Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa
Mostrar mensagens com a etiqueta Vinicius de Moraes. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Vinicius de Moraes. Mostrar todas as mensagens

14 outubro, 2015

Tão linda que só espalha sofrimento, tão cheia de pudor que vive nua





Há dias assim, sem lua, o céu escuro, a noite cansada, as palavras que fogem para lugares inalcansáveis. Estás aí, eu sei, estás aí e talvez esperes por mim. Estás aí e eu sinto-te, perto, esperando um sinal, uma palavra perdida, escondida, invisível. Mas o céu emudeceu, o rio está envolto em negrume, as minhas mãos deslizam pelas palavras que voam com uma melancolia nova. Voam de mim, as palavras. Voam, sabes?

Abro a janela, tento que a aragem húmida me traga uma nota de música, um choro, um riso, qualquer coisa. Mas não, é silêncio o que vejo desta janela escura, um silêncio pesado. 

Olho a ausência à minha frente, o escuro, e, porque tenho vontade de voar, imagino que chegas até mim e, em segredo, me dizes:

Essa mulher, flor de melancolia
Que se ri dos meus pálidos receios
A única entre todas a quem dei
Os carinhos que nunca a outra daria.

Fecho os olhos, leio as sombras que escondes no meio da luz, recolho flores, acaricio as cores que espalhas no espaço infinito. Fecho os olhos e penso em ti. Fecho os olhos, e tu tão longe, tão longe, tão longe. Existes? Existes? Estás aí?

Sonharás, às vezes, comigo, inventarás abraços nunca dados, beijos proibidos, inventados, momentos loucos que nunca foram nossos? Dirás, como se dissesses a verdade, memórias que nunca nos pertenceram? Assim:

Essa mulher que se arremessa, fria
E lúbrica aos meus braços, e nos seios
Me arrebata e me beija e balbucia
Versos, votos de amor e nomes feios.

Lamentarás um dia ter sonhado comigo? Ou não? Tu que me conheces tão bem como se me conhecesses, dirás que sou como a lua, longínqua, nua? E que só espalho sofrimento? Dirás isso, acusando-me? Ou desculpando-me? Dizes isso só para ti? Dizes, como num lamento:

Uma mulher que é como a própria Lua:
Tão linda que só espalha sofrimento
Tão cheia de pudor que vive nua

Ah, não me respondas. Deixa-te estar em silêncio, preso à sombra do silêncio. Sabes, nada posso fazer. Gostava de, para ti ser uma estrela, gostava de encher de luz a tua vida, gostava de te transportar sobre flores e versos. Mas nada posso fazer, sou apenas uma mulher que vive nua, uma mulher feita de música, luar e sentimento.


____

O título deste post e o excerto final pertence ao poema pertencem ao Soneto do Corifeu de Vinicius de Moraes que é lido por Rafael Mendes. As outras duas estrofes pertencem ao Soneto da Devoção também de Vinicius.

As fotografias foram feitas, este fim de semana, no Ginjal.
..

22 dezembro, 2013

Por isso temos braços longos para os adeuses, mãos para colher o que foi dado, dedos para cavar a terra.


O que é essencial - mesmo que o essencial se perceba apenas entre uma fresta, por um breve momento, por um gesto, por uma palavra,por  uma imagem quase invisível. Mesmo que mais ninguém perceba.

Nem luzes, nem artifícios, nem votos de circunstância. Nem alegrias encenadas, nem subversão dos motivos originais. Apenas o silêncio. Apenas a compreensão das limitações e da transitoriedade, apenas o apreço pelo milagre da vida.

E um espaço para recordar os que se foram, os que ajudaram a ser quem somos e que, achando que já tinham comprido a sua missão, partiram.

E a vontade de agradecer os que, entretanto, chegaram e, puros e felizes, têm vindo juntar-se a todos quantos estão unidos pelo coração.

Natal. Pouco mais que isto, não é?


