Dizes que não sei a importância que tenho para ti e ouço-o como um lamento. Contas-me que me comparas com outras mulheres.
Procuras-me, pois, noutras mulheres.
Procuras-me, pois, noutras mulheres.
Quem te veja dirá, contudo, que olhas para todas as mulheres. Vêem-se absorto, talvez até com um sorriso, e pensarão que queres seduzi-las, conquistador, caçador de mulheres. Mas não. Tu dizes-me que não e eu sei que não. Procuras nas outras aquela que um dia tiveste para ti.
Dizes que dissecas com cuidada precisão o cabelo, os olhos, a boca, a expressão, o sorriso, a cor, a luz - as mulheres que vês na televisão, nos cartazes na rua, nas que se sentam à tua frente. Em todas tentas descobrir um pouco de mim, dizes. E eu acredito porque sei que comigo falas sempre verdade.
Lembrar-te-ás, talvez, do sorriso que sorrias para mim e que eu retribuía com outro sorriso, lembrar-te-ás da aura que o sol - que entrava pela janela quase fechada - deixava em nós, lembrar-te-ás, talvez, do afecto desmedido, exultante, sequioso, do desejo que nunca mais experimentaste, do amor que, imprevistamente, encontraste.
Dizes que os teus ímpetos se extinguiram, que não mais voltaste a sentir o esplendor que, nesses tempos, dourava os teus dias.
Dizes que os teus ímpetos se extinguiram, que não mais voltaste a sentir o esplendor que, nesses tempos, dourava os teus dias.
Mas isso foi num outrora incerto e distante. Agora eu estou longe, sou apenas uma recordação, sou uma luz que se apagou e que existe apenas no sangue que escorre do teu coração.
Ou sou talvez apenas um sonho que um dia tiveste, apenas isso. Talvez.
[Abaixo da mulher que olha com coquetterie quem passa, um poema de José Bento, poeta de quem muito gosto. Logo a seguir mais um momento feliz. Mozart une, no piano, Filipe Melo e Luiza Dedisin]
Em Cacilhas |
Já vi esta cabeça, esqueci onde e quando:
foi num outrora incerto, mas ainda cálido, frementes;
depois era uma outra, e a mesma sempre
no seu perene esplendor e poderio
a chamar-me com sua aura, a arrastar-me consigo,
exultante e sequioso, áspero e rendido,
a ser desmedida e canto e suplicante cifra
do que desejo mais e nunca saberei
se um dia a encontrei, se agora a encontro:
lodoso manancial de ímpeto e sangue, luz total.
['Cabeça' de José Bento in Sítios]
&
Regressas
sem nunca ter chegado,
sem nunca teres partido,
sonhando sempre
novas distâncias.
Fui eu, eu só,
que desenhei
em mim,
todos os teus caminhos!
['Ou talvez , quem sabe...' poema da autoria de Joaquim Castilho em comentário abaixo]