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Alexandre Maretti
Sobre o 11 de setembro de 2001, entre tantas coisas que li, uma que me emocionou foi a crônica enxuta e densa do escritor norte-americano Paul Auster, que descrevia a tragédia sob uma ótica simples, a do cotidiano de um homem cuja filha estava perto da catástrofe.
No episódio da queda do Airbus da TAM de 17 de julho de 2007, igualmente, foi um escritor – que saiu fora das dramatizações baratas e proselitismos políticos toscos – que me emocionou, o que também tem a ver com o fato de que eu fui criado ali, naquela região onde caiu o avião, em Congonhas. Quando a tragédia atinge a nossa aldeia, aquela de onde a gente veio, o espírito sente mais.
Mas este post, enfim, é apenas o pretexto pra divulgar a crônica do escritor gaúcho Moacyr Scliar, que copio abaixo na íntegra porque nem todo mundo é assinante do Uol ou da Folha, onde o texto foi publicado na sexta-feira última, dia 20. Merece o registro, é um texto muito bonito.
A tragédia vista de Porto Alegre
(Folha de S. Paulo - 20 de julho de 2007)
MOACYR SCLIAR
Porto Alegre é uma cidade grande, como as metrópoles brasileiras. Mas mesmo as cidades grandes, por vezes, voltam no tempo e regridem à época em que eram pequenas cidadezinhas interioranas, provincianas. Isto aconteceu com a capital gaúcha, na última terça. A notícia do medonho acidente com o avião da TAM foi recebida com incrédulo horror. As pessoas não podiam acreditar que aquilo tinha acontecido. E aí veio o pânico, o desespero. Famílias inteiras correram para o único lugar em que podiam obter informações, o aeroporto Salgado Filho. Um aeroporto do qual os porto-alegrenses se orgulham, mas que era, naquele momento, cenário para cenas de dor e de sofrimento. A notícia rapidamente se espalhou. Num primeiro momento, não se sabia ao certo quem estava a bordo, o que desencadeou uma verdadeira onda de ansiedade. A cidade, agora, era uma única família, com as pessoas ligando umas para as outras, querendo saber se estava tudo bem, se amigos e conhecidos não teriam, por acaso, viajado no fatídico avião. Particularmente, recebi numerosos telefonemas, tanto do Rio Grande do Sul como de outros Estados, o que me fez pensar nesta nova, e sombria, forma de identificar amigos: são aqueles que nos telefonam nessas horas. Depois veio a lista e a consternação foi geral. Muitas das vítimas eram pessoas conhecidas e estimadas. Havia políticos, esportistas, jovens empresários. A sensação era a de uma catástrofe. Nas casas, os olhares estavam fixados na tela de tevê. De repente, Congonhas transformava-se no fulcro da tragédia. O que não deixa de ter um amargo simbolismo. Para os habitantes de um Estado situado na ponta do país, Rio e São Paulo são os grandes pontos de referência, sonhos gaúchos, por assim dizer. E Congonhas era a porta de entrada para este sonho. Desembarcar em Congonhas era, para empresários e estudantes, para políticos e artistas, o começo de uma excitante aventura. De repente, a aventura revelava-se um pesadelo. E a pergunta que a gente pode se fazer é: por que os sonhos se transformam em catástrofes? O que aconteceu, que erros ou equívocos foram cometidos para que isso acontecesse? É uma pergunta à qual precisamos responder. Em primeiro lugar, trata-se de um dever que temos para com as vítimas, gaúchos, paulistas, mineiros, não importa: esta é uma tragédia brasileira, e como tal tem de ser considerada. Em segundo lugar, porque precisamos, de uma vez por todas, descobrir qual o caminho que, afinal, deve o nosso país seguir, para melhorar a existência de seus cidadãos. E, finalmente, porque precisamos nos reconciliar com nossos símbolos. Congonhas era, com suas limitações, uma imagem do progresso brasileiro, um lugar dinâmico, mesmo que confuso. Não pode ficar na história do país como um cenário de holocausto. Precisamos dar asas aos nossos sonhos. Mas precisamos assegurar que eles possam pousar em segurança, sem aterrorizar Porto Alegre ou qualquer outra cidade brasileira.
