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25.7.11

LUGAR ONDE de 22 Julho 2011 no BADALADAS





ENTÃO… BOA VIAGEM!

Ler é viajar, certo? Por isso, mais viajamos se o livro é um relato de viagem. Bom exercício para um verão caseiro. Sugestões de leituras - de viagens! - para todos os gostos.

 Qual é a essência de uma viagem? Mais do que o percurso ou o ponto de chegada, o que conta é o espírito de quem a faz. Ou seja: o famoso “sei que não vou por aí!”, de José Régio, traduzido por “o tino é mais importante que o destino”!
Seja a “VIAGEM AO FIM DA NOITE” – isto é, ao mais recôndito da alma humana -, ou a “VIAGEM À RODA DO MEU QUARTO” – divertido e lúcido passatempo de um prisioneiro no século XVIII, - é na cabeça dos viajantes que lemos a geografia do caminho andado. “VIAGENS NA MINHA TERRA” - Tejo acima, até Vila Nova da Rainha, e um passeio de mula da Azambuja até Santarém – pouco seria se não fosse a pena do escritor brilhante a transfigurar a paisagem. “VIAGEM AO CENTRO DA TERRA” - mergulho no mais delirante e verosímil mundo imaginário – continua a incendiar as nossas memórias de leitores. “OS LUSÍADAS” – essa viagem de todos nós ao oriente do nosso oriente – é um livro aborrecido apenas para quem se deixou embotar por novelas mal amanhadas. Valha-nos alguém da nova geração para nos propor “UMA VIAGEM À INDIA” – visão irónica e desencantada de quem perdeu caravelas e navega agora na vulgaridade de um continente sem horizontes.
Livros para abalar daqui, ir embora, dar de frosques…
Então… Boa viagem! (JMD)

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«Numa aventura inaudita, Vasco da Gama parte à conquista de novos mundos. As suas caravelas representam o sonho de um povo e as suas velas brancas simbolizam a Fé e a União entre os Povos. De Lisboa à Índia, navegando pelos oceanos mais profundos, assolada pelos ventos mais tempestuosos, assaltada pelos monstros mais terríficos, sob a protecção de deuses e deusas, esta expedição de aventureiros e sonhadores parte em busca do desconhecido, procurando novos rumos para o mundo e encontrando a Glória e a Fama. Atravessando mares nunca dantes navegados e dando início àquilo que viria a ser a época áurea do Império português, Os Lusíadas é uma grandiosa homenagem ao Povo Luso, uma epopeia imortal que toca o mais fundo da alma portuguesa. Um épico genial do nosso maior poeta que para sempre viverá na memória do País que somos e do Império que fomos.» (Texto de apresentação)

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«Este é um livro a muitos títulos surpreendente. Não pelo ineditismo ou pela novidade das peripécias, não por aspectos empolgantes da acção, mas, desde logo, pela maneira como, nele, caleidoscopicamente tudo se eleva à dignidade de literatura enquanto meio para retratar, talvez dizendo melhor, radiografar a condição humana.»
«É um livro cheio de fantasmas, fantasmas dos Lusíadas, fantasmas do homem contemporâneo, uma viagem, uma antiepopeia, e é um livro extraordinário. Estou convencido de que dentro de cem anos ainda haverá teses de doutoramento sobre passagens e fragmentos». (Vasco Graça Moura, na apresentação da obra, CCB, 13/11/10 e em «A Torto e a Direito», TVI24, 6/11/10)

«Uma Viagem à Índia, com consciência aguda da sua ficcionalidade, navega e vive entre os ecos de mil textos-objectos do nosso imaginário de leitores. Como são todos os grandes livros, e este é um deles.» (Eduardo Lourenço, prefácio à obra)

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«Como é glorioso iniciar uma nova carreira, e aparecer subita­mente no mundo culto, com um livro de descobertas na mão, tal um cometa inesperado que fulge no espaço!
Não, não mais guardarei o meu livro in petto; ei-lo, senhores, leiam-no. Iniciei e terminei uma viagem de quarenta e dois dias à roda do meu quarto. (…) Sente o meu coração uma satisfação inexprimível quando penso no número infinito de infelizes a quem ofereço um meio garantido contra o tédio e um alívio para os males de que sofrem. O prazer que se encontra ao viajar no próprio quarto está ao abrigo da inquieta in­veja dos homens; (…)
Estou certo de que qualquer homem sensato adoptará o meu sis­tema, seja qual for o seu carácter, qualquer que seja o seu temperamento; (…) enfim, na imensa família dos homens que pululam sobre a superfície da terra, não existe um só – um só que seja (entenda-se, daqueles que habitam quartos) que possa, depois de ter lido este livro, recusar-se a aprovar a nova maneira de viajar que introduzo no mundo.»
(Xavier de Maistre, (1763-1852). Primeiro capítulo da Viagem à roda do meu quarto)


