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23.8.08

RUY BELO, TRINTA ANOS DEPOIS


S. João da Ribeira ( freguesia do concelho de Rio Maior): Casa onde nasceu Ruy Belo.





“Procurava nas palavras uma chave para o código genético da angústia: a dor de saber quão precária é a nossa condição de seres viventes e de como o tempo nos é tão pouco”.(Lugar Onde, Julho 2003)
Sim, foi pouco o tempo de vida de Ruy Belo. Nascido em 1933, morreu em Agosto de 1978, faz agora trinta anos. O suficiente, porém, para nos deixar uma vasta obra poética que marcou a poesia portuguesa contemporânea:
Aquele Grande Rio Eufrates (
1961) / O Problema da Habitação (1962) / Boca Bilingue (1966) / Homem de Palavra(s) (1969) / Transporte no Tempo (1973) / País Possível (1973) / A Margem da Alegria (1974) / Toda a Terra (1976) / Despeço-me da Terra da Alegria (1978).
Obra publicada pela editorial Presença e pela Assírio & Alvim, está hoje praticamente esgotada e é difícil de encontrar. Por isso está a ser preparada uma nova edição da obra completa, a sair em Outubro.
A nossa homenagem ao grande poeta Ruy Belo!








À MEMÓRIA DE RUY BELO




Provavelmente já te encontrarás à vontade


entre os anjos e, com esse sorriso onde a infância


tomava sempre o comboio para as férias grandes,


já terás feito amigos, sem saudades dos dias


onde passaste quase anónimo e leve


como o vento da praia e a rapariga de Cambridge,


que não deu por ti, ou se deu era de Vila do Conde.


A morte como a sede sempre te foi próxima,


sempre a vi a teu lado, em cada encontro nosso


ela aí estava, um pouco distraída, é certo,


mas estava, como estava o mar e a alegria


ou a chuva nos versos da tua juventude.


Só não esperava tão cedo vê-la assim, na quarta


página de um jornal trazido pelo vento,


nesse agosto de Caldelas, no calor do meio-dia,


jornal onde em primeira página também vinha


a promoção de um militar a general,


ou talvez dois, ou três, ou quatro, já não sei:


isto de militares custa a distingui-los,


feitos em forma como os galos de Barcelos,


igualmente bravos, igualmente inúteis,


passeando de cu melancólico pelas ruas


a saudade e a sífilis do império,


e tão inimigos todos daquela festa


que em ti, em mim, e nas dunas principia.


Consola-me ao menos a ideia de te haverem


deixado em paz na morte; ninguém na assembleia


da república fingiu que te lera os versos,


ninguém, cheio de piedade por si próprio,


propôs funerais nacionais ou, a título póstumo,


te quis fazer visconde, cavaleiro, comendador,


qualquer coisa assim para estrumar os campos.


Eles não deram por ti, e a culpa é tua,


foste sempre discreto (até mesmo na morte),


não mandaste à merda o país, nem nenhum ministro,


não chateaste ninguém, nem sequer a tua lavadeira,


e foste a enterrar numa aldeia que não sei


onde fica, mas seja onde for será a tua.




Agrada-me que tudo assim fosse, e agora


que começaste a fazer corpo com a terra


a única evidência é crescer para o sol.




Eugénio de Andrade, 1978






PARA A DEDICAÇÃO DE UM HOMEM
Terrível é o homem em quem o senhor
desmaiou o olhar furtivo das searas
ou reclinou a cabeça
ou aquele disposto a virar decisivamente a esquina
Não há conspiração de folhas que recolha
a sua despedida. Nem ombro para o seu ombro
quando caminha pela tarde acima
A morte é a grande palavra para esse homem
não há outra que o diga a ele próprio
É terrível ter o destino
da onda anónima morta na praia



(Aquele Grande Rio Eufrates)




A MÃO NO ARADO

Feliz aquele que administra sabiamente
a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias
Podem passar os meses e os anos nunca lhe faltará


Oh! como é triste envelhecer à porta
entretecer nas mãos um coração tardio
Oh! como é triste arriscar em humanos regressos
e equilíbrio azul das extremas manhãs do verão
ao longo do mar transbordante de nós
no demorado adeus da nossa condição
É triste no jardim a solidão do sol
vê-lo desde o rumor e as casas da cidade
até uma vaga promessa de rio
e a pequenina vida que se concede às unhas
Mais triste é termos de nascer e morrer
e haver árvores ao fim da rua
É triste ir pela vida como quem
regressa e entrar humildemente por engano pela morte dentro
É triste no outono concluir
que era o verão a única estação
Passou o solidário vento e não o conhecemos
e não soubemos ir até ao fundo da verdura
como rios que sabem onde encontrar o mar
e com que pontes com que ruas com que gentes com que montes conviver
através de palavras de uma água para sempre dita
Mas o mais triste é recordar os gestos de amanhã
Triste é comprar castanhas depois da tourada
entre o fumo e o domingo na tarde de Novembro
e ter como futuro o asfalto e muita gente
e atrás a vida sem nenhuma infância
revendo tudo isto algum tempo depois
A tarde morre pelos dias fora
É muito triste andar por entre Deus ausente

Mas, ó poeta, administra a tristeza sabiamente




(O Problema da Habitação)




Ruy Belo repousa no cemitério da sua terra natal, S. João da Ribeira (Rio Maior).
Na pedra tumular lê-se este poema, do livro “Homem de Palavra(s)”


COLOFON OU EPITÁFIO

Trinta dias tem o mês
e muitas horas o dia
todo o tempo se lhe ia
em polir o seu poema
a melhor coisa que fez
ele próprio coisa feita
ruy belo portugalês
Não seria mau rapaz
quem tão ao comprido jaz
ruy belo, era uma vez


Entrada do cemitério de S. João da Ribeira, última morada do poeta. Foto Méon.


5.6.07

Ruy Belo, era uma vez

Vista do Cemitério de S. João da Ribeira (concelho de Rio Maior), com a Torre Mourisca (Mon. Nacional).


Campa rasa do poeta Ruy Belo, natural de S. João da Ribeira. Na pedra está gravado o seu poema COLOFON OU EPITÁFIO:

Trinta dias tem o mês

e muitas horas o dia

todo o tempo se lhe ia

em polir o seu poema

a melhor coisa que fez

ele próprio coisa feita

ruy belo portugalês

Não seria mau rapaz

quem tão ao comprido jaz

ruy belo, era uma vez