Ginjal e Lisboa

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29 abril, 2013

Luís Cília canta Poesia Portuguesa (... e eu fiquei encantada com esta descoberta): 'Carta a Ângela' de Carlos de Oliveira, 'Ternura' de David Mourão-Ferreira, 'Não me peçam razões' de José Saramago, 'O menino de sua mãe' de Fernando Pessoa e 'Margem Esquerda' de Urbano Tavares Rodrigues


 Para a Leitora Ana de Sá, 
com os meus sinceros agradecimentos 
(pois não me lembrava do Luís Cília nem sabia que ele tão bem tinha cantado a nossa poesia)



 Luis Cilia - Carta a Ângela, letra de Carlos de Oliveira 


Para ti, meu amor, é cada sonho
de todas as palavras que escrever,
cada imagem de luz e futuro,
cada dia dos dias que viver.

Os abismos das coisas , quem os nega,
se em nós abertos inda em nós persistem?
Quantas vezes os versos que te dei
na água dos teus olhos é que existem!

Quantas vezes chorando te alcancei
e em lágrimas de sombra nos perdemos!
As mesmas que contigo regressei
ao ritmo da vida que escolhemos!

Mais humana da terra dos caminhos
e mais certa, dos erros cometidos,
foste, de novo, e de sempre, a mão da esperança
nos meus versos errantes e perdidos.

Transpondo os versos vieste à minha vida
e um rio abriu-se onde era areia e dor.
Porque chegaste à hora prometida
aqui te deixo tudo, meu amor!



  

 Luís Cília - "Ternura", letra de David Mourão-Ferreira


Desvio dos teus ombros o lençol
Que é feito de ternura amarrotada
Da frescura que vem depois do sol
Quando depois do sol não vem mais nada.

Olho a roupa no chão - que tempestade
Há restos de ternura pelo meio
Como vultos perdidos na cidade
Onde uma tempestade sobreveio.

Começas a vestir-te lentamente
E é ternura também que vou vestindo
Para enfrentar lá fora aquela gente
Que da nossa ternura anda sorrindo.

Mas ninguém sabe a pressa com que nós
A despimos assim que estamos sós.




 Luis Cília - "Não me peçam razões", letra de José Saramago


Não me peçam razões, que não as tenho,
Ou darei quantas queiram: bem sabemos
Que razões são palavras, nascem todas
Da mansa hipocrisia que aprendemos.

Não me peçam razões por que se entenda
A força de maré que me enche o peito,
Este estar mal no mundo e nesta lei:
Não fiz a lei e o mundo não aceito.

Não me peçam razões, ou que as desculpe,
Deste modo de amar e destruir:
Quando a noite é de mais é que amanhece
A cor de primavera que há-de vir.




 Luís Cília - "O menino de sua mãe", letra de Fernando Pessoa 

No plaino abandonado 
Que a morna brisa aquece, 
De balas trespassado 
Duas, de lado a lado, 
Jaz morto, e arrefece.

Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos, 
Alvo, louro, exangue, 
Fita com olhar langue 
E cego os céus perdidos. 

Tão jovem! Que jovem era! 
(agora que idade tem?) 
Filho único, a mãe lhe dera 
Um nome e o mantivera: 
«O menino de sua mãe.» 

Caiu-lhe da algibeira 
A cigarreira breve. 
Dera-lhe a mãe. 
Está inteira 
E boa a cigarreira. 
Ele é que já não serve. 

De outra algibeira, a lá da 
Ponta a roçar o solo, 
A brancura embainhada 
De um lenço deu-lho a criada 
Velha que o trouxe ao colo. 

Lá longe, em casa, há a prece: 
Que volte cedo, e bem! 
(Malhas que o Império tece!) 
Jaz morto e apodrece 
O menino da sua mãe 




"Margem Sul". O poema é de Urbano Tavares Rodrigues 


Ó Alentejo dos pobres
Reino da desolação
Não sirvas quem te despreza
É tua a tua nação

Não vás a terras alheias
Lançar sementes de morte
É na terra do teu pão
Que se joga a tua sorte

Terra sangrenta de Serpa
Terra morena de Moura
Vilas de angústia em botão
Dor cerrada em Baleizão

A foice dos teus ceifeiros
Trago no peito gravada
Ó minha terra vermelha
Como bandeira sonhada