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4.10.11

O AZEITEIRO



É uma das grandes figuras da nossa História: Alexandre Herculano.
Veja-se, agora, o delicioso apontamento retirado DAQUI:


«Alexandre Herculano, poeta, romancista, historiador e mestre pela retidão de carácter que todos os amigos enalteciam era igualmente o mais famoso dos agricultores. Na época em que o azeite, como Bordalo refere, foi combustível para candeias, Herculano inventou o mais fino «azeite de prato». Tratou de o pôr à venda em Lisboa, na mais famosa mercearia do Chiado elegante: o Jerónimo Martins. Ganhou uma medalha na Exposição Universal de Paris e o hábito de se ver caricaturado vestido de azeiteiro, com lata e funil, desprezando intelectuais seus pares em direção à porta do merceeiro. Gomes de Brito conta como foi apresentar Bordalo Pinheiro a Herculano, na Livraria Bertrand do Chiado, em 1870. O caricaturista vinha pedir autorização para publicar o desenho mais tarde célebre, e Herculano mostrou-se envergonhado mas complacente: «Sim, senhor; sim, senhor!» Que estava parecido e que não ofendia o seu «carácter moral». Azeiteiro, pois, e sem problemas em o reconhecer, pelo que no «Álbum de Costumes Portuguezes» (editado por David Corazzi em 1888), é Columbano quem o retrata, utilizando como base a fotografia de um azeiteiro de rua, cujo rosto substitui pelas feições do historiador. A fotografia que serviu de base à aguarela e à estampa era desconhecida. Foi desvendada no volume IX da “Lisboa Desaparecida”.»

18.5.10

ALEXANDRE HERCULANO: A ESCRITA E AS ARMAS EM DEFESA DA LIBERDADE



evocando O BICENTENÁRIO DO SEU NASCIMENTO
Em raros homens a actividade intelectual e a intensa acção política conviveram tão intensamente como em Alexandre Herculano. Dos 67 anos da sua existência ficou uma obra imensa no campo da historiografia, do romance histórico, da poesia, do jornalismo e da intervenção cívica como doutrinário e polemista. Evocamos hoje o bicentenário do seu nascimento.
Foi no ano de 1810, em Março, meses antes da terceira invasão francesa, que nasceu em Lisboa Alexandre Herculano de Carvalho Araújo. Difícil conjuntura familiar impediu-o de realizar estudos universitários mas não lhe coarctou a vontade de se firmar nas Letras e na Política. Viveu os mais conturbados anos do nosso século XIX: revolução liberal, violenta reacção absolutista, guerra civil. Sofreu o exílio mas aproveitou-o para realizar estudos e fazer leituras decisivas para o seu futuro, em França. Juntou-se aos liberais de D. Pedro IV na Ilha Terceira, e empunhou armas no Porto, ao mesmo tempo que organizava os arquivos públicos da cidade, já apaixonado pelo que viria a ser a sua grande missão: coligir e publicar documentos até aí sepultados em obscuros cartórios de paróquias e conventos. A partir deles impôs uma nova concepção de historiografia, baseada na investigação e análise rigorosas das fontes originais.
Defensor da liberdade individual como fundamento de progresso social, reabilitou a época medieval portuguesa, aquela em que o povo tivera voz perante o Rei e a Igreja, e que os séculos posteriores desvirtuaram, com o absolutismo na organização política e com as imposições do concílio de Trento na vida religiosa. Daí o embate com as visões retrógradas, na política e na religião, expressas em polémicas públicas e em estudos de História, de que o exemplo mais citado é o da desmistificação da batalha de Ourique.
De energia inesgotável, ao mesmo tempo que era arrendatário agrícola perto de Palmela, escreveu quatro volumes da História de Portugal; milhares de páginas de doutrina, pensamento e crítica, reunidas nos Opúsculos; estudos historiográficos diversos; romances históricos, de que o mais conhecido é Eurico, o Presbítero; poesia (A Harpa do Crente). Ganhou a vida como arquivista mas conciliou ainda essa actividade com a vida política, quer como deputado quer como criador de opinião, o que lhe valeu o reconhecimento geral pela elevada forma de abordar as questões e a seriedade das suas análises. No entanto, acabou por se desiludir com a evolução da vida pública e retirou-se para Vale de Lobos, uma quinta nos arredores de Santarém, onde deu largas ao seu gosto pela vida agrícola. E também aqui foi exemplar, ao renovar a olivicultura e a oleicultura, numa quinta modelo baseada nas mais modernas práticas agrícolas. Onze anos depois da sua morte foi trasladado para o Mosteiro dos Jerónimos onde repousa num imponente túmulo na Casa do Capítulo.



