BADALADAS, 24 DE MAIO 2013
OUTROS OLHARES
PORTUGAL
VISTO PELOS ESTRANGEIROS
Nos séculos
XVIII e XIX Portugal foi destino turístico muito procurado pelos europeus em
geral e ingleses em particular. O fausto da corte de D. João V e o terrível
terramoto de 1755 atraíram os viajantes de Setecentos; os ecos da
Guerra Peninsular bem como as crescentes facilidades de transportes trouxeram
os turistas de Oitocentos. Para os ingleses acrescia a prosápia de se sentirem
senhores em protectorado político e económico - daí os seus relatos não raro
caluniosos e eivados de preconceito para com os bárbaros do sul.
Chegaram até
nós muitos registos dessas viagens, manancial de informação a ser lida com
as reservas devidas à ligeireza dos escritos, e o cuidado de cruzar dados com
outros de diferente proveniência. Se há uns anos tais testemunhos eram vistos
com desconfiança pelos historiadores, hoje parece haver lugar próprio para
eles, devido sobretudo ao estabelecimento de critérios mais rigorosos de
leitura, aliados ao confronto com outras fontes.
As
impressões de viagem são, por natureza, carregadas de subjectividade e revelam
mais sobre os autores do que sobre a realidade que descrevem. Por isso a
abordagem destas obras tende actualmente a relativizar os juízos de valor e as
apreciações pessoais e a focar-se sobre aspectos da vida quotidiana que as
fontes primárias tradicionais muitas vezes descuram.
Vistos a
esta luz, os relatos dos viajantes estrangeiros em Portugal são apaixonantes
pois nos arrastam para dentro da vida dos contemporâneos com quem privaram e
que nos surgem plenos de vida em toda a sua humanidade.
UM FORMOSO LIVRO
Ao contrário dos escritos da maioria dos ingleses que
andaram por Portugal e que cederam ao erro tão comum de generalizar a toda a
população uma impressão particular ou um acontecimento fortuito, o livro de
Lady Jackson A FORMOSA LUSITÂNIA é
um relato curiosíssimo de alguém que soube respeitar o país que visitou e que o
olhou com sensibilidade e abertura de espírito. Sem deixar de ser crítica,
soube enquadrar o que observou nas contingências de um país sem recursos e que
mal saíra de um longo período de conflitos – a Guerra Peninsular e a Guerra
Civil. Foi seu propósito expresso “combater a arrogante, desdenhosa e ignorante
opinião que os ingleses tinham de Portugal como um país atrasado, retrógrado,
inculto.”
Um dos aspectos mais atraentes da edição portuguesa,
publicada em 1878, três anos depois da primeira edição em Inglaterra, é a
tradução da autoria de Camilo Castelo Branco. O grande prosador censura alguns
deslizes e excentricidades da autora, em notas bem-humoradas, por vezes no seu
jeito sarcástico, mas reconhece e enaltece a validade e interesse da obra. A
edição de que nos servimos, de 2007, respeita integralmente a primeira,
incluindo as 21 gravuras da época, de que reproduzimos a que representa o Cais
do Sodré naquela época
Para os interessados: A FORMOSA LUSITÂNIA – Portugal em
1873, Catherine Charlotte Jackson; tradução e notas de Camilo Castelo Branco,
edição Caleidoscópio, Casal de Cambra, 2007
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UM SUECO EM PORTUGAL
Carl Israel Ruders foi capelão da Embaixada da Suécia em Lisboa entre 1798
e 1802. Durante a sua estada em Portugal, escreveu algumas dezenas de cartas
para os amigos da pátria distante, respondendo assim ao pedido que eles lhe haviam
feito para que fosse dando conta do que via por cá.
Regressado à Suécia, perante o sucesso das cartas que circulavam entre
amigos e curiosos, resolveu editá-las em livro, que logo seriam traduzidas para
alemão. O diplomata e escritor António Feijó (1859 - 1917, que foi embaixador
na Suécia) traduziu grande parte da obra do alemão para a nossa língua e
publicou-a no Diário de Notícias . A Biblioteca Nacional viria a editar essa
tradução em 1981. Na segunda edição de 2002, saiu um segundo vol. que inclui as
partes que A. Feijó havia omitido, possivelmente por razões de espaço no
jornal.
A obra de Ruders é considerada um dos melhores e mais fidedignos
testemunhos escritos por estrangeiros nas suas viagens a Portugal, ao contrário
de outros relatos manchados pela falta de rigor, pelo preconceito ou por
generalizações abusivas. Vejamos alguns excertos do seu livro VIAGEM EM
PORTUGAL – 1798-1802 (Biblioteca Nacional, Lisboa 2002)
A MULHER PORTUGUESA
«A fisionomia das
mulheres portuguesas, falando em geral, não tem aquela delicadeza, de tão
natural e perfeita inocência, de graça tão profundamente tocante, que se revela
no rosto de tantas raparigas inglesas. É mais majestosa e imponente. Mas se
este grande ar incute respeito as linhas voluptuosas da sua figura também
despertam apetites sensuais. Os seus belos e eloquentes olhos negros, onde
flameja uma labareda, que em vão elas se esforçam por esconder, os seus longos
e formosíssimos cabelos, as suas grandes sobrancelhas pretas, o seu nariz bem
talhado, os seus lábios frescos, onde paira um sorriso atraente, os seus dentes
tão brancos que parecem polidos, e a sua pele branca e rosada, hão-de produzir
sempre uma impressão lisongeira.
(…)
Este conceito, é claro, refere-se às mulheres
portuguesas tomadas em geral, quer dizer, no seu conjunto. As excepções são, de
certo, muito numerosas. Vêem-se aqui figuras de mulheres feias até à náusea, e também
não são raros, nesta grande cidade, os exemplos daquelas que se fazem notar
pelos seus vícios e maus costumes. Mas a opinião geral e o tom reinante aqui
faz destas últimas seres desprezíveis e quase sequestrados do meio social.»
[ Lisboa antiga, Feira da Ladra na Rua da Alegria ]
MAUS HÁBITOS DE
HIGIENE PÚBLICA
«Actualmente, a maior parte das ruas nunca são varridas,
e as outras muito raras vezes.
Naquelas que são varridas, o lixo é deixado em
montinhos, mas tanto tempo que se espalha de novo, antes que alguma parte dele
chegue a ser retirado; e há sempre restos consideráveis que ficam.
É, certamente, de mau gosto exibir aos olhos do meu
amigo o repugnante quadro duma rua que nunca foi limpa. E como seria esse
quadro sabendo-se que, sem a menor infracção, pelas janelas — das melhores casas se lançam à
rua — de manhã, todas as varreduras; à hora do jantar, todos os restos; e à
noite toda a outra imundície acumulada!
Existem, aqui, algumas pretas, que, de tempos a
tempos, se empregam no mesmo serviço de transporte dos despejos das casas, como
certas mulheres em Estocolmo.
Mas, como são em pequeno número, não fazem uma
centésima parte daquilo que era preciso. O lixo que não é retirado por essa
forma vai aumentar a imundície das ruas, e lá fica até que os transeuntes o
levem na roupa, em forma de poeira ou de lama, para outras casas.»