MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO:
Um poeta em trágico desencontro com a vida
Escreveu poesia entre os 22 e os 25anos, num estilo único, enquanto cultivava uma grande amizade por Fernando Pessoa. Depois suicidou-se. Tanto bastou para marcar de forma indelével a Literatura Portuguesa.
Para quem gosta de análise psicológica, a vida de Mário de Sá-Carneiro é um paradigma: nascido numa família de posses, ficou órfão de mãe aos dois anos. Com o pai quase sempre ausente por razões profissionais, mas materialmente generoso, foi criado por uma velha ama. Havia ordens para que todas as dificuldades fossem aplanadas e o menino cresceu em abundância, preguiça, ignorância das dificuldades da vida. As tentativas frustradas de cursar Direito em Coimbra e depois em Paris revelam a sua absoluta incapacidade para superar dificuldades práticas. Uma hipersensibilidade rara juntou-se ao alheamento da vida real e Mário S-C, acabou por encontrar na Literatura a única via possível para chegar ao mundo exterior.
Mas aqui foi, de facto, único.
O ESTILO POÉTICO
“O motivo central da sua obra é o da crise de personalidade, a inadequação do que sente ao que desejaria sentir” (Hist. da Literat. Portug, A.J.Saraiva e Óscar Lopes) Mas esta carga subjectiva acaba por se assumir como expressão de um mal-estar social e colectivo, prenúncio profético da crise de valores do homem contemporâneo. Por isso a sua poesia, escrita no início do século XX, mantém uma estranha actualidade.
Massaud Moisés, na sua “Literatura Portuguesa” aponta algumas características do estilo deste poeta:
«Poeta sempre e acima de tudo, inclusive nas obras em prosa, Sá-Carneiro plasmou pela primeira vez em Língua Portuguesa realidades até então insuspeitadas. Para tanto violentou a ineficaz e espartilhante gramática tradicional e passou a usar uma sintaxe e um vocabulário novos, que lhe permitissem manipular fórmulas expressivas absolutamente pessoais, plásticas, maleáveis e aptas a surpreender o fluxo das ondas oníricas, o vago, o alucinado, as febres, o incêndio dos sentidos, a desmaterialização das coisas, a materialização das sensações, os sentimentos mais abstrusos e subtis, as sinestesias mais inusitadas, as associações mais inesperadas.» Exemplos: “Mastros quebrados, singro num mar de Ouro / Dormindo fogo, incerto, longemente… / Tudo se me igualou num sonho rente, / E em metade de mim hoje só moro…”
Na época, pela transgressão dos padrões dominantes, esta escrita foi um escândalo, naturalmente circunscrito ao pequeno mundo intelectual português. Mas viria a ter repercussões enormes em toda a nossa Literatura.
OBRA
Escreveu poesia entre os 22 e os 25anos, num estilo único, enquanto cultivava uma grande amizade por Fernando Pessoa. Depois suicidou-se. Tanto bastou para marcar de forma indelével a Literatura Portuguesa.
Para quem gosta de análise psicológica, a vida de Mário de Sá-Carneiro é um paradigma: nascido numa família de posses, ficou órfão de mãe aos dois anos. Com o pai quase sempre ausente por razões profissionais, mas materialmente generoso, foi criado por uma velha ama. Havia ordens para que todas as dificuldades fossem aplanadas e o menino cresceu em abundância, preguiça, ignorância das dificuldades da vida. As tentativas frustradas de cursar Direito em Coimbra e depois em Paris revelam a sua absoluta incapacidade para superar dificuldades práticas. Uma hipersensibilidade rara juntou-se ao alheamento da vida real e Mário S-C, acabou por encontrar na Literatura a única via possível para chegar ao mundo exterior.
Mas aqui foi, de facto, único.
O ESTILO POÉTICO
“O motivo central da sua obra é o da crise de personalidade, a inadequação do que sente ao que desejaria sentir” (Hist. da Literat. Portug, A.J.Saraiva e Óscar Lopes) Mas esta carga subjectiva acaba por se assumir como expressão de um mal-estar social e colectivo, prenúncio profético da crise de valores do homem contemporâneo. Por isso a sua poesia, escrita no início do século XX, mantém uma estranha actualidade.