ETERNO RECONHECIMENTO DA PÁTRIA


Alexandre Herculano foi uma das grandes figuras do século XIX português. De origem modesta, elevou-se pelo trabalho e probidade intelectual à condição indiscutível de referência ética e cívica. Lutou de armas na mão pela defesa do que considerava o maior valor cívico: «A liberdade humana, sei o que é: uma verdade de consciência como Deus. Por ela chego facilmente ao Direito absoluto; por ela sei apreciar as instituições sociais.»
Marcou os grandes momentos culturais e políticos da sua época. Foi reconhecido por príncipes e reis. Mas manteve sempre uma atitude de intransigente independência face aos poderes instituídos, patenteada por exemplo na recusa em receber a condecoração da Torres e Espada.
 Herculano tinha, no dizer de Teófilo Braga, um verdadeiro poder espiritual nacional, bem visível nas cerimónias da trasladação dos seus restos mortais, em 1888, onze anos depois da sua morte, da aldeia de Azóia, perto de Santarém, para o Mosteiro dos Jerónimos. Ali repousa, tal como Camões.

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O POETA

Os poemas de A. Herculano foram coligidos no livro “A Harpa do Crente”. Integram-se na corrente do romantismo, pelos temas e pela forma. Destacam-se as composições meditativas, em torno da ideia de Deus e da Natureza como criação divina, em ambientes nocturnos ou de paisagens majestosas.

DEUS

Nas horas de silêncio, à meia-noite,
Eu louvarei o Eterno!
Ouçam-me a terra, e os mares rugidores,
E os abismos do Inferno.
Pela amplidão dos céus meus cantos soem,
E a Lua resplendente
Pare em seu giro, ao ressoar nest'harpa
O hino do Omnipotente.
(…)
Teu nome ousei cantar! Perdoa, ó Nume;
Perdoa ao teu cantor!
Dignos de ti não são meus frouxos hinos,
Mas são hinos de amor.
Embora vis hipócritas te pintem
Qual bárbaro tirano:
Mentem, por dominar com férreo ceptro
O vulgo cego e insano.
Quem os crê é um ímpio! Recear-te
É maldizer-te, ó Deus;
É o trono dos déspotas da Terra
Ir colocar nos Céus.
Eu, por mim, passarei entre os abrolhos
Dos males da existência
Tranquilo, e sem temor, à sombra posto
Da Tua Providência.




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LER A NOSSA HISTÓRIA



Inspirando-se nos historiadores franceses do seu tempo, Herculano foi o introdutor em Portugal da História científica. Entre diversas obras historiográficas – de que ressalta a História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal, escreveu a História de Portugal até ao rei D. Afonso III, em quatro volumes, uma obra inovadora pela forma de abordagem: denunciando a História tradicional das grandes figuras, privilegiou a História das instituições, completada com a dos factos políticos. Sendo uma obra que não pode ser ignorada, é claramente insuficiente para os padrões actuais.
Imaginemos que os nossos leitores perguntam: onde é que podemos ler, actualmente, uma boa História de Portugal, de abordagem prática e fiável? Ousamos responder apontando para uma obra publicada em 2009 pela editora Esfera dos Livros: História de Portugal, de Rui Ramos (coordenador), Bernardo Vasconcelos e Sousa e Nuno Gonçalo Monteiro. José Mattoso, um dos nossos mais destacados historiadores, definiu-a assim (Ípsilon, jornal PÚBLICO 12 de Março de 2010): «Clara, fundamentada, muito completa, bem escrita, de boas dimensões para ser lida do princípio ao fim, a “História de Portugal” de Rui Ramos deixa para trás qualquer congénere anteriormente publicada. Uma obra perfeita, quase.»
Os autores são professores universitários da nova geração de historiadores. Rui Ramos explica no prólogo: «Este livro é uma proposta de síntese interpretativa da História de Portugal desde a Idade Média até aos nossos dias. Está construído como uma narrativa que combina a História política, económica, social e cultural, de modo a dar uma visão integrada de cada época e momento histórico, ao mesmo tempo que integra Portugal no contexto da História da Europa e do mundo.»