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«Que viaje à roda do seu quarto quem está à beira dos Alpes, de Inverno, em Turim, que é quase tão frio como Sampetersburgo— entende-se. Mas com este clima, com este ar que Deus nos deu, onde a laranjeira cresce na horta, e o mato é de murta, o próprio Xavier de Maistre, que aqui escre­vesse, ao menos ia até o quintal.
Eu muitas vezes, nestas sufocadas noites de Estio, viajo até à minha janela para ver uma nesguita de Tejo que está no fim da rua, e me enganar com uns verdes de árvores que ali vegetam sua laboriosa infância nos entulhos do Cais do Sodré. E nunca escrevi estas minhas viagens nem as suas impressões; pois tinham muito que ver! Foi sempre ambiciosa a minha pena: pobre e soberba, quer assunto mais largo. Pois hei-de dar-lho. Vou nada menos que a Santarém: e protesto que de quanto vir e ouvir, de quanto eu pensar e sentir se há-de fazer crónica.
Era uma ideia vaga; mais desejo que tenção, que eu tinha há muito de ir conhecer as ricas várzeas desse Ribatejo, e saudar em seu alto cume a mais histórica e monumental das nossas vilas. Abalam-me as instâncias de um amigo, decidem-me as tonteiras de um jornal, que por mexeriquice quis encabeçar em desígnio político determinado a minha visita.»
(Almeida Garret, Viagens na minha terra, 1846)

26.9.07

Página LUGAR ONDE - Setembro 2007


Falemos então de Camões

Neste começo de ano lectivo proponho uma visita a Luís de Camões.
Considerado o expoente máximo da nossa literatura, ele é posto sobre um pedestal e tão alto fica que mal lhe chegamos. Injustamente, muitos estudantes acham-no “uma seca”, porque são “obrigados” a ler o que lhes parece completamente fora de moda.
Mas e verdade é que Camões, que viveu no séc. XVI, mantém uma actualidade impressionante, quer nos temas quer nas formas de escrita.
Quantos de nós já leram a sua obra lírica, isto é, os versos que escreveu para além dos Lusíadas? E, no entanto, muitos autores consideram-na com valor igual, ou até superior, à epopeia. Pela primeira vez na nossa literatura alguém escreveu sobre os sentimentos e as emoções com as palavras e a verdade psicológica que caracterizam o homem novo do mundo moderno. Sem descurar as formas tradicionais, importou novos modos de escrita que abriram portas a toda a literatura actual. Mesmo a epopeia – OS LUSÍADAS – foi inovadora, tendo atingido um nível nunca mais igualado em nenhuma outra literatura universal.
Peguemos em Camões, sem complexos. Há edições escolares de muita qualidade, que nos ajudam a entender melhor. Vale a pena re-descobrir o grande poeta que ele é.


Camões: que vida?

Por escassez de documentos, pouco se sabe, com rigor, da sua vida – de que sobra espaço para muitas lendas. Nasceu em 1524 ou 25. Morreu em 1580. Da baixa nobreza, conheceu dificuldades económicas, que o seu feitio perdulário agravava. Homem culto e homem de acção, viajou pelo Império Português do Oriente, sempre entalado entre a miséria e a consciência altiva da sua grandeza poética. Sepultado numa pequena igreja que o terramoto de 1755 destruiu, o provável pó de seus ossos foi guardado nos Jerónimos já no séc. XIX. O grande poeta Eugénio de Andrade interpretou assim a vida de Camões:

Nalgumas linhas da sua poesia, e sobretudo nas poucas cartas que indubitavelmente são dele, pode ler-se que, como português, encarnou até à medula toda a nossa condição: pobreza, vagabundagem, cadeia, desterro. «Erros», «má fortuna» e «amor ardente» se conjugaram para fazer daquele alto espírito do Maneirismo europeu uma das figuras mais desgraçadas da via-sacra nacional. Por «erros» talvez se possa entender um cristianíssimo arrependimento daquele marialvismo da sua juventude; a «má fortuna» não pode ter sido senão a de ter vivido num tempo em que «Portugal era uma casa sem luz em matéria de instrução», e se preparava fatidicamente para abandonar todas as suas guitarras nos campos de Alcácer Quibir; quanto ao «amor ardente» – não foi o próprio Camões que se mostrou dividido entre o límpido apelo dos sentidos e toda uma platonizante teoria de amor bebida em Petrarca e Santo Agostinho?




Assim começam OS LUSÍADAS:

As armas e os barões assinalados
Que da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca dantes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;

E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valorosas
Se vão da lei da Morte libertando,
Cantando espalharei por toda parte,

Se a tanto me ajudar o engenho e arte.


SONETOS DE CAMÕES
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;
É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
*
Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.
Se lá no assento etéreo, onde subiste
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.
E se vires que pode merecer-te
Alguma coisa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,
Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.
*

Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.
Se nela está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si somente pode descansar,
Pois consigo tal alma está liada.
Mas esta linda e pura semideia,
Que, como o acidente em seu sujeito,
Assim co'a alma minha se conforma,
Está no pensamento como ideia;
[E] o vivo e puro amor de que sou feito,
Como matéria simples busca a forma.
*
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.
*
Ao desconcerto do Mundo
Os bons vi sempre passar
No Mundo graves tormentos;
E pera mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado.
Assim que, só pera mim,
Anda o Mundo concertado.