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Ficou assim: Dilma à esquerda, Aécio à direita e Marina no meio, piscando pro eleitorado dos dois |
Incorrendo
orgulhosamente no vício das metáforas futebolísticas, o cenário
político no Brasil hoje está parecendo um Corinthians e Palmeiras
em final de campeonato. O santista e o são-paulino podem se
refestelar no sofá de casa, apreciar a partida e secar qualquer dos
lados, enquanto os envolvidos diretamente roem as unhas e mal
conseguem entender o que se passa em campo.
É minha sensação: se
eu morasse no Uruguai, estaria tomando uma Nortenha e me preparando
para apertar um legalizado baseado com ávido interesse pela política do gigante vizinho. Como
analista político, temos uma eleição bem jogada, com novidades
interessantes, reviravoltas, suspense até o final – e temperada
duas vezes por um plebiscito popular pela reforma política que
rearticula e mostra a força do campo progressista. Como brasileiro
de esquerda (e eleitor de Dilma, digo logo para evitar mal-entendidos), bate um enorme medo de retrocessos.
A eleição
presidencial começou se mostrando um passeio no campo para a
candidatura petista. A presidenta Dilma Rousseff enfrentava níveis
de aprovação perigosos, mas liderava com folga sobre dois
concorrentes que não empolgavam. Aécio Neves e Eduardo Campos não
conseguiam galvanizar a aparente insatisfação do eleitorado, que
não é bem com o governo ou com o PT, mas um reflexo do grito
“contra tudo que está aí” que esteve entre os inúmeros brados de Junho de 2013. Havia um eleitor em busca de uma saída para mudar
sem retroceder no que já conquistou com os governos petistas.
A trágica morte de
Campos trouxe a opção que faltava: Marina Silva, a única política
de projeção nacional que teve seus índices nas pesquisas elevados
após as Jornadas de Junho. Com uma linda história pessoal de superação, trajetória de esquerda e uma aura de outsider da
política que construiu nos últimos anos (mesmo estando toda a vida
adulta a fazer política, vai entender...), ela apareceu como uma
opção para empunhar o discurso do “novo” que as ruas cobram.
A linha condutora do
discurso é o fim da polarização entre PT e PSDB, carta que já foi
usada por Celso Russomanno e Gabriel Chalita em São Paulo. Acena com
um governo dos “bons”, sem o intermédio dos partidos políticos,
corruptos por excelência no entender geral. Assim, acabaria com as negociatas ao
escolher os melhores de cada partido, de cada campo social. Na
prática, ela precisaria também acabar com os conflitos inerentes a
qualquer sociedade: patrões e empregados decidiriam de bom grado
sobre aumentos salariais, latifundiários e sem-terra estariam de
acordo sobre a reforma agrária, PM e moradores das favelas entrariam
em paz automaticamente, brancos e negros fechariam questão sobre as
cotas nas universidades.
O discurso esconde os
conflitos sociais, o que permite a Marina não se posicionar sobre
eles. É despolitizante e enganoso, pois restringe esses conflitos
aos partidos, como se as divisões partidárias não existissem para
representar as divisões da própria sociedade – e eu nem citei o
Marx aqui ainda pra falar em luta de classes. Nesse sentido, é
interessante que muitos dos eleitores de esquerda de Marina sejam
aqueles que criticam o PT por flexibilizar (eles talvez dissessem vender)
bandeiras históricas e fazer alianças com partidos de direita em
nome da governabilidade. A fala de Marina não é um recuo no
processo de peemedebização dos partidos brasileiros, mas antes um
passo adiante nesse caminho.
E no meio da geleia,
apresenta propostas de esquerda ao lado da direita mais perigosa.
Fala em aumentar gastos com segurança, com saúde, com o meio
ambiente. E fala em aumentar o superávit primário (grana que o
governo separa antes de qualquer outra despesa para pagar juros da
dívida), em independência para o Banco Central (leia-se
terceirização aos banqueiros) e medidas drásticas para conter a
inflação. É uma conta que não fecha, não dá pra cortar e
aumentar gastos ao mesmo tempo.
