LEITURAS DE VERÃO
REDESCOBRIR A CIÊNCIA
Para muitos de nós a Ciência é um território interdito: os progressos da investigação ao longo do século XX criaram uma barreira quase intransponível para o vulgar cidadão. Por isso nunca foi tão grande a distância entre o saber comum e o saber científico.
E no entanto a Ciência, com a tecnologia que nela se baseia, é a base da vida actual. Novos materiais, recursos médicos, electrotecnia, informática, produtos alimentares, genética… - são inúmeras as aplicações das descobertas científicas que acontecem todos os dias e de que raramente temos conhecimento. Neste campo fazemos a figura do indígena do filme “Os Deuses Devem Estar Loucos”.
Muitas vezes desejei encontrar um guia de viagem que me permitisse aventurar no país da Ciência, sem me perder e evitando becos e atalhos inúteis, ciente de que os meus estudos de há quarenta anos estavam mais que antiquados. É certo que em tempos descobri os maravilhosos livros de divulgação científica das Publicações Gradiva, de que Carl Sagan com “Os Dragões do Eden” ou “Cosmos” são exemplos brilhantes. Mas faltava-me um livro-síntese dos saberes. Uma obra cientificamente rigorosa, bem fundamentada, actual e que resumisse o percurso de cada ramo da Ciência; e que, simultaneamente, tivesse linguagem acessível à minha condição de leigo nas matérias. Esse livro, felizmente, existe. Encontrei-o há meia dúzia de anos e encheu-me as medidas.
Chama-se “Breve História de Quase Tudo”, da autoria de Bill Bryson, editado pela Quetzal Editores em 2004 e distinguido com o Prémio Aventis 2004 para melhor obra de divulgação científica (atribuído anualmente pela Real Sociedade das Ciências de Inglaterra).
Não se trata de um pesado tijolo de papel, repleto de dados e equações, esquemas e enumerações sem fim. Pelo contrário: é uma abordagem muito inteligente da Ciência, recorrendo a exemplos sugestivos e não descurando o humor. Para os mais exigentes não falta, no final, uma boa Bibliografia e um Índice Remissivo.
Agosto vai alto e pode ser uma boa altura para pôr em dia as leituras atrasadas. Ou para variar, indo ao encontro de outros saberes e experiências. Bill Bryson é um mestre da boa divulgação científica e lê-lo não é perder tempo.
A partir deste primeiro livro, fui em busca de outros do autor, na mesma editora. Continuei encantado: trata-se de relatos de viagem, muito bem escritos, cheios de humor e perspicácia, juntando informações pertinentes da História, Geografia ou Antropologia dos lugares visitados. Deliciei-me com “Made in América”, e “Crónicas de uma Pequena Ilha”. Faltam-me mais três que deixo ao leitor o cuidado de descobrir, caso tenha ficado curioso com estas despretensiosas sugestões de leituras de Verão. | JMD
....................................................................................................
DO LIVRO “BREVE HISTÓRIA DE QUASE TUDO”
«Hoje em dia, os astrónomos podem fazer coisas inacreditáveis. Por exemplo, se alguém acendesse um fósforo na Lua, eles seriam capazes de distinguir a chama. A partir da mais pequena pulsação ou oscilação de astros distantes conseguem deduzir o tamanho, a natureza e até a potencial habitabilidade de planetas demasiado longínquos para serem visíveis por nós. Planetas tão distantes, que precisaríamos de meio milhão de anos de viagem em nave espacial para lá chegar. Com os seus radiotelescópios conseguem capturar ondas de radiação tão incrivelmente ténues que o total de energia recolhida do exterior do sistema solar, desde que essa recolha foi iniciada (eml951), é, nas palavras de Carl Sagan, "inferior à energia de um simples floco de neve a bater no solo".
Resumindo, não há quase nada no universo que os astrónomos não consigam detectar quando resolvem fazê-lo. Daí que pareça inacreditável que só em 1978 se tenha descoberto que Plutão tem uma lua.»
Outro exemplo do estilo de escrita do autor encontramo-lo no texto em que trata do átomo, essa partícula invisível a olho nu e que é a base da matéria:
«Meio milhão de átomos, lado a lado, poderiam esconder-se por trás de um cabelo humano (…) se quisesse ver a olho nu uma paramécia a nadar numa gota de água, teria de aumentar a gota até esta ter 12 metros de largura. No entanto, se quisesse ver os átomos na mesma gota, teria de a aumentar até ela ter 24 quilómetros de largura».
....................................................................................................
CIÊNCIA E POESIA
António Gedeão (1906 - 1997 ) foi poeta mas também divulgador de Ciência. A sua escrita e o seu magistério docente mostraram a unidade fundamental do Homem, provando que entre a emoção poética e o rigor científico não há oposição mas complementaridade.
Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.
Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.
Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.
Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.
Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:
Nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.
Gota de Água
Eu, quando choro,
não choro eu.
Chora aquilo que nos homens
em todo o tempo sofreu.
As lágrimas são as minhas
mas o choro não é meu.
Eu, quando choro,
não choro eu.
Chora aquilo que nos homens
em todo o tempo sofreu.
As lágrimas são as minhas
mas o choro não é meu.
Amostra sem valor
Eu sei que o meu desespero não interessa a ninguém.
Cada um tem o seu, pessoal e intransmissível:
com ele se entretém
e se julga intangível.
Eu sei que a Humanidade é mais gente do que eu,
sei que o Mundo é maior do que o bairro onde habito,
que o respirar de um só, mesmo que seja o meu,
não pesa num total que tende para infinito.
Eu sei que as dimensões impiedosos da Vida
ignoram todo o homem, dissolvem-no, e, contudo,
nesta insignificância, gratuita e desvalida,
Universo sou eu, com nebulosas e tudo.
Eu sei que o meu desespero não interessa a ninguém.
Cada um tem o seu, pessoal e intransmissível:
com ele se entretém
e se julga intangível.
Eu sei que a Humanidade é mais gente do que eu,
sei que o Mundo é maior do que o bairro onde habito,
que o respirar de um só, mesmo que seja o meu,
não pesa num total que tende para infinito.
Eu sei que as dimensões impiedosos da Vida
ignoram todo o homem, dissolvem-no, e, contudo,
nesta insignificância, gratuita e desvalida,
Universo sou eu, com nebulosas e tudo.
................................................................................................
Página dedicada ao meu filho João Daniel, que faz hoje 29 anos e escolheu a Ciência como lugar e realização de vida.