11 comentários:
Perfeito o texto ... parabens por posta-lo aki.
Bom texto, embora mostre uma visão muito particular do autor sobre o eixo rio-são paulo, da qual discordo. Interpreto sua visão de congonhas como a porta do Eldorado como uma idéia comum entre escritores e artistas em geral, de que o sucesso de suas obras depende da comercialização nos dois estados do sudeste(sei disso por experiência própria). E Scliar ganhou notoriedade quando sua obra entrou na mídia central. Por isso sua visão um pouco provinciana, que nem de longe representa uma visão corrente entre os gaúchos, que possuem uma percepção muito própria de sua identidade, às vezes exacerbada ao ponto de tornar-se um bairrismo indesejável.
Não critico sua concepção. Apenas refuto qualquer tentativa de generalização da idéia. CAda um escreve o que sente. Uniformizações de sentimentos e de referências são apenas vãs tentativas de simplificar a complexidade da experiência humana e da relação entre o homem e o ambiente em que vive.
Parabéns pela inclusão do texto no blog, cujo conteúdo sempre é muito interessante. Não os conheço pessoalmente, mas devem ser excelentes jornalistas. Fariam bem se trabalhassem nos sofríveis jornais do sul do país. O conteúdo melhoraria 1000%.
Abraço
Caro Gerson, bons teus comentários, obrigado. Mas não concordo que o texto mostre uma visão de congonhas como a porta do Eldorado. Ele relativiza isso, acho interessante a abordagem de congonhas como um símbolo. Nós vivemos numa época em que há cada vez menos símbolos e sonhos, tudo vai se mercantilizando tanto que não prestamos mais atenção neles. Enfim, filosofismos contemporâneos!
um abraço
Avião caiu!!!... Alias, avião não caiu! Não conseguiu parar, bateu e explodiu!!! Não é mais ou menos isso???...
Estou triste pelas famílias! Estou pasmo pelo acidente!... Mas, cá entre nós, vamos falar em bom "português"???
Qual é a verdadeira comoção? O fato de um avião explodir com trocentas pessoas à bordo ou, como tentam apregoar, é horrível porque mortes seriam evitadas?...
Se um pai de família é assassinado na esquina, é uma calamidade, não é verdade? Mas, se um boing, com mais de 100 pessoas cai sei lá onde, alguém está errado, não é vero???
Morte por morte, quando é em bando, a coisa é esquisita, né não?
Mas, voltando aos pobres do dia-a-dia... Futebol, cachaça e churrasco! Avião, no meio da turma, é um bruta muierão com saia curtinha, fazendo os zoião dos maluco viajar, né não?
Triste, todo mundo está!... Mas, o buraco é mais em cima, né não???
Edu, talvez eu tenha exacerbado no estilo de linguagem para mostrar a compreensão que extraí do texto.É que ele fala em porta para a realização do sonho. E o sonho é chegar ao centro do país, o desejo de estar no centro de tudo e de ser visto pelo país inteiro. O desejo de ter a sonhada visibilidade para algum talento que esteja acobertado nos confins do país. É não ser apenas local, já que os meios de comunicação do RS não passam das fronteiras. É sentir-se global, no coracão da mídia e no centro dos acontecimentos. É também um pouco de desprezo à realidade em que se está inserido, pois o homem é um eterno descontente. Alguns que estão no sul gostariam de estar no sudeste, outros que estão na record gostariam de estar na globo e mais outros que estão em são paulo não tiram a cabeça de nova iorque.
Respeito o escritor, de notável talento, mas sua visão de "porta para o sonho" traduz um pouco certo sentimento da classe média alta portoalegrense, que deseja ardentemente a expansão de seu mundo e acredita que seu talento deve saltar os muros do rio grande. A casa não seria suficiente para tamanha perfeição.
E isso ocorre em qualquer lugar do nosso enigmático país. A elite nunca está contente com o lugar em que vive e que ajudou a fazê-lo daquele jeito, com todos os erros e acertos. O bom é sempre o outro.
O papo de final de semana foi legal. Bom para um bar, até mesmo porque a oralidade expande os limites da comunicação para além do q podemos escrever nos blogs, embora seja deficitária no registro.
