15.6.13
FERNANDO PESSOA: O HOMEM E O LUGAR
Anteontem, 13 de Junho, foi dia de aniversário do escritor. Nasceu há 125 anos. Apeteceu-me visitá-lo. Gosto de conhecer os lugares por onde andou. Para os fanáticos da obra-objecto-de-estudo, esta é uma frivolidade dispensável. Discordo. Há lá melhor passeio do que o de livro na mão, a mirar lugares, sítios e circunstâncias? Ainda hoje não entenderia metade da obra de Pessoa se não conhecesse a fase da vida dele em que dormiu no sobrado de uma leitaria, por caridade de um amigo - segundo o relato pungente de João Gaspar Simões na biografia do escritor. É certo que a leitaria já não existe mas a rua Almirante Barroso, a Picoas, ainda lá está, com a sua envolvência urbanística.
Hoje, casualmente, encontrei este sítio onde se faz uma visita a dez lugares de Fernando Pessoa. Vamos lá:
http://www.saraivaconteudo.com.br/Materias/Post/51820
E se não ficarmos cansados, poderemos completar a viagem com as preciosas informações do sítio "Casa Fernando Pessoa":
http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt/index.php?id=4286
3.2.13
LUGAR ONDE - 28 Dezembro - jornal BADALADAS ( TORRES VEDRAS)
É um “livro que não é livro”, como diz J. Pizarro no seu recente "PESSOA EXISTE?" (Ática /Babel, 2012). Pessoa tinha em mente escrever um livro com aquele título mas nunca passou da fase de escrever fragmentos. Foi amontoando papéis a esmo, nos mais diversos suportes - subscritos, apontamentos, notas soltas misturadas com assuntos totalmente diferentes, folhas inteiras ou rasgadas, papel de embrulho... Muitas vezes deixava a indicação abreviada "L. D. ", outras vezes nem isso. Sem numeração nem indicações de precedência. E tudo isso ficou amontoado na célebre arca que o autor nunca organizou.
Cada LIVRO DO DESASSOSSEGO é, pois, o resultado de um conjunto de critérios definidos pelos estudiosos e editores que meteram ombros à tarefa ciclópica de compor o puzzle. O que faz a diferença é a definição e a hierarquização desses critérios, estabelecidos a partir de diversas metodologias.
Sendo um livro tão estranho, como se explica a sua aceitação universal - é um dos mais conhecidos no estrangeiro - traduzido em 37 idiomas, “melhor livro do ano” na feira de Frankfurt de 1985?
Um desassossego de livro, este Livro. Mas, curiosamente, é o seu carácter fragmentário e descontínuo que lhe confere inegável contemporaneidade, num tempo marcado pelos ritmos sincopados e pela desconstrução dos géneros literários.
Eu diria que este LIVRO DO DESASSOSSEGO é como uma sinfonia de jazz que todas as noites fosse tocada por músicos diferentes. | JMD
"Escrevo com uma grande intensidade de expressão; o que sinto nem sei o que é. Sou metade sonâmbulo e a outra parte nada."(p. 355)
20.12.12
UM DESASSOSSEGO DE LIVRO
Tenho cá por casa estas quatro edições do "Livro do Desassossego" de Fernando Pessoa, aliás Bernardo Soares, ou ainda Vicente Guedes/Bernardo Soares.
E ainda faltam aqui as edições brasileiras, para além da publicada por Jerónimo Pizarro em edição crítica na Imprensa Nacional - Casa da Moeda, em 2010.
À primeira vista e aos leitores desprevenidos, apetece largar da mão esta amálgama de edições. Mas depois há que perguntar por que razão o livro teve tanta aceitação e acaba por ser um dos mais conhecidos no estrangeiro através das múltiplas traduções já feitas.
A verdade é que os mais de 500 fragmentos dispersos na célebre arca de Pessoa, misturados com outros de obras diferentes, são textos de uma actualidade e profundidade psicológica que os tornam incrivelmente sedutores para o homem contemporâneo. É a angústia de viver, o desassossego de não saber para quê e como viver, as grandes interrogações sobre a vida e a morte, as reflexões com tema ou simplesmente banais mas carregadas de sinceridade desarmante - é tudo isto que encontramos nestas páginas muitas vezes arrebatadoras.
"Se penso, é porque divago; se sonho, é porque estou desperto. Tudo em mim se embrulha comigo, e não tem forma de saber, de ser."
"Escrevo com uma grande intensidade de expressão; o que sinto nem sei o que é. Sou metade sonâmbulo e a outra parte nada."
Livro que não é livro, como diz J. Pizarro no seu recente "PESSOA EXISTE?" (Ática /Babel, 2012).
Pessoa tinha em mente escrever um livro com aquele título mas nunca passou da fase de escrever fragmentos. Foi amontoando papéis a esmo, nos mais diversos suportes - subscritos, apontamentos, notas soltas misturadas com assuntos totalmente diferentes, folhas inteiras ou rasgadas, papel de embrulho... Muitas vezes deixava a indicação abreviada "L D ", outras vezes nem isso. Sem numeração nem indicações de precedência.