16.4.10

TEXTOS INESQUECÍVEIS - O ALCAIDE DO CASTELO DE FARIA

Alexandre Herculano é o autor do LUGAR ONDE de Maio.
Este é um dos seus textos de que eu gosto muito.
O castelo de Faria já não existe, como Herculano informa no texto.
A foto é do Castelo de Montalegre, que retirei do "OLHARES - fotografia Online", da autoria de Rui Ramos. É um castelo medieval, da época do de Faria.


O CASTELO DE FARIA(1373)


Alexandre Herculano (Lendas e Narrativas)



A breve distância da vila de Barcelos, nas faldas do Franqueira, alveja ao longe um convento de Franciscanos. Aprazível é o sítio, sombreado de velhas árvores. Sentem-se ali o murmurar das águas e a bafagem suave do vento, harmonia da natureza, que quebra o silêncio daquela solidão, a qual, para nos servirmos de uma expressão de Fr. Bernardo de Brito, com a saudade de seus horizontes parece encaminhar e chamar o espírito à contemplação das coisas celestes.

O monte que se alevanta ao pé do humilde convento é formoso, mas áspero e severo, como quase todos os montes do Minho. Da sua coroa descobre-se ao longe o mar, semelhante a mancha azul entornada na face da terra. O espectador colocado no cimo daquela eminência volta-se para um e outro lado, e as povoações e os rios, os prados e as fragas, os soutos e os pinhais apresentam-lhe o panorama variadíssimo que se descobre de qualquer ponto elevado da província de Entre-Douro-e-Minho.

Este monte, ora ermo, silencioso e esquecido, já se viu regado de sangue: já sobre ele se ouviram gritos de combatentes, ânsias de moribundos, estridor de habitações incendiadas, sibilar de setas e estrondo de máquinas de guerra. Claros sinais de que ali viveram homens: porque é com estas balizas que eles costumam deixar assinalados os sítios que escolheram para habitar na terra.

O castelo de Faria, com suas torres e ameias, com a sua barbacã e fosso, com seus postigos e alçapões ferrados, campeou aí como dominador dos vales vizinhos. Castelo real da Idade Média, a sua origem some-se nas trevas dos tempos que já lá vão há muito: mas a febre lenta que costuma devorar os gigantes de mármore e de granito, o tempo, coou-lhe pelos membros, e o antigo alcácer das eras dos reis de Leão desmoronou-se e caiu. Ainda no século dezessete parte da sua ossada estava dispersa por aquelas encostas: no século seguinte já nenhuns vestígios dele restavam, segundo o testemunho de um historiador nosso. Um eremitério, fundado pelo célebre Egas Moniz, era o único eco do passado que aí restava. Na ermida servia de altar uma pedra trazida de Ceuta pelo primeiro Duque de Bragança, D. Afonso. Era esta lájea a mesa em que costumava comer Salat-ibn-Salat, último senhor de Ceuta. D. Afonso, que seguira seu pai D. João I na conquista daquela cidade, trouxe esta pedra entre os despojos que lhe pertenceram, levando-a consigo para a vila de Barcelos, cujo conde era. De mesa de banquetes mouriscos converteu-se essa pedra em ara do cristianismo. Se ainda existe, quem sabe qual será o seu futuro destino?

Serviram os fragmentos do castelo de Faria para se construir o convento edificado ao sopé do monte. Assim se converteram em dormitórios as salas de armas, as ameias das torres em bordas de sepulturas, os umbrais das balhesteiras e postigos em janelas claustrais. O ruído dos combates calou no alto do monte, e nas faldas dele alevantaram-se a harmonia dos salmos e o sussurro das orações.

Este antigo castelo tinha recordações de glória. Os nossos maiores, porém, curavam mais de praticar façanhas do que de conservar os monumentos delas. Deixaram, por isso, sem remorsos, sumir nas paredes de um claustro pedras que foram testemunhas de um dos mais heróicos feitos de corações portugueses.

