sábado, 9 de maio de 2009

O código genético do Sport Lisboa e Benfica

No dia 28 de Fevereiro de 1904, na Farmácia Franco, situada na Rua de Belém, foi fundado o Grupo Sport Lisboa (primeira designação), por iniciativa de jovens do bairro de Belém e de ex-alunos da Real Casa Pia de Lisboa. A reunião foi relativamente rápida e, após a formalidade, o grupo foi treinar-se. Encontraram-se 24 entusiastas: Cosme Damião e mais 23. José Rosa Rodrigues, o primeiro presidente, fez parte da equipa de futebol que realizou o primeiro jogo em 1 de Janeiro de 1905 contra o Campo de Ourique no Campo das Salésias.

Caríssimos leitores: são conhecidos os benefícios para a saúde de uma alimentação cuidada, da prática regular de desporto e de um permanente contacto com a natureza. Vida regrada, vida prolongada. Porém, o código genético acaba sempre por falar mais alto. Agora, façam rewind no texto e reparem bem no seguinte detalhe: o Benfica nasceu na Farmácia Franco. Numa farmácia?! Bem, imagino a quantidade de anfetaminas ingeridas por Cosme Damião, de modo a ficar acordado até à manhã seguinte e dar por concluída a acta da primeira reunião. Até apostaria que a celebração do acordo teria sido comemorada com a produção de um cocktail de alucinogénios. Só assim se explica que o Benfica não seja um projecto, antes uma visão. Mas, não deixa de ser estranho: que clube é fundado numa farmácia? Só se for o Bayer Leverkusen...

Acompanhem o meu racíocinio: esse acontecimento longíquo representa o 'tijolo' principal do ADN do clube, onde está contida toda a informação genética. Daí se possa afirmar que o ADN contém um código passível de ser decifrado em mensagens. No meu entender, a herança transmitida acaba por ser nítida. A formalização da ideia visionária manifestou-se numa espécie de after-hours da época o que explica o facto do Benfica ser, ao mesmo tempo e na sua essência primordial, um clube: apaixonante e odiado; anárquico, confuso e desorganizado, mas imponente e monumental; abnegado e exaltado; desvairado e tresloucado, sem deixar de ser altruísta, desprendido e popular. O Benfica é um clube cuja feição assemelha-se a uma fórmula científica: difícil de entender, gerir e sentir.

Já os principais rivais apresentam uma configuração genética diametralmente oposta. Em primeiro lugar, o vizinho Sporting. Nascido em berço de Visconde, mescla de Lord Inglês com fighting spirit, a alta nobreza do seu futebol podia ter sido criada, por exemplo, numa qualquer região britânica. O Sporting é um clube altivo, orgulhoso, pedante, pretensioso, soberbo e vaidoso. O seu ADN tem pouco de português e muito mais daquela postura fleumática. Em segundo lugar, o FC Porto. No meu ponto de vista, podia perfeitamente ser um clube basco: autónomo, batalhador, guerreiro, independente, lutador, ríspido, truculento e violento. Embora não rejeite traços portugueses do seu código genético, podia perfeitamente ser identificado com outro povo, outra nação.

O Benfica é diferente. O Benfica é tipicamente português. Porquê? Porque mais do que nenhum outro é o clube que reúne o maior número de qualidades e defeitos atribuídos ao povo português. Tal como na época dos Descobrimentos, o Benfica é produto da imaginação, sonho e visão de homens brilhantes. Contudo, não nasceu em berço de ouro e a figura que lhe deu glória teve origem humilde e modesta em terras de Moçambique. O Benfica é um clube que teve de crescer na adversidade, com especial destaque no ano de 1954, quando a construção do grandioso Estádio da Luz contou com o apoio financeiro de milhares de associados e adeptos. É um clube que faz das fraquezas, forças. Da desgraça e fatalidade uma oportunidade de apego, fraternidade e união, como ficou bem demonstrado na tragédia da morte de Féher. No fundo, o Benfica é como cada um de nós: cheio de virtudes e pleno de imperfeições.