Presépio feito com sacos, plásticos, caixa de papelão, redes, orégãos e um Menino Jesus - numa rua de Cacilhas





Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

['Poema de Natal' de Vinicius de Moraes dito por Camila Morgado e Ricardo Blat]


17 dezembro, 2013

As muito feias que me perdoem mas beleza é fundamental



As muito feias que me perdoem
Mas beleza é fundamental. É preciso
Que haja qualquer coisa de dança, qualquer coisa de haute couture
Em tudo isso (ou então
Que a mulher se socialize elegantemente em azul, como na República [Popular Chinesa).
Não há meio-termo possível. É preciso
Qu tudo isso seja belo. É preciso que súbito
Tenha-se a impressão de ver uma garça apenas pousada e que um rosto
Adquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro minuto da [aurora.
É preciso que tudo isso seja sem ser, mas que se reflita e desabroche
No olhar dos homens. É preciso, é absolutamente preciso
Que tudo seja belo e inesperado. É preciso que umas pálpebras cerradas
Lembrem um verso de Eluard e que se acaricie nuns braços
Alguma coisa além da carne: que se os toque
Como ao âmbar de uma tarde. Ah, deixai-e dizer-vos
Que é preciso que a mulher que ali está como a corola ante o pássaro
Seja bela ou tenha pelo menos um rosto que lembre um templo e
Seja leve como um resto de nuvem: mas que seja uma nuvem
Com olhos e nádegas. Nádegas é importantíssimo. Olhos, então
Nem se fala, que olhem com certa maldade inocente. Uma boca
Fresca (nunca úmida!) e também de extrema pertinência.
É preciso que as extremidades sejam magras; que uns ossos
Despontem, sobretudo a rótula no cruzar das pernas, e as pontas pélvicas
No enlaçar de uma cintura semovente.
Gravíssimo é, porém, o problema das saboneteiras: uma mulher sem [saboneteiras
É como um rio sem pontes. Indispensável
Que haja uma hipótese de barriguinha, e em seguida
A mulher se alteie em cálice, e que seus seios
Sejam uma expressão greco-romana, mais que gótica ou barroca
E possam iluminar o escuro com uma capacidade mínima de 5 velas.
Sobremodo pertinaz é estarem a caveira e a coluna vertebral
Levemente à mostra; e que exista um grande latifúndio dorsal!
Os membros que terminem como hastes, mas bem haja um certo volume de [coxas
E que elas sejam lisas, lisas como a pétala e cobertas de suavíssima [penugem
No entanto, sensível à carícia em sentido contrário.
É aconselhável na axila uma doce relva com aroma próprio
Apenas sensível (um mínimo de produtos farmacêuticos!)
Preferíveis sem dúvida os pescoços longos
De forma que a cabeça dê por vezes a impressão
De nada ter a ver com o corpo, e a mulher não lembre
Flores sem mistério. Pés e mãos devem conter elementos góticos
Discretos. A pele deve ser fresca nas mãos, nos braços, no dorso e na face
Mas que as concavidades e reentrâncias tenham uma temperatura nunca [inferior
A 37° centígrados podendo eventualmente provocar queimaduras
Do 1° grau. Os olhos, que sejam de preferência grandes
E de rotação pelo menos tão lenta quanto a da Terra; e
Que se coloquem sempre para lá de um invisível muro da paixão
Que é preciso ultrapassar. Que a mulher seja em princípio alta
Ou, caso baixa, que tenha a atitude mental dos altos píncaros.
Ah, que a mulher dê sempre a impressão de que, se se fechar os olhos
Ao abri-los ela não mais estará presente
Com seu sorriso e suas tramas. Que ela surja, não venha; parta, não vá
E que possua uma certa capacidade de emudecer subitamente e nos fazer [beber
O fel da dúvida. Oh, sobretudo
Que ele não perca nunca, não importa em que mundo
Não importa em que circunstâncias, a sua infinita volubilidade
De pássaro; e que acariciada no fundo de si mesma
Transforme-se em fera sem perder sua graça de ave; e que exale sempre
O impossível perfume; e destile sempre
O embriagante mel; e cante sempre o inaudível canto
Da sua combustão; e não deixe de ser nunca a eterna dançarina
Do efêmero; e em sua incalculável imperfeição
Constitua a coisa mais bela e mais perfeita de toda a criação inumerável. 

