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domingo, 24 de janeiro de 2021

O canto de sereia do capitão


Publicação compartilhada do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, em 24 de janeiro de 2021

O canto de sereia do capitão

Seria conveniente que o presidente Bolsonaro falasse menos, ou com mais responsabilidade. Artigo do professor Bolívar Lamounier, publicado pelo Estadão:

A um capitão excluído das Forças Armadas por indisciplina é talvez possível dispensar um entendimento exato do artigo 1º., parágrafo único, da Constituição brasileira de 1988, onde se lê: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

A hipótese da dispensa fica, porém, sem efeito caso o referido capitão, por circunstâncias diversas, seja alçado à condição de presidente da República. Daí a gravidade da declaração proferida na última segunda-feira pelo sr. Jair Bolsonaro, afirmando que a existência de um sistema político democrático depende das Forças Armadas, declaração não só estapafúrdia, mas também eivada de um mal disfarçado tom de ameaça. Corretíssima, portanto, a interpelação que lhe dirigiu o general da reserva Santos Cruz, que apontou o disparate presidencial e qualificou como “covarde” o matiz de ameaça nele contido. No modo mais protocolar que seu cargo exige, também o vice-presidente Hamilton Mourão, ao mesmo tempo que descartou o recurso ao impeachment, frisou que a conduta de Jair Bolsonaro ainda não representa um risco para a democracia, mas que os contrapesos institucionais deverão ser acionados, naturalmente, caso tal risco venha a se configurar.

Nenhuma pessoa de bom senso exige conhecimentos constitucionais especializados do presidente da República, mas, no plano da realidade, e dada a natureza política do cargo que exerce, é lícito esperar que ele perceba a infinita complexidade dos processos políticos e, em particular, das relações entre militares e sistemas políticos. Estas variam no espaço e no tempo, entre países e ao longo da História, podendo-se facilmente identificar situações em que as Forças Armadas respaldaram as instituições democráticas e situações em que fizeram o oposto, contribuindo para a sua derrubada. No Brasil, em 1937, elas fizeram vista grossa para o advento da ditadura getulista. Em 1945, com o retorno dos “pracinhas” que haviam ido à Itália combater o fascismo, o marechal Mascarenhas de Moraes foi a Getúlio e disse-lhe sem meias-palavras para sair e que sua sucessão se daria mediante eleições limpas e livres.

Sobre o golpe de 1964 penso que não há e nunca haverá consenso. Há quem opine que os militares derrubaram o governo João Goulart com o objetivo de implantar uma ditadura e quem afirme o contrário, entendendo que o fizeram como uma intervenção preventiva, de curto prazo, para prevenir a tomada do poder pela esquerda. Certo é que o ciclo militar durou 21 anos e mesmo nesse período, sem exceção, a sucessão presidencial suscitou sérias dificuldades entre os comandantes militares. Exceção, se assim a podemos chamar, foi a de 1985, quando as disputas eleitorais e a mobilização popular culminaram na eleição do civil Tancredo Neves no colégio eleitoral. (João Figueiredo, o último dos presidentes generais, recusou-se a passar a faixa a José Sarney, vice de Tancredo Neves, mas esse é um detalhe já perdido na História.)

Nossos exemplos caseiros são minúsculos no cotejo com as catástrofes e os sofrimentos que se deram no século 20 como consequência das relações entre o poder político, de um lado, e forças militares e paramilitares, de outro. Desse ponto de vista, nada se compara ao advento dos regimes totalitários na Europa e na Ásia (Alemanha, URSS e China, principalmente).

Sobre o caso alemão permito-me reproduzir aqui o registro que fiz em meu livro Tribunos, Profetas e Sacerdotes, págs. 96-97: “No dia 02 de agosto de 1934, uma hora após a confirmação da morte do presidente Von Hindenburg, (Hitler) manda anunciar a fusão dos cargos de presidente da República e primeiro-ministro, que daquele momento em diante se concentrariam em suas mãos. No mesmo dia, os líderes das Forças Armadas e toda a oficialidade do Exército são convocados a jurar lealdade ao novo comandante em chefe. A forma do juramento era significativa: o Exército fora convocado para jurar fidelidade não à Constituição, não à Pátria, mas à pessoa física de líder: ‘Faço perante Deus este juramento sagrado: serei incondicionalmente obediente ao Führer do Reich e do povo alemão, Adolph Hitler, comandante supremo das Forças Armadas, e estarei pronto, em qualquer momento, como um bravo soldado, para hipotecar minha vida, nos termos deste juramento’”.