Penso que esta é a grande lição do passado. O Benfica é como Portugal e os portugueses: caótico, como o país; desenrascado, como o povo, admirável, portentoso e sublime, como a história. O Benfica (sobre)vive nessa constante instabilidade, entre o abismo e a glória, entre a decadência e o triunfo. Actualmente, tornou-se costume enaltecer as estruturas profissionais organizadas, o planeamento e rigor económico-financeiro, os treinadores metódicos e racionais e, por fim, os jogadores geniais e talentosos. O Benfica é muito mais do que tudo isso. É uma força invisível que nos transcende ou nunca teríamos sido campeões nacionais depois daquele Verão 'quente' de 1993. Daí o sentimento tão poderoso e resistente que nos une, quando o estádio da Luz transfigura-se num castelo ou fortaleza pronto a ser defendido pela energia e vontade do espírito benfiquista. Esse é o sentimento de identificação com uma causa. Essa é a mística.

Chegou a altura dos adeptos compreenderem que de nada serve contrariar o código genético do clube: não vale a pena 'imitar' a organização do FC Porto, 'copiar' a formação da Academia de Alcochete, 'reproduzir' os métodos do treinador que reside em Milão ou 'plagiar' a concepção de jogo implementada pelo Barcelona. O Benfica só tem de voltar a descobrir o que sempre foi: o Benfica da Farmácia Franco.

6 comentários:

Nuno@ disse...

Bonitas palavras, fizeste um trabalho muito bom, os meus parabéns. Subscrevo tudo o que disseste, também defendo que o Glorioso deve encontrar a sua própria( e nova) mística sem copiar nada a outros. A força deste clube é imensa, apenas tem faltado uma rota certa. Trabalho, dedicação e espírito de sacrifício, são os ingredientes que tem faltado para confeccionar uma nova época gloriosa.

Ricardo Campos disse...

lamento informar mas a "estoria" do benfas está incorrecta.
investigues meu caro amigo, afinal o mestrado tem de servir para alguma coisa.
cumprimentos

RMSoares disse...

Catenancio não e terás enganado ? adicionas-te mais 1000 anos a data de fundação do Benfica, só para dizer que é o clube mais antigo ?
É que existem clubes habituados a trafulhice que fazem isso.

Parabéns, pelo post esta excelente, só não concordo com a parte final, acho que não temos nenhuma sina, nem nenhuma maldição, o Benfica foi um clube que se habitou a ganhar e não se modernizou.

Aos poucos o Benfica vai tornando o seu futebol estruturado, não será já, nem daqui a um ano, mas lá chegaremos se deixarem fazer o trabalho correcto.
Tambem é necessário correr com os batoteiros.

dezazucr disse...

Defendo a mesma ideia. O sucesso do Benfica nunca pode ser pelos mesmos meios que os adversários, nem se pode reger pelo mesmos princípios.

Já agora, sugiro o meu artigo Falta de Exigência

Paulo Santos disse...

Bom...findo o período sabático do benfiquismo, sinto-me preparado para comentar este texto que já tinha lido, mas não com a atenção que ele merece.

Excelente caracterização do SL Benfica. E na essência, estou absolutamente de acordo. Copiar ou ter referências que não sejam a do próprio Benfica, é um total disparate.


Grande abraço

Ricardo Campos disse...

Bombástico
"Cabecilhas dos No Name protegidos por Vieira. Luís Filipe Vieira garantiu ao Ministério Público nem sequer reconhecer os No Name Boys, acusando a polícia e a segurança privada por mau controlo de armas e material incendiário nos estádios – mas a PSP, num relatório a que o CM teve acesso, arrasa o presidente do Benfica. Pode ler-se que Vieira reúne com a claque para lhes dar todo o apoio, deixando entrar as tochas nas bancadas da Luz; despede o chefe de segurança do clube por ajudar a PSP a identificar os criminosos – e almoça com o comandante da polícia para lhe pedir que "facilite" na presença policial junto dos No Name Boys. Muitos deles entretanto presos por droga, armas, roubos, incêndios e espancamentos a adeptos rivais." - in Correio da Manhã
É caso para perguntar: será que lhe descobriram a careca