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UMA AVENTURA NO ORIENTE
A LORCHA* MACAU
(*lorcha: embarcação com
casco ocidental e velame oriental)
Vive em Torres Vedras um
antigo comandante da Marinha de Guerra Portuguesa que prestou serviço em Macau
há uns vinte e tal anos. Em conversa casual contou-nos episódios muito
interessantes da sua estada naquele território. Chega a ser comovente o relato
das missões de diplomacia cultural que levou a cabo através da "lorcha
Macau". Esta pequena embarcação – pouco maior que uma traineira - navegou
durante três anos nos mares do Oriente, levando a presença de Portugal a vários
portos do Japão, Malaca e Índia (Goa, Damão, Bombaim...).O mais curioso é que
essas viagens eram requeridas e acolhidas com entusiasmo pelas autoridades e
populações locais que viam neste barco português uma evocação histórica dum
passado que não renegam e que gostam de transmitir aos mais jovens. O
Comandante Rui Sá Leal – é dele que falamos - lamenta a indiferença das
autoridades portuguesas que pouco fazem para responder às solicitações dos
povos orientais que não esquecem a presença dos portugueses. Claro que houve D.
Francisco de Almeida e Afonso de Albuquerque - com acções devastadoras para
imporem a presença portuguesa - e isso também não esquecem. Mas no deve/haver
da História guardam pelos portugueses um sentimento especial. «Se lhes
perguntarmos "porquê", respondem que os que vieram depois dos
portugueses eram muito piores. Os holandeses... os ingleses...» - comenta o
nosso Comandante, já aposentado, que nos mostra fotos e outras recordações de
um tempo luminoso.
PORTUGUESES, OS
PRIMEIROS OCIDENTAIS NO JAPÃO
Foi em 1543 que os
portugueses chegaram ao Japão, faz agora 470 anos. Não ligamos muito a isso mas
os japoneses não esquecem. Todos os anos fazem uma festa em Tanegashima, uma
cidade do sul que se enche de milhares de visitantes. Chamam-lhe o Festival da Espingarda. Aí se recorda o
primeiro contacto dos japonese com uma arma de fogo, facto que Fernão Mendes
Pinto relata no célebre livro
«Peregrinação» (1614).
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PRIMEIROS TIROS NO
JAPÃO
Fernão Mendes
Pinto, na Peregrinação, conta como o seu companheiro, Diogo Zeimoto, fez
uma demonstração de tiro que espantou o chefe japonês (nautaquim):
«O Zeimoto, vendo-os tão pasmados e o
nautaquim tão contente, fez perante eles três tiros em que matou um milhano e
duas rolas; e, por não gastar palavras no encarecimento deste negócio e por
escusar de contar tudo o que se passou nele, porque é cousa para se não crer,
não direi mais, senão que o nautaquim levou o Zeimoto nas ancas de um quartau
em que ia, acompanhado de muita gente e quatro porteiros com bastões forrados
nas mãos, os quais, bradando ao povo, que neste tempo era sem conto, deziam:
—
O nautaquim,
príncipe desta ilha Tanixumá, e senhor de nossas cabeças, manda e quer que
todos vós outros, e assi os mais que habitam a terra dantre ambos mares, honrem
e venerem este chenchigogim (nome dado aos portugueses) do cabo do mundo,
porque, de hoje para diante, o faz seu parente, sô pena de perder a cabeça o
que isto não fizer de boa vontade.» (Peregrinação,
cap. CXXXIV)
. . . . . . . . . . . .
A «PEREGRINAÇÃO»
DE FERNÃO MENDES PINTO
«Além dos roteiros e itinerários, cujo valor é sobretudo documental,
oferece-nos
o século XVI uma narrativa de viagens, de feição muito
diferente: a Peregrinação
de
Fernão Mendes Pinto, obra em que o autor nos dá conta da sua vida de
extraordinárias aventuras pelos mares e terras do fabuloso Oriente.
Nascido em Montemor-o-Velho, cerca do ano 1510, Fernão Mendes Pinto
veio muito cedo para Lisboa, servindo vários amos, até que, em 1537, consegue,
após várias tentativas malogradas, embarcar para a índia. Percorre os mares e
terras do Oriente, onde é protagonista das mais fantásticas peripécias durante
vinte e um anos, no decurso dos quais foi treze vezes cativo e dezassete
vendido como escravo. O seu temperamento aventureiro
adapta-se
a todas as situações: é comerciante, mas
transforma-se, quando necessário, em pirata; é soldado e marinheiro, mas também
embaixador; de repente, vemo-lo entrar como noviço para a Companhia de Jesus
impressionado com a vida de S. Francisco Xavier, a
quem entrega uma grande soma para as suas missões no Japão, mas não chega a
receber os votos definitivos e de novo se lança na aventura, ganhando e
perdendo sucessivamente grandes fortunas. Com dois companheiros, Diogo Zei-moto
e Simão Borralho, é dos primeiros Portugueses que chegam ao Japão, e aí ocorre
o famoso episódio das espingardas, que adiante se transcreve.
Finalmente, em 1558, cansado da vida aventurosa e
violenta, regressa pobre a Portugal, e fixa-se em Almada, onde casou e veio a morrer
em 1583. Aí escreve o seu empolgante e humaníssimo livro, obra ímpar na nossa
literatura, só editado trinta e um anos após a sua morte, facto que talvez
explique certas negligências formais na sua contextura, aliás servida por um
estilo rico de colorido e pitoresco.»
(Selecta Literária, Didáctica Editora, Lisboa, 1969)