23 DE ABRIL: DIA MUNDIAL DA LEITURA
LEMOS PARA COMPREENDER
A chamada Holland House,em Londres, foi bombardeada em 22 de Outubro de 1940. A fotografia, tirada por um desconhecido, captou o momento em que três homens escolhem e lêem alguns livros que milagrosamente escaparam a mais uma noite de bombardeamento.
Albert Manguel, no magnífico livro Uma História da Leitura ( Ed. Presença, Lisboa, 1998), parte desta fotografia para algumas linhas de intensa luminosidade analítica acerca do acto de ler:
«Mas o que é afinal esta emoção?» pergunta Rebecca West depois de ler o Rei Lear. «Qual é o impacte de obras de arte de alta qualidade na minha vida, que me faz sentir tão feliz?» Não o sabemos: lemos com ignorância. Lemos em movimentos lentos e longos, como se andássemos à deriva no espaço, sem peso. Lemos cheios de preconceito e malevolência. Lemos com generosidade, procurando desculpas para o texto, preenchendo lacunas, remediando erros. E por vezes, quando temos sorte, lemos com a respiração sustida, com um estremecimento, como numa assombração, como se de súbito a memória tivesse sido resgatada de um lugar fundo dentro de nós — o reconhecimento de algo que não sabíamos existir em nós ou de algo que vagamente sentíramos como uma chama bruxuleante ou uma sombra, cuja forma fantasmagórica se configura e regressa a nós antes de podermos ver do que se trata, deixando-nos mais velhos e mais sábios.
Esta leitura tem uma imagem. Uma fotografia tirada em 1940, durante um bombardeamento de Londres na Segunda Guerra Mundial, mostra os restos de uma biblioteca destruída. Através do telhado desfeito podem avistar-se edifícios fantasmagóricos e no centro da biblioteca encontra-se um monte de traves e mobiliário estragado. Mas as estantes mantiveram-se firmes e os livros que nelas se alinham parecem incólumes. Encontram-se três homens entre os destroços: um deles, como se hesitando que livro escolher, aparenta estar a ler os títulos nas lombadas; um outro, de óculos, está a pegar num livro; o terceiro está a ler um livro aberto nas mãos. Não estão a voltar as costas à guerra nem a ignorar a destruição que ela provoca. Não estão a escolher livros em vez da vida lá fora. Estão a tentar persistir contra todas as expectativas; estão a afirmar o direito comum de fazer perguntas; estão a tentar encontrar mais uma vez — por entre as ruínas, no reconhecimento surpreendente que a leitura por vezes proporciona — uma compreensão.»
OS LIVROS VÃO ACABAR?
Perguntaram a Umberto Eco se os livros iriam desaparecer com a invenção da internet. Impaciente com a frequência com que a questão lhe tem sido posta, fez algumas observações pertinentes. “ O livro é como a colher, o martelo, a roda ou o cinzel. Uma vez inventados não se pode fazer melhor.” E explicou que nada substitui a flexibilidade e a simplicidade de um livro: não depende da electricidade nem de pilhas; podemos lê-lo na banheira ou deitados de lado na cama; não agride os olhos como os ecrãs luminosos; não precisamos de decorar sequências de toques para o folhear. Sem dúvida que as máquinas electrónicas - os chamados e-books – vão ser muito úteis para quem tem de manusear milhares de páginas nos tribunais, por exemplo, ou transportar muitos livros em viagem. Verifica-se é que esses instrumentos procuram imitar o mais possível a tal simplicidade e flexibilidade do livro. Mas Eco duvida se será a mesma coisa ler Guerra e Paz num livro ou num ecrã electrónico. (A Obsessão do Fogo, Difel, 2009).
Em simultâneo com as alterações técnicas de suporte à leitura, aponta-se como um dos grandes problemas culturais do nosso tempo a perda de hábitos de leitura pela juventude, questão que foi recentemente objecto de análise em jornais de referência. Muita gente, preocupada com a iliteracia dos jovens, atira os braços ao ar. “Uma calamidade!” E repetem: “O abandono dos livros está entre as principais causas para a degradação da escrita e da oralidade”. Como causa maior deste flagelo apontam a internet. Mas é ainda Umberto Eco quem observa: “Se alguma vez julgámos ter penetrado na civilização das imagens, eis que o computador nos reintroduz na galáxia de Gutemberg e toda a gente se vê de ora em diante obrigada a ler.”
