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19.8.09

CENAS DA ARTE CONTEMPORÂNEA



UMA ARTE SÓ PARA SI

MANIFESTO DO ARTISTA DESCONHECIDO

Michel H. Guichet – nome artístico – vive em Torres Vedras há 13 anos. Lançou há poucos dias um manifesto artístico de circulação restrita que introduz um conceito revolucionário na arte contemporânea e que ele designou por “His own art”.
Por razões que mais adiante se entenderão, só o LUGAR ONDE esteve no lançamento, o que nos permitiu tomar contacto com o artista e conhecer melhor as suas propostas. Em que consiste o conceito proposto? – foi a nossa questão inicial.
- A arte tem sido utilizada como forma de promoção dos artistas à procura de fama fácil. Cada um pretende ser o mais original, o mais radical. Há uma imensidão de propostas artísticas que não passam de mistificações, de fraudes… Qualquer um pega numas latas de tinta e faz uns borrões, depois diz que é arte abstracta. Ou pega num par de botas velhas , pendura-as num escadote e diz que é “uma instalação”. As galerias de arte estão cheias desta tralha, que o público visita com um ar muito sério, que ninguém percebe o que é mas que todos fingem apreciar. Há anos houve um cineasta que fez um filme que não tinha imagens, consumiu nisso uns milhares de euros de dinheiros públicos e não foi preso por este original conto do vigário. Foi até muito falado e discutido…
- Então o que é que você propõe?
- Proponho uma arte radicalmente individual, que nunca chegue ao público, que seja apenas vista pelo seu criador. É nesse sentido que tenho trabalhado. Tenho uma obra imensa que nunca será conhecida. Ultimamente fiz uma série intitulada “Linha Escura”, doze painéis representando o “ser indizível” e que destruí de imediato. Ficou apenas um registo em vídeo que, por testamento, será divulgado trinta anos após a minha morte. Aspiro a nunca ser conhecido. O anonimato é a glória suprema de quem sabe que a sua arte é intemporal.
- Acha possível criar uma semiótica coerente para este tipo de proposta? O que quer dizer com a designação “His own art”?
- Ouça, o público está arredado destas discussões. As galerias de arte, para além de algumas excepções, ninguém as visita, a não ser uma pequena elite intelectual que se esforça mas acaba por não perceber nada. Discutir semiótica a partir de propostas sem consistência é uma inutilidade. Recuso-me a alinhar nesta feira de vaidades. “His own art” é um conceito que retirei de uma experiência realizada há sete anos numa clínica psiquiátrica e que significa “Uma arte só para si”. É de uma radicalidade espantosa. O meu manifesto começa por não existir. E para ser coerente terei de admitir que nada tenho a dizer.
- Mas está aqui a dizer…
- Foi um acaso. Um desabafo!
E foi estranho este encontro com M. H. Guichet. Por isso investigámos um pouco e não foi difícil encontrar um fio da meada. Guichet filia-se provavelmente numa corrente artística conhecida por UNKNOWN ARTIST e que tem feito intervenções em diversas cidades europeias conforme se pode ler no sítio artmatters.blog.pt . Nele se faz referência, por exemplo, ao
Museu Virtual do Artista Desconhecido. Como é óbvio não encontramos lá qualquer referência à obra de Guichet. Fica-nos a grata sensação de que Torres Vedras está na senda da contemporaneidade. Já tínhamos alguns escritores que se definem pela “obra não publicada”. Temos agora um artista plástico que quer ser desconhecido, com uma vasta obra que só daqui a trinta anos chegará ao grande público. Aguardamos, impacientes. JMD


Uma breve pesquisa na internet leva-nos ao âmago da arte contemporânea. Experimente o leitor digitar no Google Imagens as palavras “instalação arte”. Vai ficar surpreendido. Tudo é arte? Parece que sim e «o limite é o céu», como diria o outro. A abrir verá uma instalação artística no centro de Beirute, um campo de 600 sanitas, pela artista plástica Nadia Sehnaoul, por ocasião do aniversário do início da guerra civil. Nada de admirar, experimente agora digitar Marcel Duchamp. Ele já abrira caminho à arte sanitária…




A FONTE DE DUCHAMP

"Fonte" é um urinol de porcelana branco, considerado uma das obras mais representativas do dadaísmo na França, e das mais notórias obras do artista Marcel Duchamp. Esta réplica de um mictório de porcelana foi originalmente comprada pelo artista numa firma de artigos sanitários, em Nova York. Duchamp assinou depois o objecto com o pseudónimo R. Mutt e inscreveu-o numa exposição, em 1917, no Salão da Sociedade Nova-iorquina de Artistas Independentes.
Foi com esta obra que Duchamp definiu pela primeira vez o conceito de "ready-made"- que influenciou inúmeros artistas desde então.
Defendendo a escultura original em 1917, Duchamp desafiou as idéias tradicionalmente pré-concebidas sobre a definição de arte. Afirmou que não importava se o "sr. Mutt" havia feito ou não a obra com sua próprias mãos, o importante era ele a ter escolhido. Portanto, o que importa não era a criação, mas a idéia e a escolha.
Como explica o sítio brasileiro
didotdesign.com.br/didot «o urinol invertido causou estranheza e não entrou na exposição, mas rompeu com os padrões artísticos da época. Duchamp pretendia propor um novo olhar e nunca limitar a arte. Ainda nos deparamos com obras que o nosso olhar não compreende, mas transpor esse limite pode ser uma rica experiência de cores, sensações, texturas, história, referências…»

MISTIFICAÇÃO OU GENIALIDADE?

Já nos anos 50 do século XX Umberto Eco teorizara o conceito de “obra aberta”. A produção artística tomava novos rumos que levavam o artista a renunciar à concepção de obra definitiva e a erigir o não-acabado, o provisório, o sugerido, como identidade privilegiada da proposta artística. Ao contrário da concepção clássica tradicional, a obra de arte assim concebida, “cada vez mais consciente das várias perspectivas de «leitura», apresenta-se como estímulo para uma livre interpretação orientada apenas nos seus traços essenciais.”(U. Eco, A Definição de Arte, Ed. 70, 2006).
Mas esta perspectiva era apenas o início de uma transformação radical da chamada “arte contemporânea”que, no limite, tende para a auto-destruição na medida em que denuncia como castradora e limitativa qualquer poética possível. A obra de arte começa por ser uma proposta desafiadora, tenta justificar-se numa poética original e única e acaba numa orgia de auto-aniquilamento. Um concerto musical termina com a destruição dos instrumentos, uma escultura é feita em cacos pelo seu criador, uma pintura é retalhada à navalha, uma instalação de espelhos fragmenta-se à marretada.
Vemos assim que o artista torriense Michel H. Guichet se limitou a levar ao extremo esta perspectiva. Que outros já estão a desenvolver, como nos mostra o chamado grupo dos “Artistas Desconhecidos”. De que você, caro leitor, provavelmente já faz parte e não nos quer dizer…