 ["Receita de Mulher" de e na voz de: Vinicius de Moraes]

01 maio, 2013

No Dia do Trabalhador, 1 de Maio de 2013, O Operário em Construção e Trova do Vento que Passa - Vinicius de Moraes e Manuel Alegre




"Operário em Construção" de Vinicius de Moraes. 
Música "Sonata ao Luar" de Beethoven. 
Narração de Diego Gonçalves. Algumas das fotos são de Sebastião Salgado


Era ele que erguia casas 
Onde antes só havia chão. 
Como um pássaro sem asas 
Ele subia com as casas 
Que lhe brotavam da mão. 
Mas tudo desconhecia 
De sua grande missão: 
Não sabia, por exemplo 
Que a casa de um homem é um templo 
Um templo sem religião 
Como tampouco sabia 
Que a casa que ele fazia 
Sendo a sua liberdade 
Era a sua escravidão. 


De fato, como podia 

Um operário em construção 
Compreender por que um tijolo 
Valia mais do que um pão? 
Tijolos ele empilhava 
Com pá, cimento e esquadria 
Quanto ao pão, ele o comia... 
Mas fosse comer tijolo! 
E assim o operário ia 
Com suor e com cimento 
Erguendo uma casa aqui 
Adiante um apartamento 
Além uma igreja, à frente 
Um quartel e uma prisão: 
Prisão de que sofreria 
Não fosse, eventualmente 
Um operário em construção. 


Mas ele desconhecia 

Esse fato extraordinário: 
Que o operário faz a coisa 
E a coisa faz o operário. 
De forma que, certo dia 
À mesa, ao cortar o pão 
O operário foi tomado 
De uma súbita emoção 
Ao constatar assombrado 
Que tudo naquela mesa 
- Garrafa, prato, facão - 
Era ele quem os fazia 
Ele, um humilde operário, 
Um operário em construção. 
Olhou em torno: gamela 
Banco, enxerga, caldeirão 
Vidro, parede, janela 
Casa, cidade, nação! 
Tudo, tudo o que existia 
Era ele quem o fazia 
Ele, um humilde operário 
Um operário que sabia 
Exercer a profissão. 


Ah, homens de pensamento 

Não sabereis nunca o quanto 
Aquele humilde operário 
Soube naquele momento! 
Naquela casa vazia 
Que ele mesmo levantara 
Um mundo novo nascia 
De que sequer suspeitava. 
O operário emocionado 
Olhou sua própria mão 
Sua rude mão de operário 
De operário em construção 
E olhando bem para ela 
Teve um segundo a impressão 
De que não havia no mundo 
Coisa que fosse mais bela. 


Foi dentro da compreensão 

Desse instante solitário 
Que, tal sua construção 
Cresceu também o operário. 
Cresceu em alto e profundo 
Em largo e no coração 
E como tudo que cresce 
Ele não cresceu em vão 
Pois além do que sabia 
- Exercer a profissão - 
O operário adquiriu 
Uma nova dimensão: 
A dimensão da poesia. 


E um fato novo se viu 

Que a todos admirava: 
O que o operário dizia 
Outro operário escutava. 


E foi assim que o operário 

Do edifício em construção 
Que sempre dizia sim 
Começou a dizer não. 
E aprendeu a notar coisas 
A que não dava atenção: 


Notou que sua marmita 

Era o prato do patrão 
Que sua cerveja preta 
Era o uísque do patrão 
Que seu macacão de zuarte 
Era o terno do patrão 
Que o casebre onde morava 
Era a mansão do patrão 
Que seus dois pés andarilhos 
Eram as rodas do patrão 
Que a dureza do seu dia 
Era a noite do patrão 
Que sua imensa fadiga 
Era amiga do patrão. 


E o operário disse: Não! 

E o operário fez-se forte 
Na sua resolução. 


Como era de se esperar 

As bocas da delação 
Começaram a dizer coisas 
Aos ouvidos do patrão. 
Mas o patrão não queria 
Nenhuma preocupação 
- "Convençam-no" do contrário - 
Disse ele sobre o operário 
E ao dizer isso sorria. 


Dia seguinte, o operário 

Ao sair da construção 
Viu-se súbito cercado 
Dos homens da delação 
E sofreu, por destinado 
Sua primeira agressão. 
Teve seu rosto cuspido 
Teve seu braço quebrado 
Mas quando foi perguntado 
O operário disse: Não! 