Concordo com isto. Veja-se a moda dos blogues na internet, que pôs milhares de pessoas a escreverem e a serem lidas por esse mundo fora!
Também eu tenho os meus blogues. Um dia destes, e fazendo coro com o vulgo, lamentei num deles o desprezo da gente nova pelos livros. Mas um jovem leitor respondeu-me de forma pertinente, obrigando-me a rever juízos apressados. Dizia ele:
Penso que seria um disparate obrigar as pessoas a estudarem à maneira antiga. Houve uma altura que se estudava com tábuas de pedra. Depois veio o papiro, o papel… Agora é o tempo dos ecrãs de computador. O problema não está na forma como se aprende. Isso tem mudado ao longo da história e continuamos a aprender.
Penso que o primeiro passo para resolver o problema é aceitar com naturalidade que o paradigma muda. Esta situação deve-se ter repetido muitas vezes ao longo da história, com o avanço da tecnologia, da roda ao computador…
Penso que seria um disparate obrigar as pessoas a estudarem à maneira antiga. Houve uma altura que se estudava com tábuas de pedra. Depois veio o papiro, o papel… Agora é o tempo dos ecrãs de computador. O problema não está na forma como se aprende. Isso tem mudado ao longo da história e continuamos a aprender.
Penso que o primeiro passo para resolver o problema é aceitar com naturalidade que o paradigma muda. Esta situação deve-se ter repetido muitas vezes ao longo da história, com o avanço da tecnologia, da roda ao computador…
Dei-lhe razão e senti necessidade de aprofundar a análise, até porque há muito que uso as novas tecnologias e estou à espera do e-book barato e prático que me permita armazenar melhor os livros e levá-los para onde quiser.
De facto, o problema não está no avanço tecnológico mas sim na competência individual para lidar com a informação, seja qual for o veículo em que ela repouse - um livro ou um ecrã de computador - problema que se tornou mais visível com a massificação do ensino.
As sociedades actuais caracterizam-se por um excesso de informação e pela rapidez e generalização da difusão de conhecimentos. Isto exige uma crescente capacidade para seleccionar e avaliar a sua oportunidade, pertinência e relevância. Como este excesso resulta dos avanços tecnológicos, somos levados a culpá-los por isso, sem vermos que a questão não é bem essa… Está, talvez, na dificuldade do ensino – um sistema social pesado, com milhares de intervenientes - em se adaptar às novas realidades sociais e tecnológicas.
Tal como não podemos prescindir da roda, os livros continuarão a fazer parte das nossas vidas. A complexidade tecnológica não diminui, antes aumenta os instrumentos ao serviço do homem. A verdadeira questão será sempre a da capacidade para saber utilizá-los. | MD
PROGRESSO E CIDADANIA
Receio bem que a massificação do ensino e esta onda gigantesca de tecnologia informativa não signifiquem aumento proporcional da capacidade cultural e da consciência de cidadania.
E que essas características sociais continuem a ser pertença de elites, constituídas agora por aqueles que têm genuína vontade de estudar e capacidade para lidar de forma inteligente com a inovação tecnológica posta ao serviço da circulação intensiva do conhecimento.
Parece que sempre foi assim: em todas as sociedades há as elites que caminham na vanguarda e há as massas humanas dos que não podem ou não querem aceder a patamares superiores de consciência cívica.
A política é a expressão desta realidade. Se as elites estiverem ao serviço do resto da população, teremos sociedades que evoluem em sentido correcto. Se, pelo contrário, só agirem pelos seus interesses, teremos sociedades desequilibradas, onde campeia a desigualdade, a exploração e a injustiça.
Um bom critério para avaliar um político pode ser este: que ideia é que ele tem do papel das elites na sociedade? | MD