Massaud Moisés, na sua “Literatura Portuguesa” aponta algumas características do estilo deste poeta:
«Poeta sempre e acima de tudo, inclusive nas obras em prosa, Sá-Carneiro plasmou pela primeira vez em Língua Portuguesa realidades até então insuspeitadas. Para tanto violentou a ineficaz e espartilhante gramática tradicional e passou a usar uma sintaxe e um vocabulário novos, que lhe permitissem manipular fórmulas expressivas absolutamente pessoais, plásticas, maleáveis e aptas a surpreender o fluxo das ondas oníricas, o vago, o alucinado, as febres, o incêndio dos sentidos, a desmaterialização das coisas, a materialização das sensações, os sentimentos mais abstrusos e subtis, as sinestesias mais inusitadas, as associações mais inesperadas.» Exemplos: “Mastros quebrados, singro num mar de Ouro / Dormindo fogo, incerto, longemente… / Tudo se me igualou num sonho rente, / E em metade de mim hoje só moro…”
Na época, pela transgressão dos padrões dominantes, esta escrita foi um escândalo, naturalmente circunscrito ao pequeno mundo intelectual português. Mas viria a ter repercussões enormes em toda a nossa Literatura.
OBRA
Figura importante do Modernismo português, Mário de Sá-Carneiro fundou, com Fernando Pessoa, a revista Orpheu, de que saíram apenas dois números. Os suficientes para fazerem vingar o movimento do primeiro modernismo em Portugal, ao qual estiveram também ligados os nomes de Almada Negreiros e Santa-Rita Pintor.
Escreveu: Princípio (1912) – novelas; A Confissão de Lúcio (1913) – novela; Dispersão (1914) – poesia; Céu em Fogo (1915) – 12 novelas; Indícios de Oiro (1937) – poesia; Correspondência, quatro volumes, em 1958, 1977 e 1980. Há diversas edições da “Poesia Completa”. Uma edição boa e barata é a da Ulisseia , col. Biblioteca dos Autores Portuguesas, com um extenso estudo introdutório por Maria Ema Tarracha Ferreira.
Nasceu em Lisboa em 1890; suicidou-se em Paris em 1915
(Escultura do poeta no "Parque dos Poetas", Oeiras)
P O E MA S
QUASE
Um pouco mais de sol – eu era brasa,
Um pouco mais de azul – eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num baixo mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho – ó dor! - quase vivido...
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim... –
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...
Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei..
.
Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol – vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
............................................................
............................................................
Um pouco mais de sol – e fora brasa,
Um pouco mais de azul – e fora além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa..
.Se ao menos eu permanecesse aquém...
O Lord
Lord que eu fui de Escócias doutra vida
Hoje arrasta por esta a sua decadência,
Sem brilho e equipagens.
Milord reduzido a viver de imagens,
Pára às montras de jóias de opulência
Nem desejo brumoso – em dúvida iludida...
(- Por isso a minha raiva mal contida,-
Por isso a minha eterna impaciência.)
Olha as Praças, rodeia-as...
Quem sabe se ele outrora
Teve Praças, como esta, e palácios e colunas –
Longas terras, quintas cheias,
Iates pelo mar fora,
Montanhas e lagos, florestas e dunas...
(--- Por isso a sensação em mim fincada há tanto
Dum grande património algures haver perdido;
Por isso o meu desejo astral de luxo desmedido –
E a Cor na minha Obra o que ficou do encanto...)
Além-tédio
Nada me expira já, nada me vive –
Nem a tristeza nem as horas belas.
De as não ter e de nunca vir a tê-las,
Fartam-me até as coisas que não tive.
Como eu quisera, enfim de alma esquecida,
Dormir em paz num leito de hospital...
Cansei dentro de mim, cansei a vida
De tanto a divagar em luz irreal.
Outrora imaginei escalar os céus
À força de ambição e nostalgia,
E doente-de-Novo, fui-me Deus
No grande rastro fulvo que me ardia.
Parti. Mas logo regressei à dor,
Pois tudo me ruiu... Tudo era igual:
A quimera, cingida, era real,
A própria maravilha tinha cor!
Ecoando-me em silêncio, a noite escura
Baixou-me assim na queda sem remédio;
Eu próprio me traguei na profundura,
Me sequei todo, endureci de tédio.
E só me resta hoje uma alegria:
É que, de tão iguais e tão vazios,
Os instantes me esvoam dia a dia
Cada vez mais velozes, mais esguios...