restantes 93% caiu 4%. O
ganho acionista de 50% entre 2011 e 2013, à custa dos milhões pagos pelos
contribuintes, foi na sua grande maioria para as mãos dos 5% mais ricos. Porém, o sistema de saúde é para quem pode pagar e segundo
a "Feeding America" uma em cada seis pessoas passa fome.
Os instrumentos
de gestão do Estado que democraticamente poderiam servir para o desenvolvimento
são eliminados e a sociedade entregue aos "estabilizadores automáticos" dos
"mercados", isto é, ao domínio da especulação e dos monopólios".
O
período pós-guerra constituiu de facto uma fase de desenvolvimento económico nos
principais países capitalistas, não se podendo ignorar que muito disto se devia
a relações coloniais e neocoloniais com países de capitalismo dependente. Nessa
altura o peso do Estado na economia atingia 50% ou mais do PIB e nos países mais
avançados quase 60%; a FBCF por parte do Estado e o sector empresarial do Estado
eram relevantes e considerados condição do desenvolvimento económico e social.
Tratava-se de mais uma das máscaras do estado capitalista. A derrota do nazi-fascismo, em que o grande capital tinha
abertamente colaborado com os agressores em muitos países e a luta popular,
aliada ao prestígio da URSS e das teses marxistas, obrigavam o sector
capitalista a cedências para conservarem o essencial do seu poder.
De
facto, como dizem Marx e Engels no "Manifesto", em capitalismo "a situação
material do operário pode melhorar, mas à custa da sua situação social" e do seu
empobrecimento relativo.
O neoliberalismo pode, transitoriamente, entre
as crises, permitir algum crescimento, mas sem desenvolvimento. O
desenvolvimento visa a máxima satisfação das necessidades sociais e a
sustentabilidade ecológica. Necessidades sociais que serão tanto mais e melhor
contempladas quanto menor for a desigualdade na repartição do rendimento e o
aumento da produtividade social.
Numa economia sem desenvolvimento, como
a neoliberal, o social é considerado ineficiente visto que não produz lucro
visível a curto prazo e não reverte diretamente para o sector capitalista. As
despesas do Estado só são consideradas eficientes se o sector capitalista tiver
nelas interesse direto. Os apoios sociais, para além da retórica de propaganda,
só não são totalmente retirados com receio das reações da opinião pública.
Numa visão de futuro para o planeta e no interesse de todos os povos, os
países mais ricos e de alto nível tecnológico deveriam concentrar os seus
esforços não na corrida armamentista e no "crescimento" sobretudo à custa dos
mais pobres, mas no desenvolvimento de tecnologias que reduzissem os impactos
ambientais e na melhoria das condições económicas e sociais de todos os povos.
Mas esta evidência e exigência para a própria sobrevivência da humanidade, mais
que uma utopia, trata-se de uma impossibilidade teórica em termos capitalistas,
por muito que tal custe a ser reconhecido pela social-democracia/socialismo
reformista.
2 -OS MITOS DO CRESCIMENTO
A decadência do
sistema capitalista nesta fase neoliberal, derradeiro recurso para a queda da
taxa de lucro, torna-se evidente ao verificarmos que apenas se fundamenta em
mitos, negados pela realidade objetiva. A existência social destes mitos fica
apenas a dever-se a intensa propaganda e à deliquescência ideológica da
social-democracia/socialismo reformista. Destacamos alguns, sem a pretensão de
análise exaustiva que pode ser encontrada em vários textos deste espaço.
O mito dos "mercados" corresponde à financeirização da economia,
à sua entrega à especulação e usura, apoiada em paraísos fiscais, percorrida
pela corrupção e pela fraude, suportada pelos bancos centrais (BCE, FED, etc.).
Os "mercados" servem de arma de agressão social e opressão contra os povos por
eles dominados, concretizada na chantagem dos juros e nos planos de austeridade,
com ou sem troikas.