E pode ser em qualquer lugar, pois embora haja quem diga que os botequins cariocas é que são os legítimos, bebe-se boa cerveja e joga-se uma boa sinuca em qualquer canto deste país. Cada um a seu jeito e com suas qualidades e defeitos. Por isso somos um país continental.
Grande abraço. O blog de vcs mata a pau. É um dos melhores q conheço
ah, e o aeroporto para elites periféricas não deixa de ser um local cheio de glamour, a porta para o mundo fantástico, só acessível aos vencedores da competição econômica. Na rodoviária o pobre foge da miséria para um futuro incerto. NO aeroporto a elite sobe em uma bela aeronave que lhe retirará daquele mundo de miséria e mediocridade e o colocará no lugar onde sempre gostaria de estar. E o texto não deixa de estar impregnado pelo simbologia do aeroporto para a elite periférica.
Mais uma vez, exagerei na retórica, mas é só pra dramatizar um pouco.
Aí está uma boa idéia. Escrever sobre a simbologia do aeroporto.
É isso aí Edu, voltarei outras vezes.
Mas, Gerson, voar de avião está mais popular do que já esteve um dia, mais acessível. Está diminuindo a distância entre rodoviária e aeroporto, cada vez mais.
Sobre esta passagem do teu comentário: "o homem é um eterno descontente. Alguns que estão no sul gostariam de estar no sudeste, outros que estão na record gostariam de estar na globo"... isso remete à frase "o homem quer sempre aquilo que não tem" (citação de memória), de um filme de Orson Welles (acho que "O Terceiro homem", que na verdade é adaptação de um livro de Graham Greene, de quem, portanto, é a frase).
Mas valeu,volte sempre.
caros edu e gerson,
haveria que pensar realmente o que é ser provinciano neste caso. uma das coisas que me impressiona ao conversar com um europeu (morei em londres e paris) é um certo "provincianismo" - dá pra chamar assim - típico de quem está no centro. ao impor sua visão ao resto do mundo, ao impor sua língua (principalmente ingleses), o centro torna-se cego às visões que têm como referência outros lugares.
quando um inglês fala sobre o brasil, reconheço exatamente o seu discurso, pois na escola aprendi qual era este discurso, o do colonizador, e também a crítica a ele. quem está no centro dificilmente é capaz de sonhar o sonho da periferia, pois acredita piamente que aquele que está na periferia, que está na província, gostaria de estar no lugar dele e sonhar os sonhos dele.
quem está no centro é prisioneiro de sua própria dominação. não adianta, só é possível sonhar estando na periferia, só ali é possível querer ser mais que se é, delirar em plena lucidez. e assim realizar a vocação humana, que é ultrapassar-se.
há que inventar novas periferias, no coração mesmo das capitais.
vladimir, é verdade, quem é que fala em apagão dos transportes públicos em sp? a preocupação é só em chegar rápido no aeroporto (aí esses ônibus que travam o trânsito!) e pegar o avião na hora. em plena segurança. que rico morrer em catástrofes e escândalos; pobre não morre, só infla estatísticas.
Valeu o papo, daria pra ficar horas debatendo a visão do autor colocada no texto. só acho que o erro maior do Scliar foi tentar universalizar o seu sentimento pessoal ou de seu círculo de relações. E aí errou feio ao propor ao leitor uma séria distorção(mostrar o seu sentimento-o sonho de chegar no sudeste-como algo comum a todos que moram em sua volta. O título certo de seu texto deveria ser "a tragédia vista da minha casa",
Mas tudo bem, o autor quer ser simpático aos leitores do centro do país para continuar vendendo seus livros. E aí ele entra na onda de criar arquétipos. A Globo é q gosta muito disso.
Interessantes as palavras do maurício. Ah, edu, boa a referência sobre o eterno descontentamento(não pretendi ser original, foi só uma idéia q me veio na cabeça). Fomos longe no debate!
Como já estou sendo chato, vou ficando por aqui.
Abraço a todos
Essa história de que "os sonhos possam pousar com segurança" é uma das frases mais bizarras que já li. Quem comanda o tráfego dos sonhos, a Infra-aéreo?
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