Está frio, um vento frio. A vinha virgem está em fogo mas não vem dela calor suficiente para aquecer estes dias tão frios. A luz que há no ar é azul, gélida, os tempos são de fuga, de peitos vazios, de corações deixados ao abandono. As mãos estão desoladas, caídas, o olhar fechado, ausente.
Onde o olhar alcança apenas há pó, lembranças desfeitas.
Mas, sabes velho leão dos mares?, não tarda as ruas encher-se-ão de novo e todos juntos cantaremos, unidos e levantados. Já vai sendo tempo das cidades vibrarem com a emoção dos renascimentos.
Devemos essa força ao exemplo das árvores que resistem às intempéries, que se mantêm de pé, livres, encerrando toda a força do vento, apesar da tristeza das chuvas que, por vezes, vêm chorar no seu regaço.
Ressurgiremos um dia destes, paredes em flor, corações ao alto, faces erguidas, mãos abertas, olhar lavado. Ressurgiremos. Ressurgiremos.
[Abaixo da Boca do vento, mais um belo poema de Soledade Santos e, logo a seguir, mais uma magnífica interpretação de Benjamin Schmid]
Uma parede coberta de vinha virgem na Boca do Vento (sobre o Ginjal, com Lisboa do lado de lá) |
Sopra um vento nítido erguendo
nuvens de pó na serra ao longe e vibra
a alegre conversação das folhas.
Árvores acodem
de todos os sítios da lembrança e do olhar agora.
O peito esquece a hora em fuga,
fala o vento a luz o corpo imediato.