A eficiência capitalista , erroneamente dita
privada, é outro mito. As grandes empresas mundiais são monstros burocráticos
que só sobrevivem devido ao poder militar do imperialismo, suas agências
económicas (FMI, BM, OMC, CE, BCE) e serviços conspirativos (CIA, agencias e ONG
sob seu controlo, outros serviços secretos).
As grandes empresas não
correm riscos de depender do mercado, por isso deslocam-se para áreas de lucro
garantido – na energia, telecomunicações, distribuição alimentar, imobiliário e
turismo de luxo. Tudo muito longe dos riscos que teoricamente o capital corre e
que servem de argumento para os privilégios obtidos.
O grande capital
não vai à falência, as empresas podem desaparecer, deslocalizar-se, serem
absorvidas, vendidas por partes no interesse exclusivo dos principais
acionistas, com indemnizações milionárias para os gestores Na banca, os governos
assumiram a responsabilidade pela irresponsável gestão financeira, e fazem-na
pagar aos trabalhadores. Os riscos de mercado estão reservados para as MPME.
Aqui radica a decantada eficiência capitalista, que acarreta
despedimentos e degradação do nível de vida dos trabalhadores. O capital
permanece intacto, reage à taxa ROE (taxa de lucro das ações) transforma capital
produtivo em capital fictício.
Se a economia dita de mercado é tão
eficiente, então como explicar as crises, por que não deixam falir os bancos
insolventes, porquê a fraude e a corrupção, a promiscuidade com o dinheiro sujo
do crime organizado, porquê oferecer rendas monopolistas ao grande capital?
Com o álibi do "crescimento e do emprego" são concedidos perdões
fiscais, redução de impostos, benefícios fiscais e "incentivos" ao grande
capital, que o PS apoia e a UGT aplaude. A falsa eficiência destes incentivos,
resgates financeiros e outros processos de drenar a riqueza criada para os
bolsos de uma ínfima minoria, está bem patente nos EUA.
Entre o final de
2007 e meados de 2010 o Fed proporcionou 16 milhões de milhões de dólares para
"resgates" ao sistema bancário e grandes empresas nos EUA e na UE. Um roubo de
US$16 milhões de milhões. É ingénuo esperar que a minoria responsável por um
sistema que para ela funciona bem democratize a economia e a política. Esta é a
tarefa central dos 99%.
O investimento
externo é outro mito numa economia sem planeamento e com livre transferência
de capitais e lucros para paraísos fiscais. Tem sido uma forma das
transnacionais absorverem concorrentes (muitas vezes para os fecharem) num
processo de concentração e monopolização em que de qualquer forma o país perde o
controlo sobre os processos de desenvolvimento. As privatizações têm servido
para o grande capital transnacional se alojar em sectores estratégicos da
economia e em monopólios naturais exportando lucros, depauperando o país.
Um outro aspeto é a subcontratação a empresas que podem ser ou passar a
ser do mesmo grupo, baseada na troca desigual, na sub e sobrefaturação. A estes
subcontratos, embora por vezes consistam na fase mais importante do processo
produtivo, cabe apenas uma percentagem mínima do preço de venda. Num caso
estudado (telemóvel Nokia), esse valor não ia além dos 2%.
A flexibilidade laboral é um argumento a
que a social-democracia/socialismo reformista e o sindicalismo colaboracionista
se agarram para justificar em nome do crescimento e do emprego a redução de
direitos laborais e salários reais. A flexibilidade representa o trabalhador sem
direitos, sem autonomia, sem garantias nem no emprego nem no desemprego. O
objetivo da flexibilidade é baixar salários, mas baixos salários provocam a
estagnação económica. A ausência de "crescimento e emprego" resulta, sim, da
falta de investimento produtivo e de desenvolvimento económico e social,
consequência de uma sociedade hipertrofiada pelo grande capital monopolista,
pela usura e pela especulação.
A ilusão tecnocrática é um outro
mito pelo qual os problemas e contradições do capitalismo podem ser resolvidos
pela tecnologia. Não é a tecnologia que define ou muda o padrão e o modo de
funcionamento de uma sociedade – refira-se por exemplo, o nazismo ou as
condições sociais nos EUA – mas sim as leis fundamentais da economia política
que vigoram nessa sociedade.
