Para a Leitora Ana de Sá,
com os meus sinceros agradecimentos
(pois não me lembrava do Luís Cília nem sabia que ele tão bem tinha cantado a nossa poesia)
Luis Cilia - Carta a Ângela, letra de Carlos de Oliveira
Para ti, meu amor, é cada sonho
de todas as palavras que escrever,
cada imagem de luz e futuro,
cada dia dos dias que viver.
Os abismos das coisas , quem os nega,
se em nós abertos inda em nós persistem?
Quantas vezes os versos que te dei
na água dos teus olhos é que existem!
Quantas vezes chorando te alcancei
e em lágrimas de sombra nos perdemos!
As mesmas que contigo regressei
ao ritmo da vida que escolhemos!
Mais humana da terra dos caminhos
e mais certa, dos erros cometidos,
foste, de novo, e de sempre, a mão da esperança
nos meus versos errantes e perdidos.
Transpondo os versos vieste à minha vida
e um rio abriu-se onde era areia e dor.
Porque chegaste à hora prometida
aqui te deixo tudo, meu amor!
Luís Cília - "Ternura", letra de David Mourão-Ferreira
Desvio dos teus ombros o lençol
Que é feito de ternura amarrotada
Da frescura que vem depois do sol
Quando depois do sol não vem mais nada.
Olho a roupa no chão - que tempestade
Há restos de ternura pelo meio
Como vultos perdidos na cidade
Onde uma tempestade sobreveio.
Começas a vestir-te lentamente
E é ternura também que vou vestindo
Para enfrentar lá fora aquela gente
Que da nossa ternura anda sorrindo.
Mas ninguém sabe a pressa com que nós
A despimos assim que estamos sós.
Luis Cília - "Não me peçam razões", letra de José Saramago
Não me peçam razões, que não as tenho,
Ou darei quantas queiram: bem sabemos
Que razões são palavras, nascem todas
Da mansa hipocrisia que aprendemos.
Não me peçam razões por que se entenda
A força de maré que me enche o peito,
Este estar mal no mundo e nesta lei:
Não fiz a lei e o mundo não aceito.
Não me peçam razões, ou que as desculpe,
Deste modo de amar e destruir:
Quando a noite é de mais é que amanhece
A cor de primavera que há-de vir.
Luís Cília - "O menino de sua mãe", letra de Fernando Pessoa
No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado
Duas, de lado a lado,
Jaz morto, e arrefece.
Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.
Tão jovem! Que jovem era!
(agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
«O menino de sua mãe.»
Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lhe a mãe.
Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.
De outra algibeira, a lá da
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.
Lá longe, em casa, há a prece:
Que volte cedo, e bem!
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto e apodrece
O menino da sua mãe
"Margem Sul". O poema é de Urbano Tavares Rodrigues
Ó Alentejo dos pobres
Reino da desolação
Não sirvas quem te despreza
É tua a tua nação
Não vás a terras alheias
Lançar sementes de morte
É na terra do teu pão
Que se joga a tua sorte
Terra sangrenta de Serpa
Terra morena de Moura
Vilas de angústia em botão
Dor cerrada em Baleizão
A foice dos teus ceifeiros
Trago no peito gravada
Ó minha terra vermelha
Como bandeira sonhada