Os marineiros chamam esse tipo de
denúncia sobre as posições econômicas da candidata de “discurso
do medo”, mas não estamos falando do desconhecido aqui. Essas
medidas foram usadas no Brasil e em toda a América Latina durante os
anos 1990, a era de ouro neoliberal, e tiveram sempre o mesmo
resultado: recessão econômica, menor crescimento, desemprego, queda
nos salários. Se não lembra, basta olhar a situação de países
europeus como Espanha e Grécia, todos vítimas do mesmo receituário.
Dá medo sim, mas não é um mero discurso, é uma análise
histórica.
Pelas pontas
Bom, mas o fato é que
a entrada de Marina foi o fato novo que chacoalhou a eleição. A
partir daí, a possibilidade de Dilma descer a rampa do Planalto
tornou-se extremamente concreta. E também se cristalizou a chance,
cada vez mais uma certeza, de Aécio Neves ser o primeiro tucano fora da disputa final desde 1989, o que é ainda mais
interessante.
As duas candidaturas
começaram a se mexer em busca do eleitorado perdido, cada uma a seu
modo. Aécio falou em “mudança segura”, chamou FHC e outros
tucanos para seu programa eleitoral, garantiu Armínio Fraga,
queridinho do tal “mercado”, esse deus hoje já sem tantos
adoradores, no ministério da Fazenda em seu governo, declarou que há
“exageros” no seguro-desemprego brasileiro. Ou seja, quis mostrar
ao eleitorado conservador que a opção correta é ele, um direitista
de carteirinha e tradição. Não aceite imitações.
De sua parte, Dilma
também aumentou o tom, mas pela esquerda: falou em regulação
econômica da mídia (saída encontrada contra as ridículas
acusações de “censura”), defendeu claramente plebiscito e
constituinte para a reforma política, a criminalização da
homofobia. Em seu programa de TV, atacou duramente as medidas
neoliberais da economia prometidas por Marina e Aécio e contrapôs
claramente os interesses dos bancos e da população. Uma agenda de
esquerda, buscando os votos progressistas que apoiam Marina – em
especial os dos trabalhadores mais pobres.
Ou seja, a entrada de
Marina empurrou a eleiçaõ para as pontas: Aécio para a direita e Dilma para a esquerda. E
estamos falando aqui das propagandas eleitorais, que costumam ser
muito pouco sinceras. Se olharmos as publicidades do PT e do PSDB em
eleições passadas, na maior parte do tempo elas falam de platitudes
por educação, saúde e sei lá mais o que. Consensos, sem dizer com
muita clareza onde querem chegar. É na prática dos governos que as
diferenças aparecem, que os apoios sociais de desnudam e fica claro
o caráter programático e ideológico dos dois partidos, PT mais
para a esquerda, PSDB mais para a direita. O discurso político –
no melhor sentido da palavra, o das opções e alianças para
governar – só apareceu em momentos chave, em geral no segundo
turno, como na eleição de 2006, quando Lula jogou as privatizações
no colo de Alckmin.
É um efeito muito
positivo de uma candidatura muito perigosa, principalmente por suas
opções econômicas, que podem por a perder os ganhos sociais que
tivemos nos últimos 12 anos. Além dos investimentos em
infraestrutura, que Dilma ampliou muito, e das políticas de
desenvolvimento, como a opção por compras nacionais no pré-sal e
os juros subsidiados para certos setores – que Eduardo Gianetti, um
dos gurus de Marina, já disse que devem sumir, o que significaria na
prática o fim do Minha Casa Minha Vida, dos financiamentos via
BNDES, do Pronaf e outros programas na mesma linha.
Mas deixando de lado as
críticas, há fatores muito interessantes na candidatura Marina, a
maioria trazidos pelo movimento original da Rede Sustentabilidade.
Incluir a questão ambiental no modelo de desenvolvimento inclusivo
que queremos é importante. Mais ainda, a Rede congrega pessoas que
têm uma visão interessante sobre as demandas por maior participação
popular nas decisões públicas. Fortalecer essa parcela da base
marinista é um avanço para o país. Sem falar na escanteada que o
PSDB - logo, a direita neoliberal orgânica - está levando nessas eleições. Que a Rede (ou pelo menos essa
parte central dela, que prescinde de Marina) cresça e encontre uma
voz própria na economia, e que não seja tão atrelada aos bancos.