Ginjal e Lisboa

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09 março, 2016

A oriente do teu sangue



Como dizer, anjo selvagem, que te quero longe de mim, que o incêndio que lavra no teu peito me enche de medo? 

Como dizer, anjo de negras asas, que a tua língua de homem perdido traça labirintos loucos na minha noite?

Como dizer, anjo terrível, que o sangue perverso que corre nas tuas veias me adoece, me envenena?
E como dizer que a noite macia que me envolve não basta para me proteger do teu canto tão acre, tão, tão perigoso?
E como dizer, anjo louco, que a tua insolência solta disparos de fogo que ateiam a minha intranquilidade?
Ah, como dizer, anjo sem nome, que mergulho no rio, me deixo levar pela aragem doce e azul, me afasto da costa segura, tudo, tudo, apenas para me proteger de ti, madrugador intranquilo que te confundes com as palavras loucas que atiras pelos ares?


como dizer aos meus olhos que se afastem
do incêndio que lavra a oriente do teu sangue
rasgando a minha fonte

e me protejam nesta imperfeita madrugada
em que as línguas dos homens e dos anjos
se confundem

[Poema 2 de 'Pelas mãos e pelos olhos eu juro' de Alice Vieira in 'Dois corpos tombando na água]

21 dezembro, 2015

Ah, eu sei agora que é magia





Olhou-me nos olhos como se me inquirisse. Dócil, eu, aproximei-me, devagar. Continuou a olhar-me. Baixei-me, tentei perceber. Olhava-me como se me quisesse dominar, como se me quisesse fazer sentir que tinha que ser eu a ceder. E eu ali, em silêncio, disposta a todos os olhares.

Então desviou os olhos. Olhei-o bem de frente, eu já quase de joelhos, que me olhasse, bchhh, bchhh, bichinho, bchhh, bchhhh, bichinho lindo... Nada. Olha, olha para mim, bchhh, olha, bichinho, bchhhh. Nada.

Não insisti. Tenho o meu orgulho. Não queres, não queiras. 

Mais à frente ainda pensei voltar-me para trás, ver se me seguia, se queria, afinal, a minha companhia. Mas não o fiz. Orgulho, esse grande inimigo dos acasos. Segui o meu caminho.

Dia de gaivotas pensando na vida, contemplando o mundo, dia de gatos sob as árvores, trepando aos muros, deslizando entre sombras. Dia de veleiros brancos, vermelhos, deslizando no azul, entre árvores. Dia de deslumbramentos.


E eu vou caminhando. A terra está macia, a relva está verde, o rio corre azul, o céu abre-se para receber aqueles que querem sentir a serenidade das nuvens que correm devagar ou dos amantes que se abraçam rente às águas, abençoados por quem passa.

Não sei ainda onde me levam os meus passos. Não sei como vim aqui parar. Não sou daqui. Que raízes são estas que se estendem até ao mar? Que asas são estas que se levantam para me levar a voar? Que amor é este que sinto por tudo? 
Pelas palavras, pelas águas, pelos céus, pelos pássaros, pelos barcos, pelos gatos, pelas paredes, pelos olhares recordados, pelos sorrisos imaginados, por quem o meu coração bate, por quem o meu coração aconchega. 
Um amor assim não tem explicação. Parece ilimitado, parece intemporal. E é inocente, alegre, livre. 

E eu caminho, sem explicações, como se fosse uma gata, uma gata deslizando sobre o azul, como se me nascessem asas, como se pudesse ir para o alto, para lá de onde se vêem as belas cidades, os pequenos homens, para lá onde as angústias perdem o motivo, onde os medos são injustificados, lá onde as saudades aumentam, aumentam tanto, lá onde me sinto tão longe, tão perto, tão livre, tão ilimitada, tão tua.

Não sei explicar, não sei mesmo. Mas dizem-me que é  magia, que é imagiação a explicação -- e eu acredito porque é bom acreditar no que não tem explicação.


Ah, eu sei agora que é magia,
que é imagiação a explicação
disto de estar aqui e não ali,
de vir aqui parar,
de vir aqui andar
e ter um chão onde os meus passos
de gazela insegura
se aventuram no escuro.
Eu sei agora algumas coisas
que explicam o que nada poderia explicar,
e o que não sei ainda
irei imaginá-lo numa não sei que paz
que é imagiação.

....

Fiz as fotografias este fim-de-semana no Ginjal.
O poema é 'Ela', poema 33, de Um Teatro às Escuras de Pedro Tamen.
Barenboim interpreta de Bach: Goldberg Variations - Aria
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28 março, 2013

17 novembro, 2011

MÚSICA NO GINJAL - Variações Goldberg




GLENN GOULD



Bach  (Die Goldberg Variationen) Ária e Cânones 


No fim do séc XVII a música estaria a deixar de ser mero vestígio de uma antiguidade primária, mais ou menos simplista; para tal vai contribuir decisivamente a inventividade e acção de Johann Sebastian Bach (Ioan Zêbásstian Bakh), o pai da música moderna, o maior dos compositores místicos, o formalizador do contraponto e da 'fuga', o autor de incontáveis obras de génio em que se contam as suas 224 cantatas, das quais apenas 44 seculares mas todas belíssimas. A obra de Bach é muito vasta e variada mas dela é indispensável conhecer a série 'O cravo bem temperado' (Das wohltemperierte Klavier) e as 'Variações Goldberg' (Die Goldberg Variationen) - está lá tudo!
Glenn Gould manteve uma relação com o piano e desenvolveu uma forma de tocar de tal maneira próprias que não encontro maneira de o descrever em poucas linhas - é um virtuoso.