O consumismo é outra ilusão
propagandeada, a "modernidade" com precariedade, estagnação ou redução dos
salários reais e consequente endividamento. Representa uma das formas mais
evidentes das contradições do sistema capitalista, sem dúvida uma das mais
perversas, baseada na alienação da consciência social e ambiental das pessoas. A
contradição entre um crescimento constante, guiado pela maximização do lucro,
num mundo de recursos finitos.
A sociedade espelho desta ideologia são
os EUA: com 5% dos habitantes do planeta consome 25% dos recursos mundiais
disponibilizados anualmente e polui na mesma proporção. Na realidade, "o
capitalismo não tem compromisso com o progresso social, não será capaz de
satisfazer as necessidades da população".
O
free-trade, o mito da concorrência "livre e não falseada" (com monopólios!)
obriga os países à exportação. Aos países tecnologicamente menos avançados resta
a competição em nichos de mercado praticamente saturados, na base de baixos
salários e trabalho sem direitos. O significado deste processo é exemplarmente
definido por Marx em "Teorias da Mais Valia": "O comércio externo determina a
forma social das nações atrasadas".
O "exportar mais" não passa de uma
comodidade de raciocínio, um simplismo para semear ilusões. No estado de (não)
desenvolvimento económico que Portugal atingiu, não se obtém "crescimento e
emprego", isto é, aumento do mercado interno, com base nas exportações, mas é a
partir do desenvolvimento do mercado interno que se desenvolvem as exportações.
A solidariedade europeia é outro mito, a que se agarrou a
social-democracia/socialismo reformista para tentar mascarar a sua decadência
ideológica. Mas não passa de uma ilusão, a "solidariedade europeia" está apenas
ao serviço dos "mercados", não dos povos.
Maurice Allais criticou as políticas de mercado livre da UE, o tratado de
Maastricht, previu a bolha imobiliária, opôs-se ao consenso de Washington e a
todas as teses do neoliberalismo e monetarismo. Para M. Allais, contrariando as
políticas da UE, "o mercado livre só é benéfico em circunstâncias especiais e os
seus efeitos só são favoráveis entre regiões com níveis de desenvolvimento
comparáveis". É uma evidência que mostra como na UE "o rei vai nu". Foi, apesar
do seu prestígio, silenciado. A então jovem "estrela" do PSF, Jacques Atalli,
conselheiro especial de Mitterrand, depois de Sarkozy, e algo parecido com F.
Hollande (!); ele próprio se tornou financeiro, considerou estas ideias
"estúpidas" e que "todos os obstáculos ao mercado livre são um fator que leva à
recessão". Na realidade, com estes "inteligentes" a UE
apenas conheceu recessão ou estagnação, desemprego e pobreza para níveis
inqualificáveis.
3 – COMO CONCLUSÃO
Todas estas falácias
soçobram perante as várias crises que simultaneamente o sistema traz ao mundo: a
económica e financeira, a social, a ambiental, a militarista.
A
eficiência capitalista é feita à custa da exploração imperialista e da troca
desigual, da insegurança dos trabalhadores e da repressão, conduzindo a um
processo de irreversível decadência; depredação ambiental e a expansão
parasitária, estreitamente interrelacionadas.
As anémicas recuperações
são seguidas de recaídas, a pobreza aumenta, os países capitalistas considerados
mais ricos são Estados cada vez mais insolventes.
A
social-democracia/socialismo reformista pretende resolver a crise económica e
financeira – e apenas esta! – pelo empobrecimento da classe trabalhadora e a
opção pelo militarismo (vide recentes resoluções na UE sobre o tema e a sua
participação na agressão e desestabilização da Líbia, Síria, Ucrânia, para só
mencionar estes).
O conceito de desenvolvimento opõe-se ao crescimento
capitalista, baseia-se na maximização da eficiência económica tendo em conta os
custos e benefícios sociais e não a maximização do lucro, o que só é possível
com uma política não capitalista, visando a construção do socialismo.