Em vão sofrera o operário 

Sua primeira agressão 
Muitas outras se seguiram 
Muitas outras seguirão. 
Porém, por imprescindível 
Ao edifício em construção 
Seu trabalho prosseguia 
E todo o seu sofrimento 
Misturava-se ao cimento 
Da construção que crescia. 


Sentindo que a violência 

Não dobraria o operário 
Um dia tentou o patrão 
Dobrá-lo de modo vário. 
De sorte que o foi levando 
Ao alto da construção 
E num momento de tempo 
Mostrou-lhe toda a região 
E apontando-a ao operário 
Fez-lhe esta declaração: 
- Dar-te-ei todo esse poder 
E a sua satisfação 
Porque a mim me foi entregue 
E dou-o a quem bem quiser. 
Dou-te tempo de lazer 
Dou-te tempo de mulher. 
Portanto, tudo o que vês 
Será teu se me adorares 
E, ainda mais, se abandonares 
O que te faz dizer não. 


Disse, e fitou o operário 

Que olhava e que refletia 
Mas o que via o operário 
O patrão nunca veria. 
O operário via as casas 
E dentro das estruturas 
Via coisas, objetos 
Produtos, manufaturas. 
Via tudo o que fazia 
O lucro do seu patrão 
E em cada coisa que via 
Misteriosamente havia 
A marca de sua mão. 
E o operário disse: Não! 


- Loucura! - gritou o patrão 

Não vês o que te dou eu? 
- Mentira! - disse o operário 
Não podes dar-me o que é meu. 


E um grande silêncio fez-se 

Dentro do seu coração 
Um silêncio de martírios 
Um silêncio de prisão. 
Um silêncio povoado 
De pedidos de perdão 
Um silêncio apavorado 
Com o medo em solidão. 


Um silêncio de torturas 

E gritos de maldição 
Um silêncio de fraturas 
A se arrastarem no chão. 
E o operário ouviu a voz 
De todos os seus irmãos 
Os seus irmãos que morreram 
Por outros que viverão. 
Uma esperança sincera 
Cresceu no seu coração 
E dentro da tarde mansa 
Agigantou-se a razão 
De um homem pobre e esquecido 
Razão porém que fizera 
Em operário construído 
O operário em construção.




Trova do Vento que Passa, letra de Manuel Alegre

(interpretado por Vitorino e outros, cujo nome desconheço, na aCapella em Coimbra)


Trova do vento que passa
 Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.


Pergunto aos rios que levam

tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.


Levam sonhos deixam mágoas

ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.


Se o verde trevo desfolhas

pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.


Pergunto à gente que passa

por que vai de olhos no chão.
Silêncio -- é tudo o que tem
quem vive na servidão.


Vi florir os verdes ramos

direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.


E o vento não me diz nada

ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.


Vi minha pátria na margem

dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.


Vi navios a partir

(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).


Há quem te queira ignorada

e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.


E o vento não me diz nada

só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.


Ninguém diz nada de novo

se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.


E a noite cresce por dentro

dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.


Quatro folhas tem o trevo

liberdade quatro sílabas.
Não sabem ler é verdade
aqueles pra quem eu escrevo.



02 outubro, 2011

De repente do riso fez-se pranto, de repente, não mais que de repente [... It's The Blues Week, ladies and gentlemen]


Como dizer-te, meu amor, o meu espanto, a dor que calo no meu peito?

Como dizer-te dos silêncios que habitam o meu coração, como dizer-te do vazio das minhas mãos?

Como dizer-te, amor ausente, da solidão, da tristeza, como dizer-te?

Ríamos, beijavamo-nos, abraçavamo-nos, estavamos apaixonados e a vida era isso e isso bastava, eramos felizes, cada dia era o mundo inteiro, cada olhar era um momento infinito, cada sorriso era um profundo afago na alma.

São palavras, só palavras, e só quem viveu tão intenso e urgente amor, o poderá perceber.

Só quem um dia, tendo tido a vida toda em cada pequeno instante, poderá perceber o vazio sem remissão que fica depois da separação. De repente, não mais que de repente. A tristeza da separação.



