Os tempos passaram e hoje, depois da pior eliminatória da história europeia do futebol português, dei comigo a pensar no que o meu Avô sentiria, caso tivesse presenciado a vergonha de ontem à noite. Também não pude deixar de pensar num amigo que foi para Munique, mais para divertir-se do que propriamente para cantar por uma reviravolta impossível. Chegámos a trocar duas ou três sms’s e, numa delas, li o seguinte: "...sonhei que ganhávamos 7-1. Estive, de manhã, no Allianz Arena. É esmagador". Ora aqui está um adjectivo de cariz profético. Ainda não voltei a falar com ele, mas imagino, não sem com alguma dificuldade, os sentimentos por que passou. Como recuperar a honra, quando esta ficou perdida na noite de Munique?
É sobre o Sporting que quero falar. Sem hipocrisia. Sem ironia ou ponta de sarcasmo. Gostava que muitos sportinguistas lessem as minhas palavras como as de alguém que observa o 'fenómeno' de forma distante e objectiva. Recuemos uns anos. Até meados da década de noventa, a minha adolescência foi acompanhada pela rivalidade entre os dois 'grandes' de Lisboa. Nos anos sessenta, Eusébio desequilibrou os pratos da balança, mas o Sporting nunca deixou de conquistar troféus, mantendo-se na 'sombra' do vizinho de Benfica. Até que o FC Porto desatou a conquistar títulos, uns a seguir aos outros, como se estivesse a sprintar numa prova de 100 metros. Quando as borbulhas desapareceram, dando lugar aos bancos da Faculdade, a hegemonia do futebol português já ia percorrendo a A1, no sentido norte. Em grande velocidade: ao mesmo tempo que o Sporting esteve durante longos dezoito anos sem conquistar o campeonato nacional, o FC Porto foi coleccionando Ligas, Taças de Portugal, Supertaças. A um ritmo avassalador. A separação de poderes ganhou sotaque tripeiro, o Benfica ganhou um rival que apresentava desafios de outra estirpe e o Sporting viu-se relegado para terceiro lugar. Sim, leram bem. Contem só a totalidade dos títulos nacionais, para verificarem que há muito o FC Porto superou o Sporting. Nesse momento, a 'batalha' pela liderança do futebol português mudou de cores. Apesar de muitos sportinguistas continuarem a olhar para o rival encarnado, deviam pensar que a primeira tarefa cinge-se a apagar a 'chama do dragão'. De forma muito frontal: o vosso rival não mora na Luz; antes está sentado ao lado do vosso presidente.
Nos meus tempos de juventude, passados em imensas tertúlias com amigos dos mais variados quadrantes futebolísticos, surgiu um novo conceito nacional: o denominado 'projecto' de José Roquette. Os adeptos leoninos passaram a falar menos das incidências do relvado e introduziram, nos debates, a figura dos relatórios & contas. Orgulhosamente ‘diferentes’, a estabilidade financeira e a aposta na formação passaram a ser bandeiras de um novo discurso. O campeonato ganho por Augusto Inácio matou a 'fome' de títulos e, mais tarde, a dobradinha de Lazlo Boloni foi o culminar de um 'projecto' orientado para a sustentabilidade. Todavia, a tónica nos predicados financeiros fez desviar as atenções do objectivo principal – sucesso desportivo. O rigor e transparência das contas foi ganhando relevo, ao mesmo tempo que a impaciência dos adeptos foi subindo de tom: a tão chamada 'crise de militância'. Presentemente, dos três 'grandes', o Sporting é claramente o clube mais preparado para o futuro de curto e médio/longo prazo, quer em termos económico-financeiros, quer na vertente dedicada à formação. No entanto, qual o preço a pagar? Relembro que a conquista do último campeonato vem da longíqua época 2001/02...
Ontem, como sempre, estive atento ao programa "Trio D’Ataque". Confesso que me causa estranheza ouvir o Rui Oliveira e Costa afirmar a sua preferência por dois segundos lugares, ao invés de um primeiro e outro terceiro. Na razão das suas palavras, encontram-se, tão só, argumentos económicos motivados pela presença na milionária 'champions league'. O meu Avô nunca proferiria tal barbaridade. Não deixo de valorizar as preocupações financeiras, mas os adeptos apaixonados só pensam numa coisa: vitórias. Creio ser possível manter o interesse por essas matérias, respeitando os condicionalismos que se impõem à maioria dos clubes nacionais, embora nunca deixando de perseguir os êxitos desportivos. Se o Sporting respeita o seu passado, baseado numa história de esforço, dedicação, devoção e glória, não pode permitir que a alegria de um resultado líquido positivo se supere à emoção de um título. Após uma derrota que mancha o nome do clube na Europa e quando se vive um processo pré-eleitoral, seria boa ideia pensarem no rumo que pretendem. Amigos sportinguistas, digam o que desejam. Sinceramente. Uma liderança alicerçada num modelo de gestão vocacionado para as demonstrações financeiras? Ou, pelo contrário, uma estrutura que, sem deixar de ser pragmática e realista, defenda o símbolo do clube? Querem um candidato 'ajoelhado' às vicissitudes das garantias bancárias e dependente da vontade dos investidores? Ou anseiam por uma candidatura forte, que faça o Sporting regressar ao topo do futebol nacional? Eu sei bem o que o meu Avô desejaria. Sei, também, aquilo que muitos de vocês ambicionam: voltarem a sentarem-se, ao meu lado, na cadeira do poder, contemplando a eterna rivalidade pintada a verde e vermelho.