AS MÁSCARAS DA INCULTURA
Quando chegou ao gabinete já levava a decisão tomada: não haveria terça-feira de carnaval. Chamou o assessor e deu-lhe ordem para fazer o comunicado. Depois telefonou a pedir a bica da manhã e abriu os dossiês da governação. Sentia-se bem, Portugal estava a entrar nos eixos e isso devia-se à sua orientação firme e determinada. Quando os amigos da troika viessem conferir as contas, encontrariam um país ordeiramente agarrado às máquinas nas fábricas ou às enxadas nos campos, numa produtividade nunca vista.
Vinte e tal anos depois de Cavaco, Passos repetia a rábula carnavalesca. Por trás desta miopia política há uma espantosa incultura. Espantosa porque não se entende em pessoas que chegaram aos mais altos cargos políticos. E incultura porque significa ignorância da História: o tempo e a memória, a coesão social daí decorrentes, os laços que seguram as comunidades a partir de indivíduos dispersos. Pode-se não gostar do Carnaval, é um direito. Mas não se pode ignorá-lo, pelas múltiplas implicações sócio-económicas que a ele se ligam. Recordo o belíssimo texto de Venerando de Matos, do seu blogue “Pedras Rolantes”:
«Não deixa de ser significativo, aliás, que um “não-feriado” como a terça-feira de Carnaval, que ninguém ainda teve coragem para transformar em feriado oficial, seja um daqueles que mais dinâmicas provoca na sociedade civil e que mais adesões conhece por parte desta, fazendo “inveja” à mobilização de outros feriados oficiais, ao mesmo tempo que tem sido a maior vítima de governantes com laivos autoritários que, desrespeitando tudo e todos, procuram, com uma regularidade irritante, aboli-lo do calendário. O autoritarismo e cinzentismo dos poderes deste país nunca se deram bem como carácter libertário e transgressor dessa data.»
É aqui que bate o ponto: o caráter libertário e transgressor do Carnaval, expresso na arte e na literatura europeias desde a Idade Média, imagem da eterna oposição entre espírito dionisíaco e apolíneo, equilíbrio e excesso. Imagem do Homem, imagem da vida. Ignorar isto é pôr-se à margem da compreensão do mundo, tentando moldá-lo de forma autoritária. Não por acaso, os tiranos sempre detestaram o Carnaval.
Torres Vedras, Carnaval de 1931
HUMOR E SÁTIRA NO CARNAVAL TORRIENSE
A obra de Jaime Umbelino está compilada em diversos volumes, publicados ainda em vida do autor. Num desses livros (A Literatura nos Carnavais de Torres, ed. Câmara Municipal de TV, 2005) encontramos a sua vasta colaboração nas festas do Carnaval torriense, em versos de recorte satírico e humorístico que não perderam a frescura.
Recordemos um trecho do discurso ao Rei do Carnaval, em 1940:
Estava a linda Inês posta em sossego
(Aonde não se sabe nem interessa)
Na margem do Sizandro ou do Mondego
- Era aí o teatro da tal peça –
Quando o Adamastor, irado e cego,
Se alevantou, sentado na tripeça,
E, calmo, disse assim, por entre as pedras:
Carnaval só há um: - em Torres Vedras!
E as ninfas e os faunos e as sereias,
Soprando na trombeta a alta Fama,
Trataram de secar ao sol as meias,
Dormiram... levantaram-se da cama,
E vieram calçando mil areias,
Sem medo ao sol, à chuva ao vento, à lama
Atravessando o mar e os oceanos ...
Só para ver o Chafariz dos Canos!...
* * *
Há 16 anos que se publica em Torres Vedras esta revista de humor e sátira, O BARRETE, ao jeito do velho Entrudo chocarreiro e folgazão, como se vê por aqui:
CENTRO DE FERMENTAÇÃO DE AUTARCAS
Há para aí um Instituto
chamado” da vinha e do vinho”
que o Município comprou
como se fosse novinho.
para lhe dar utilidade
pediram-me sugestões
e eu vou falar à vontade.
Porque não fazer ali
- é a minha opinião -
um belo Centro de Dia
para meter os autarcas
a fazerem Formação?
dos tintos em seus odores,
com os anos a passarem,
talvez ficassem melhores…