Ah os teus olhos que me tentam, me desafiam, me desequilibram, ah os teus olhos nus, impúdicos, maliciosos. Sorris com ar de quem me está a imaginar nua, de quem sabe, de antemão, que me vou desnudar para ti. Malandro. Convencido. Olhas-me e derrubas-me com o teu olhar vadio, arriscas, ah se arriscas.
Arriscas tanto. Olha se eu me viro a ti... Quem te diz que o não farei? Sabes lá se não te vou arranhar todo?
Mas arriscas, gostas de arriscar, a tua carne gosta de me tentar.
Passas a língua indecente ao de leve pelos lábios, e olhas-me lentamente, e não sei se sabes que eu tenho tanta dificuldade em resistir a tentações... Espreitas-me o decote e nem disfarças, espreitas-me as pernas e queres que eu veja que me espreitas, guloso, olhos gulosos, lábios gulosos e vejo que o teu corpo todo se levanta para me desafiares ainda melhor. Que descarado, que descarado.
E eu, pobre gata, inocente gata, ingénua, inocente, coquette, olho-te com olhos de menina. E finjo que sou uma menina assustada, uma gatinha inexperiente, temerosa, e finjo que não quero que te aproximes, e deixo que me olhes como se tivesses que vencer o meu pudor. Eu, gatinha, faço de conta que receio esses impúdicos avanços, gatinha de olhos límpidos e virgens. Mas deixo que te aproximes, deixo que me espreites, que me tentes. Deixo, deixo, tu sabes que deixo, mas sabes que eu gosto que me tentes, malandro, vadio.
Ah o que eu gosto de uma boa tentação... Sou uma gata vadia, sabes.
[Abaixo da gata do Ginjal, uma nova Poetisa: Marta Chaves. Boas descobertas as que me estão a aparecer debaixo destes Telhados de Vidro. A seguir a raça de Pavel Sporcl interpretando Tchaikovsky]
Uma gatinha no Ginjal |
A tentação fita-me como um gato.
Desses que não gostamos
de ver passear nos parapeitos
num desafio de gravidade
que nos parece desnecessário e arriscado,
embora alto e corajoso.
['Guarda-Mor' de Marta Chaves in Telhados de Vidro, nº 18]