Reinava entre nós D. Fernando. Este príncipe, que tanto degenerava de seus antepassados em valor e prudência, fora obrigado a fazer paz com os castelhanos, depois de uma guerra infeliz, intentada sem justificados motivos, e em que se esgotaram inteiramente os tesouros do Estado. A condição principal, com que se pôs termo a esta luta desastrosa, foi que D. Fernando casasse com a filha del-rei de Castela: mas, brevemente, a guerra se acendeu de novo; porque D. Fernando, namorado de D. Leonor Teles, sem lhe importar o contrato de que dependia o repouso dos seus vassalos, a recebeu por mulher, com afronta da princesa castelhana. Resolveu-se o pai a tomar vingança da injúria, ao que o aconselhavam ainda outros motivos. Entrou em Portugal com um exército e, recusando D. Fernando aceitar-lhe batalha, veio sobre Lisboa e cercou-a. Não sendo o nosso propósito narrar os sucessos deste sítio, volveremos o fio do discurso para o que sucedeu no Minho.

O Adiantado de Galiza, Pedro Rodriguez Sarmento, entrou pela província de Entre-Douro-e-Minho com um grosso corpo de gente de pé e de cavalo, enquanto a maior parte do pequeno exército português trabalhava inutilmente ou por defender ou por descercar Lisboa. Prendendo, matando e saqueando, veio o Adiantado até as imediações de Barcelos, sem achar quem lhe atalhasse o passo; aqui, porém, saiu-lhe ao encontro D. Henrique Manuel, conde de Ceia e tio del-rei D. Fernando, com a gente que pôde ajuntar. Foi terrível o conflito; mas, por fim, foram desbaratados os portugueses, caindo alguns nas mãos dos adversários.

Entre os prisioneiros contava-se o alcaide-mor do castelo de Faria, Nuno Gonçalves. Saíra este com alguns soldados para socorrer o conde de Ceia, vindo, assim, a ser companheiro na comum desgraça. Cativo, o valoroso alcaide pensava em como salvaria o castelo del-rei seu senhor das mãos dos inimigos. Governava-o em sua ausência, um seu filho, e era de crer que, vendo o pai em ferros, de bom grado desse a fortaleza para o libertar, muito mais quando os meios de defensão escasseavam. Estas considerações sugeriram um ardil a Nuno Gonçalves. Pediu ao Adiantado que o mandasse conduzir ao pé dos muros do castelo, porque ele, com as suas exortações, faria com que o filho o entregasse, sem derramamento de sangue.

Um troço de besteiros e de homens d'armas subiu a encosta do monte da Franqueira, levando no meio de si o bom alcaide Nuno Gonçalves. O Adiantado de Galiza seguia atrás com o grosso da hoste, e a costaneira ou ala direita, capitaneada por João Rodrigues de Viedma, estendia-se, rodeando os muros pelo outro lado. O exército vitorioso ia tomar posse do castelo de Faria, que lhe prometera dar nas mãos o seu cativo alcaide.

De roda da barbacã alvejavam as casinhas da pequena povoação de Faria: mas silenciosas e ermas. Os seus habitantes, apenas enxergaram ao longe as bandeiras castelhanas, que esvoaçavam soltas ao vento, e viram o refulgir cintilante das armas inimigas, abandonando os seus lares, foram acolher-se no terreiro que se estendia entre os muros negros do castelo e a cerca exterior ou barbacã.

Nas torres, os atalaias vigiavam atentamente a campanha, e os almocadens corriam com a rolda 1 pelas quadrelas do muro e subiam aos cubelos colocados nos ângulos das muralhas.

O terreiro onde se haviam acolhido os habitantes da povoação estava coberto de choupanas colmadas, nas quais se abrigava a turba dos velhos, das mulheres e das crianças, que ali se julgavam seguros da violência de inimigos desapiedados.

Quando o troço dos homens d'armas que levavam preso Nuno Gonçalves vinha já a pouca distância da barbacã, os besteiros que coroavam as ameias encurvaram as bestas, e os homens dos engenhos prepararam-se para arrojar sobre os contrários as suas quadrelas e virotões, enquanto o clamor e o choro se alevantavam no terreiro, onde o povo inerme estava apinhado.

Um arauto saiu do meio da gente da vanguarda inimiga e caminhou para a barbacã, todas as bestas se inclinaram para o chão, e o ranger das máquinas converteu-se num silêncio profundo.

