Ginjal e Lisboa

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07 novembro, 2016

Que ninguém chame pelo teu nome




Na noite silenciosa, na beira do rio, junto à rebentação do mar, no lugar mais secreto dos meus pensamentos, em todos os lugares, eu escondo que é pelo teu nome que eu chamo.

Escondo de mim que quero que me venhas visitar, que me tragas secretas palavras, que me tragas poemas desconhecidos, que me ensines uma gramática inventada, que me contes de sereias, de deuses, de grutas, de montanhas, de guerras longínquas, de amores loucos. Escondo, escondo, silencio. 

Mas se queres saber, escuta. Escuta o que sempre esconderei de ti: quero esquecer o teu nome, quero adormecer dentro de mim o chamamento do teu nome, quero esquecer que me trazes presa a ti, a ti que não sei quem és.

Mas não te importes com os meus medos. Vem na mesma. Traz de longe as palavras que me encantam e embalam nos seus intangíveis abraços. Mas que mais ninguém saiba porque só tu e eu podemos saber como as palavras podem tecer estas invisíveis teias que me prendem ao teu nome, a ti, ao que de ti invento. 


No sítio mais fundo
do teu nome
fala o que não se pode dizer.

Que ninguém chame pelo teu nome,
que ninguém acorde
o teu nome que dorme.

Porque é o nome do homem
e o do menino,
o da vítima e o do assassino.

[A Eugénio de Andrade de Manuel António Pina in 'Aproximações a Eugénio de Andrade']

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Tommaso Vitali  - Chaconne

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09 março, 2016

A oriente do teu sangue



Como dizer, anjo selvagem, que te quero longe de mim, que o incêndio que lavra no teu peito me enche de medo? 

Como dizer, anjo de negras asas, que a tua língua de homem perdido traça labirintos loucos na minha noite?

Como dizer, anjo terrível, que o sangue perverso que corre nas tuas veias me adoece, me envenena?
E como dizer que a noite macia que me envolve não basta para me proteger do teu canto tão acre, tão, tão perigoso?
E como dizer, anjo louco, que a tua insolência solta disparos de fogo que ateiam a minha intranquilidade?
Ah, como dizer, anjo sem nome, que mergulho no rio, me deixo levar pela aragem doce e azul, me afasto da costa segura, tudo, tudo, apenas para me proteger de ti, madrugador intranquilo que te confundes com as palavras loucas que atiras pelos ares?


como dizer aos meus olhos que se afastem
do incêndio que lavra a oriente do teu sangue
rasgando a minha fonte

e me protejam nesta imperfeita madrugada
em que as línguas dos homens e dos anjos
se confundem

[Poema 2 de 'Pelas mãos e pelos olhos eu juro' de Alice Vieira in 'Dois corpos tombando na água]

13 maio, 2014

Sítios que me fazem lembrar memórias inventadas, desfia o talentoso José Valente. De que sombra dos sons se faz a rosa? da matéria das sombras? de nenhuma? de que fosco murmúrio, cristal, bruma? de que espirais da noite vagorosa?, responde, perguntando, Vasco Graça Moura




e outro silêncio enquanto o som repousa:
desfez-se o rebordo numa espuma.
de que sombra dos sons se faz a rosa?
da matéria das sombras? de nenhuma?

de que fosco murmúrio, cristal, bruma?
de que espirais da noite vagorosa?
do coração desfeito? ou não costuma
a luz gravar-se em sombras numa lousa?

coração rouco, o coração. falhada,
a voz vinda do vento se desate
num ramo de penumbras, descontínuo

o mundo passe a ser feito de nada,
só de efémeras rosas a rebate,
como gritos de sangue no destino.




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  • O poema é 'a rosa, timbres' de Vasco Graça Moura in 'Poesia Reunida'

  • O vídeo mostra José Valente e  os 'Sitios que me fazem lembrar memórias inventadas' no TEDxCoimbra