Cada LIVRO DO DESASSOSSEGO é o resultado de um conjunto de critérios definidos pelos estudiosos e editores que meteram ombros à tarefa ciclópica de compor o puzle. O que faz a diferença de umas edições para outras é a definição e a hierarquização dos critérios de organização, definidos a partir
de pressupostos diversos.
Daí que seja possível ler diversas versões do livro, na certeza de que todas são aceitáveis pois foram feitas por experimentados pessoanos que nelas trabalharam. Como diz Pizarro, " a sua forma depende de uma idealização", estas edições "não existem senão como imitações de um Livro inexistente" - passe o paradoxo, que afinal corresponde ao que o próprio F. Pessoa escreveu sobre o projecto deste livro, em 1914, em carta a Armando Côrtes-Rodrigues: " Tudo fragmentos, fragmentos, fragmentos".
Fernando Pessoa morreu em 1935 e deixou uma arca com mais de trinta mil papéis, a maioria amontoados e sem articulação organizativa, cujo conteúdo está na Biblioteca Nacional e tem vindo a ser digitalizada, tarefa ainda longe de concluída.
Dezenas de investigadores já remexeram, reviraram, leram, organizaram e desorganizaram aquela papelada toda.
Um desassossego de livro, este Livro. Mas, curiosamente, é o seu carácter fragmentário e descontínuo que lhe confere inegável contemporaneidade, num tempo marcado pelos ritmos sincopados e pela desconstrução dos géneros literários.
Eu diria que este LIVRO DO DESASSOSSEGO é como uma sinfonia de jazz que todas as noites fosse tocada por músicos diferentes.
4.3.11
SE ÁLVARO DE CAMPOS ESCREVESSE EM "O BARRETE"...
Depois de doze minutos
Do seu drama O Marinheiro,
Em que os mais ágeis e astutos
Se sentem com sono e brutos,
E de sentido nem cheiro,
Diz uma das veladoras
Com langorosa magia:
De eterno e belo há apenas o sonho. Porque estamos nós falando ainda?
Ora isso mesmo é que eu ia
Perguntar a essas senhoras...
(Poemeto de Álvaro de Campos,
no «Orpheu I» )
21.9.08
FIM DO VERÃO
Palavras regressam. iluminadas de outras brisas, como gente que tem saudades e traz recordações do sul.
Escorre a luz pelas tardes. Imperceptível, o Verão saiu e é de água que o tempo agora fala. Os lagos da memória guardam astros e sombras, sinais do vento ou de quando o sol se erguia mais alto e mais quente, e cada manhã trazia silêncios e perfumes.
É o Outono que aí vem? Já é o Outono?
Transfigura-se o verão. Mais doce, mais serena, chega a luz de Setembro envolta nas folhas que caem.
Hoje é o LUGAR ONDE guardamos alguns poemas que falam do Outono.
SE DESTE OUTONO
Se deste outono uma folha,
apenas uma, se desprendesse
da sua cabeleira ruiva,
sonolenta,e sobre ela a mão
com o azul do ar escrevesse
um nome, somente um nome,
seria o mais aéreo
de quantos tem a terra,
a terra quente e tão avara
de alegria.
Eugénio de Andrade
CANÇÃO DE OUTONO
Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.
De que serviu tecer flores
pelas areias do chão,
se havia gente dormindo
sobre o próprio coração?
E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando àqueles
que não se levantarão...
Tu és a folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.
Certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão...
UMA NÉVOA DE OUTONO
Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.
Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.
Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]
Fernando Pessoa
TRISTÃO E ISOLDA
Sobre o mar de Setembro velado de bruma
O sol velado desce
Impregnando de oiro e espuma
Onde a mais vasta aventura floresce.
Tristão e Isolda que eu sempre vi passar
Num fundo de horizontes marítimos
Trespassados como o mar
Pela fatalidade fantástica dos ritmos
Caminham na agonia desta tarde
Onde uma ânsia irmã da sua arde.
Tristão e Isolda que como o Outono,
Rolando de abandono em abandono,
Traziam em si suspensa
Indizivelmente a presença
Extasiada da morte.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Os mortos aconchegam-se, no Outono,
Aonde, sendo mais secas,
As folhas juntam o pródigo tesouro
Da tristeza.
O seu distúrbio, em torno
Dos negros troncos, festeja
O fragilíssimo lugar, o modo
De estar cedendo, a transparência
Ao movimento universal do sono
Que acorda adequação de inteligência.
E é desse lado que os mortos
Sua inocência irrequieta
Avivam. E aventam o ouro
Outonal das folhas secas.
Fernando Echevarría
OUTONO
Tarde pintada
Por não sei que pintor.
Nunca vi tanta cor
Tão colorida!
Se é de morte ou de vida,
Não é comigo.
Eu, simplesmente, digo
Que há tanta fantasia
Neste dia,
Que o mundo me parece
Vestido por ciganas adivinhas,
E que gosto de o ver, e me apetece
Ter folhas, como as vinhas.
Miguel Torga
10.6.07
...se eu beijasse teu gesto...
Teu gesto que arrepanha e se extasia...
Caverna em estalactites o teu gesto...