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24.12.09

JOÃO DE DEUS, O POETA AMÁVEL





Portugal reconheceu o seu valor ainda antes de ele morrer e fez-lhe uma homenagem nacional como nunca antes se vira. Depois, inumou-o nos Jerónimos e mais tarde no Panteão Nacional, lugar reservado a poucos. A sua obra literária está um pouco esquecida mas a sua Cartilha Maternal continua a ser usada nos Jardins-Escola com o seu nome.

João de Deus nasceu em S. Bartolomeu de Messines em 1830, morreu em Lisboa em 1896. Os anos que viveu gastou-os em ser amável com o mundo, a começar pela literatura que cultivou de forma inovadoramente simples. Só não suportava o analfabetismo, num país onde 80% da população não via uma letra. Por isso criou um método de aprendizagem da leitura que tinha como objectivo primeiro atrair as crianças – ao contrário dos métodos tradicionais de “repetição em coro e paulada na tola”.

Levou dez anos a cursar Direito em Coimbra. Boémia, convívio, sempre amável na sua bondade infinita. Quando de lá saiu, pouco se interessou pelos tribunais e tentou o jornalismo. Arranjaram-lhe um lugar de deputado mas era porque não o conheciam bem. Preferia continuar o amável convívio dos que amam simplesmente a vida.
Usou a Língua com a sensibilidade e a candura das crianças, recuperando formas tradicionais do cancioneiro ou o rigor lógico do soneto - como Antero de Quental sublinhou e reconheceu.

Mestre da sátira amavelmente certeira, e do poema gracioso, deixou algumas composições que ainda hoje encantam. Quem não se lembra do poema A Vida? Ou O Dinheiro: “O dinheiro é tão bonito / Tão bonito, o maganão! / Tem tanta graça, o maldito, / Tem tanto chiste, o ladrão! / (…) E elas acham-no tão guapo! / Velhinha ou moça que veja, / Por mais esquiva que seja, / Tlim! / Papo.”

Podemos lê-lo facilmente nos dois volumes da colecção Livros de Bolso Europa-América: Campo de Flores I (nº 265) e Campo de Flores II (nº 283).



DIA DE ANOS


Com que então caiu na asneira

De fazer na quinta-feira

Vinte e seis anos! Que tolo!

Ainda se os desfizesse…

Mas fazê-los não parece

De quem tem muito miolo!


Não sei quem foi que me disse

Que fez a mesma tolice

Aqui o ano passado…

Agora o que vem, aposto,

Como lhe tomou o gosto,

Que faz o mesmo, coitado!


Não faça tal; porque os anos

Que nos trazem? Desenganos

Que fazem a gente velho…

Faça outra coisa; que em suma

Não fazer coisa nenhuma,

Também lhe não aconselho.


Mas anos, não caia nessa!

Olhe que a gente começa

Às vezes por brincadeira,

Mas depois, se se habitua,

Já não tem vontade sua,

E fá-los, queira ou não queira!


A VIDA

Foi-se-me pouco a pouco amortecendo

a luz que nesta vida me guiava,

olhos fitos na qual até contava

ir os degraus do túmulo descendo.


Em se ela anuviando, em a não vendo,

já se me a luz de tudo anuviava;

despontava ela apenas, despontava

logo em minha alma a luz que ia perdendo.


Alma gémea da minha, e ingénua e pura

como os anjos do céu (se o não sonharam...)

quis mostrar-me que o bem bem pouco dura!


Não sei se me voou, se ma levaram;

nem saiba eu nunca a minha desventura

contar aos que inda em vida não choraram ...

......................................................

A vida é o dia de hoje,

a vida é ai que mal soa,

a vida é sombra que foge,

a vida é nuvem que voa;

a vida é sonho tão leve

que se desfaz como a neve

e como o fumo se esvai:

A vida dura um momento,

mais leve que o pensamento,

a vida leva-a o vento,

a vida é folha que cai!



A vida é flor na corrente,

a vida é sopro suave,

a vida é estrela cadente,

voa mais leve que a ave:

Nuvem que o vento nos ares,

onda que o vento nos mares

uma após outra lançou,

a vida – pena caída

da asa de ave ferida -

de vale em vale impelida,

a vida o vento a levou!



AROMA E AVE


Eu digo, quando assoma

o astro criador:

– Deus me fizesse aroma

de alguma pobre flor!



E digo, quando passa

uma ave pelo ar:

– Deus me fizesse a graça

de asas para voar!



Aroma da janela

me evaporava eu,

me respirava ela

e me elevava ao céu!



E quem, se eu fosse uma ave,

me havia de privar

a mim da luz suave

daquele seu olhar?

 




A CARTILHA MATERNAL



Este foi o grande contributo de João de Deus para a cultura e instrução de um país mergulhado na ignorância. Feliciano de Castilho já tentara impor um novo método mas faltava-lhe a arte da sedução pessoal de João de Deus. Incentivado por um grupo de amigos – criou e publicou em 1876 a Cartilha Maternal, que viria a ter um êxito estrondoso pela forma inovadora e intuitiva como abordava as primeiras letras. Teve detractores, obviamente, mas este método veio a ser aprovado pelo Governo para todo o país e foi muito utilizado no Brasil. Alexandre Herculano considerou a Cartilha “utilíssima e genial”. Em 1882 os seus amigos criaram a Associação das Escolas Móveis pelo Método de João de Deus, que viria a tornar-se na Associação dos Jardins Escolas João de Deus. Actualmente conta com 40 estabelecimentos de ensino, de norte a sul do país, entre os quais o de Torres Vedras.

João de Deus foi nomeado vitaliciamente Comissário Geral da Leitura e até ao fim a vida teve o reconhecimento de todo o país, que culminou numa homenagem nacional, com o rei D. Carlos a agraciá-lo com a grã-cruz da Ordem de Santiago da Espada.