O que se passou nos anos seguintes não requer elaboração. O extermínio de milhões de judeus e de cidadãos de outras minorias é fato sobejamente conhecido. O que em geral não se sublinha na extensão necessária é o destino daqueles que hipotecaram a vida ao Führer. Ao fim da guerra, só na União Soviética cerca de 3 milhões de alemães se encontravam detidos como prisioneiros de guerra, sobrevivendo em condições atrozes até 1947.

Seria, pois, de toda a conveniência que o presidente Jair Bolsonaro falasse menos, ou falasse com mais responsabilidade, ou recorresse a assessores que lhe preparassem especulações mais adequadas.

Texto reproduzido do blog: otambosi.blogspot.com

terça-feira, 5 de maio de 2020

Forças Armadas sinalizam distância de Bolsonaro na crise do coronavírus...

O comandante-geral do Exército, Edson Leal Pujol, 
durante solenidade em Porto Alegre no dia 30 de abril de 2020.
FOTO: MARCOS CORRÊA/PR/VÍDEO: AFP

Publicado originalmente no site do jornal EL PAÍS BRASIL, em 4 de maio de 2020 

Forças Armadas sinalizam distância de Bolsonaro na crise do coronavírus, mas divórcio de militares com Governo é improvável

Bolsonaro avança com troca na PF e ganha apoio de Mourão na contenda com o STF. Pulso da turbulência depende de quebra de sigilo do depoimento de Sergio Moro

Por Afonso Benites 

O comando das Forças Armadas no Brasil fez um raro gesto público de distanciamento do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nesta segunda-feira, mas os militares, que nunca foram tão poderosos no Brasil desde o fim da ditadura, ainda estão longe de uma eventual declaração de divórcio de seu Governo. Um dia após o mandatário tentar se fiar no alto índice de confiabilidade das Forças Armadas dizendo que os militares estavam ao seu lado em uma manifestação pró-intervenção militar —e frisar que a paciência com outras instituições estava acabando—, o ministro da Defesa, o general Fernando de Azevedo e Silva, emitiu uma nota para reforçar o que deveria ser óbvio: que a Marinha, o Exército e a Aeronáutica respeitam a legislação e estão comprometidos com a democracia e com a “harmonia” e “independência” dos poderes, além de repudiarem agressões a jornalistas. “As Forças Armadas estarão sempre ao lado da lei, da ordem, da democracia e da liberdade. Este é o nosso compromisso”.

O presidente buscava respaldo para uma irritação em especial: a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que o impediu de nomear o delegado Alexandre Ramagem para a diretoria-geral da Polícia Federal. “Chegamos no limite, não tem mais conversa, daqui pra frente, não só exigiremos, faremos cumprir a Constituição, ela será cumprida a qualquer preço, e ela tem dupla mão”, disse Bolsonaro no domingo ao participar pela terceira vez de uma manifestação que pedia o fechamento do STF e do Congresso. Ramagem é amigo dos filhos de Bolsonaro e havia a suspeita, levantada pelo ex-ministro Sergio Moro, de que um novo chefe da PF interferiria politicamente no órgão em benefício do presidente. Como Ramagem não pode assumir a função, o seu número dois na Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), Rolando Alexandre de Souza, assumiu a diretoria da PF nesta segunda.

Se parte da cúpula militar está pronta para concordar com Bolsonaro na avaliação de que o STF extrapolou seu papel ao vetar Ramagem, por outro, não parece disposta a ver o presidente transferindo esse endosso à sua participação em manifestações radicais. Apesar do recado dos militares nesta segunda, na prática, eles nunca tiveram tão imbricados no poder desde a redemocratização, no fim da década de 1980. Oficiais das Forças Armadas e egressos de academias e da Polícia Militar ocupam 9 dos 22 ministérios. Também estão em dezenas de cargos nos segundo e terceiro escalões. Quando o presidente quer tutelar algum ministro, como no caso de Nelson Teich na Saúde, ele coloca um militar como seu número dois.

A luta declarada dos militares agora é tentar manter o contingente das forças distanciado dos discursos presidenciais mais exaltados. O principal articulador dessa tentativa de isolamento é o comandante do Exército, o general Edson Leal Pujol. Quando teve de definir estratégias logísticas para fazer com que a Força ajudasse no combate à pandemia de coronavírus, Pujol avisou aos comandantes das 12 regiões militares que o importante era “mostrar serviço e deixar a política para os políticos”, nas palavras de um oficial de alta patente consultado pela reportagem. A nota do Ministério da Defesa nesta segunda foi inequívoca em marcar diferença na abordagem sobre a covid-19: “Enfrentamos uma pandemia de consequências sanitárias e sociais ainda imprevisíveis, que requer esforço e entendimento de todos", diz o texto assinado por Fernando de Azevedo e Silva, que chegou a ser assessor do presidente do STF, Antonio Dias Toffoli, antes de assumir o posto

Em março, enquanto Bolsonaro reforçava em rede nacional de rádio e televisão o seu discurso negacionista da gravidade da doença e se mostrava mais preocupado com a economia do que com a saúde, Pujol gravou um vídeo para os canais do Exército dizendo que o momento exigia “cuidado e prevenção” e que essa talvez fosse “a missão mais importante de nossa geração”.

