Maria de Lurdes Santos foi professora de Literatura Portuguesa e de Latim durante mais de trinta anos numa Escola Secundária de Torres Vedras.
Acaba de publicar um livro muito interessante que chegou até nós no passado Sábado, em sessão pública: VOZES DO ALENTEJO, edição da autora.
Neste livro propõe uma visita guiada à produção poética de autores populares do Alentejo, muitos deles analfabetos, cruzando os seus poemas com os de autores ditos eruditos ( letrados, reconhecidos como tal), verificando que as temáticas são frequentemente comuns e a forma usada pelos poetas populares não desmerece em nada da dos outros mais cultos.
Lurdes Santos analisa essas formas e destaca o domínio técnico destes autores populares que têm como base de registo unicamente a memória, chamando a atenção para o ritmo, as rimas e a fidelidade aos padrões clássicos da versificação, em linhas de continuidade que remontam à época medieval.
Este é um estudo feito a partir do contacto directo com os poetas populares e com a preocupação de contextualizar as suas produções com a vida quotidiana, articulando-a com o aspecto mais geral do país. Os textos surgem-nos assim em contexto social e político, o que lhes dá uma dimensão que ultrapassa as fronteiras do Alentejo.
Veja-se esta sextilha de um dos grandes poetas populares alentejanos, Manuel José Santinhos:
O fadinho trabalhista
Cantado por um fadista
Aldeão ou camponês
Ao transmitir a poesia
Vem fornecer ousadia
Ao povo português
Ressalta também dos muitos versos transcritos pela autora o cunho ingénuo mas genuíno destes escritos. Neles se reflecte o reconhecimento do autor de que sabe que está a fazer algo que é muito especial (versos!) e, não raro, a sua surpresa por superar as suas limitações
Saboreemos estas décimas, a partir da quadra que serve de mote:
Mote
"Cada
parvo com sua mania"
Lá
diz o velho ditado
A
minha é fazer poesia
Que
espero ser do vosso agrado
Um dia estando a pensar
Na minha mente se fez luz
E para o papel transpus
As palavras a rimar;
Comecei assim a analisar
Tudo aquilo que eu sentia;
Com grande gosto o fazia;
Inda hoje isso me alegra
Pois eu cá não fujo à regra
"Cada parvo com sua mania".
É de noite principalmente
Que me dão estas parvidades
Umas mentiras, outras verdades
Vêm à minha ideia de repente;
Aparecem naturalmente
Sem muito me ter esforçado;
Acho isto muito engraçado;
"Quem não pode como quer
Que faça como puder"
Lá diz o velho ditado.
Eu
gosto muito de ler;
A
leitura me alimenta
Porque
minha alma sedenta
Precisa
de se rejuvenescer;
Mas há quem mais goste de saber
Se
ganhou na lotaria
Corta
de noite e de dia
Na casaca até mais não;
Têm
a mania da perfeição
A
minha é fazer poesia.
Eu já não tenho é a alegria
De quando era moça nova
Mas às vezes ainda renova
Um pouco dessa magia;
Talvez seja da euforia
De ter este gosto apanhado;
A poesia é um trinado
Mas melhor eu não sei fazer
Esta quadra estou a escrever
Que espero ser do vosso agrado.
Beatriz G. C. Nunes in: Cancioneiro Popular Terras de Santiago
Um agradecimento muito especial à nossa colega Mª Lurdes Santos por esta prendinha de Natal.