[Feeling blue? So am I. So, please, let´s go to Ms Bessie Smith show, she's singing the Blues. A seguir ao Mestre Vinicius, temos Música no Ginjal - esta semana é a semana dedicada a Blues. Imperdível]


De frente para Lisboa, a Bela, rente ao Tejo - a solidão, a visível ausência


                               De repente do riso fez-se o pranto
                               silencioso e branco como a bruma
                               E das bocas unidas fez-se a espuma
                               e das mãos espalmadas fez-se o espanto.

                               De repente da calma fez-se o vento
                               que dos olhos desfez a última chama
                               e da paixão fez-se o pressentimento
                               e do momento imóvel fez-se o drama.

                               De repente não mais que de repente
                               fez-se de triste o que se fez amante
                               e de sozinho o que se fez contente

                               Fez-se do amigo próximo, distante
                               fez-se da vida uma aventura errante
                               de repente, não mais que de repente.


 ('Soneto de separação' de Vinicius de Moraes in '366 poemas que falam de amor')

09 setembro, 2011

Rodrigo da Costa Félix interpreta o Soneto da Fidelidade (de Vinícius de Moraes/Mário Pacheco)

Há coisas surpreendentes: quem diria que um poema de Vinicius de Moraes poderia transformar-se numa belíssima letra de um fado?

Rodrigo da Costa Félix uma das novíssimas vozes do fado aqui reinventando as palavras de Mestre Vinicius esse grande especialista em amor, em mulheres.


De tudo, meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor ( que tive ) :
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.


(Letra de 'Soneto da Fidelidade' da autoria de Vinicius de Moraes)

14 agosto, 2011

João Gilberto e Caetano Veloso interpretam Garota de Ipanema

Em tempos de calor e de praia, uma canção intemporal, uma canção património da humanidade: Garota de Ipanema, composta por dois mestres, Tom Jobim e Vinicius de Morais.

Aqui a Garota de Ipanema desliza por conta de outros dois mestres: João Gilberto e Caetano Veloso.

Saravá!



Olha que coisa mais linda
Mais cheia de graça
É ela menina
Que vem e que passa
No doce balanço, a caminho do mar

Moça do corpo dourado
Do sol de Ipanema
O seu balançado é mais que um poema
É a coisa mais linda que eu já vi passar

Ah, porque estou tão sozinho
Ah, porque tudo é tão triste
Ah, a beleza que existe
A beleza que não é só minha
Que também passa sozinha

Ah, se ela soubesse
Que quando ela passa
O mundo inteirinho se enche de graça
E fica mais lindo
Por causa do amor


(Letra de 'Garota de Ipanema', composição de Antônio Carlos Jobim / Viní­cius de Moraes)

06 fevereiro, 2011

Amo-te tanto, meu amor, amo-te como amiga e como amante

Penso em ti enquanto te espero e, de cada vez que te ausentas, eu choro mas, de cada vez que voltas, o estar perto de ti apaga o que a tua ausência me causou.

E em cada despedida eu vou amar-te, com um amor calmo, revestido de saudade.

Amo-te com liberdade, a cada instante, muito e amiúde - e não quero falar em eternidade, prefiro falar em imaterialidade porque é uma realidade intangível que existe apenas para nós dois. 

(Casal de namorados junto ao Farol de Cacilhas, o Tejo aos pés, Lisboa a abençoar o amor)

Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade

Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente,
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim muito e amiúde,
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

(Soneto do amor total de Vinicius de Moraes)

Eu Sei Que Vou Te Amar on Banjo por Tom Jobim

Hoje ouvi tantas pessoas a falarem brasileiro que este e o post seguinte lhes serão dedicados.

Aqui um clássico, composição de dois mestres. Interpretação sentida e inesquecível.


Eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida eu vou te amar
Em cada despedida eu vou te amar
Desesperadamente, eu sei que vou te amar
E cada verso meu será
Prá te dizer que eu sei que vou te amar
Por toda minha vida
Eu sei que vou chorar
A cada ausência tua eu vou chorar
Mas cada volta tua há de apagar
O que esta ausência tua me causou
Eu sei que vou sofrer a eterna desventura de viver
A espera de viver ao lado teu
Por toda a minha vida

(Letra de E sei que vou-te amar, composição de Tom Jobim e Vinicius de Moraes)