- "Moço alcaide, moço alcaide! - bradou o arauto - teu pai, cativo do mui nobre Pedro Rodriguez Sarmento, Adiantado de Galiza pelo mui excelente e temido D. Henrique de Castela, deseja falar contigo, de fora do teu castelo."

Gonçalo Nunes, o filho do velho alcaide, atravessou então o terreiro e, chegando à barbacã, disse ao arauto - "A Virgem proteja meu pai: dizei-lhe que eu o espero."

O arauto voltou ao grosso de soldados que rodeavam Nuno Gonçalves, e depois de breve demora, o tropel aproximou-se da barbacã. Chegados ao pé dela, o velho guerreiro saiu dentre os seus guardadores, e falou com o filho:

"Sabes tu, Gonçalo Nunes, de quem é esse castelo, que, segundo o regimento de guerra, entreguei à tua guarda quando vim em socorro e ajuda do esforçado conde de Ceia?"

- "É - respondeu Gonçalo Nunes - de nosso rei e senhor D. Fernando de Portugal, a quem por ele fizeste preito e menagem."

- "Sabes tu, Gonçalo Nunes, que o dever de um alcaide é de nunca entregar, por nenhum caso, o seu castelo a inimigos, embora fique enterrado debaixo das ruínas dele?"

- "Sei, oh meu pai! - prosseguiu Gonçalo Nunes em voz baixa, para não ser ouvido dos castelhanos, que começavam a murmurar. - Mas não vês que a tua morte é certa, se os inimigos percebem que me aconselhaste a resistência?"

Nuno Gonçalves, como se não tivera ouvido as reflexões do filho, clamou então: - "Pois se o sabes, cumpre o teu dever, alcaide do castelo de Faria! Maldito por mim, sepultado sejas tu no inferno, como Judas o traidor, na hora em que os que me cercam entrarem nesse castelo, sem tropeçarem no teu cadáver."

- "Morra! - gritou o almocadem castelhano - morra o que nos atraiçoou." - E Nuno Gonçalves caiu no chão atravessado de muitas espadas e lanças.

- "Defende-te, alcaide!" - foram as últimas palavras que ele murmurou.

Gonçalo Nunes corria como louco ao redor da barbacã, clamando vingança. Uma nuvem de frechas partiu do alto dos muros; grande porção dos assassinos de Nuno Gonçalves misturaram o próprio sangue com o sangue do homem leal ao seu juramento.

Os castelhanos acometeram o castelo; no primeiro dia de combate o terreiro da barbacã ficou alastrado de cadáveres tisnados e de colmos e ramos reduzidos a cinzas. Um soldado de Pedro Rodriguez Sarmento tinha sacudido com a ponta da sua longa chuça um colmeiro incendiado para dentro da cerca; o vento suão soprava nesse dia com violência, e em breve os habitantes da povoação, que haviam buscado o amparo do castelo, pereceram juntamente com as suas frágeis moradas.

Mas Gonçalo Nunes lembrava-se da maldição de seu pai: lembrava-se de que o vira moribundo no meio dos seus matadores, e ouvia a todos os momentos o último grito do bom Nuno Gonçalves - "Defende-te, alcaide!"

O orgulhoso Sarmento viu a sua soberba abatida diante dos torvos muros do castelo de Faria. O moço alcaide defendia-se como um leão, e o exército castelhano foi constrangido a levantar o cerco.

Gonçalo Nunes, acabada a guerra, era altamente louvado pelo seu brioso procedimento e pelas façanhas que obrara na defensão da fortaleza cuja guarda lhe fora encomendada por seu pai no último trance da vida. Mas a lembrança do horrível sucesso estava sempre presente no espírito do moço alcaide. Pedindo a el-rei o desonerasse do cargo que tão bem desempenhara, foi depor ao pé dos altares a cervilheira e o saio de cavaleiro, para se cobrir com as vestes pacificas do sacerdócio. Ministro do santuário, era com lágrimas e preces que ele podia pagar a seu pai o ter coberto de perpétua glória o nome dos alcaides de Faria.

Mas esta glória, não há hoje ai uma única pedra que a ateste. As relações dos historiadores foram mais duradouras que o mármore.