Considerado um profissional de poucas palavras, que já declarou ser contrário à intervenção militar e sem conexões no universo político-partidário, Pujol sabe enviar seus recados nas entrelinhas. Enquanto quase todo o séquito de Bolsonaro participa de solenidades no Planalto, o comandante do Exército se esquiva como pode. Ele não esteve na posse do general Walter Braga Netto na Casa Civil. Tampouco nas de André Mendonça e de José Levi Amaral, no Ministério da Justiça e na Advocacia Geral da União, respectivamente.

Neste domingo, Bolsonaro lançou mão de um de seus usuais balões de ensaio —o jargão para quando um político testa a receptividade de um movimento ou decisão: disse a aliados que poderia trocar Pujol ainda neste ano pelo general Luiz Eduardo Ramos, atual ministro da Secretaria de Governo (um inusual general da ativa com cargo no Governo). O recado que veio da caserna foi de quem quer que fosse o substituto, ele enfrentaria rejeição. Prontamente, Bolsonaro mandou seus assessores negarem a informação. O próprio Ramos foi um dos que afirmaram que a troca não faria sentido, que essa era uma “hipótese absurda” e que ele respeita a fila hierárquica de promoção interna. Hoje, o ministro estaria na sexta posição dessa lista, que leva em conta a antiguidade dos generais da ativa para assumirem o comando geral. “Com que liderança eu chegaria para comandar o Exército ultrapassando os cinco mais antigos, com uma indicação, entre aspas, política? E o presidente em nenhum momento tratou, pensou, falou isso aí com quem quer que seja”, afirmou o ministro Ramos a jornalistas.

Apoio e preocupações

Como tem sido às segundas-feiras em Brasília, após as provocações em atos pró-golpe de Bolsonaro nos fins de semana, o dia foi de medir a temperatura da tensão política. Se tomou nota da advertência das Forças Armadas, Bolsonaro também ganhou um apoio importante, o do vice general da reserva Hamilton Mourão (PRTB), na contenda com o STF. Em entrevista à rádio Gaúcha, Mourão disse que “cada um tem que navegar dentro dos limites de sua responsabilidade”, em referência à decisão de Moraes que impediu a posse de Ramagem. Mourão seguiu a defesa em sua conta no Twitter: “Neste momento em que se procura turvar o ambiente nacional pela discórdia e intriga, é importante deixar claro, como o presidente @jairbolsonaro declarou ontem, que ninguém irá descumprir a Constituição. Agora, cada Poder tem seus limites e responsabilidades”.

Enquanto isso, representantes de outros poderes, como também tem sido costume, emitiram notas de repúdio diante das manifestações ameaçadoras de Bolsonaro. No domingo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), lembrou de dois episódios de agressão contra opositores do presidente e contra profissionais da imprensa no fim de semana. “Ontem enfermeiras ameaçadas. Hoje jornalistas agredidos. Amanhã qualquer um que se opõe à visão de mundo deles. Cabe às instituições democráticas impor a ordem legal a esse grupo que confunde fazer política com tocar o terror”, disse o deputado. Cabe a ele dar andamento a um dos 29 pedidos de impeachment que se encontram na Casa. Mas já disse que não o fará, por ora, pois sua prioridade é tratar do combate à pandemia de covid-19, algo ausente da agenda presidencial.

Considerado um dos ministros mais progressistas do STF, Luís Roberto Barroso disse durante uma entrevista à consultoria Arko Advice que se preocupa em ver a invocação das Forças Armadas em atos políticos. Mas não crê que elas entrariam em uma aventura golpista. “Não vejo a menor possibilidade de que essa Forças Armadas profissionalizadas e com compromisso com o Brasil aceitem serem puxadas, arrastadas, para esse varejo da política”, declarou.

Apesar de indignações, Bolsonaro segue com seus planos, governando mediante a estratégia do confronto. Se não conseguiu colocar Ramagem na PF, colocou Rolando Alexandre de Souza, também de confiança e mantém a intenção de trocar o comando a corporação no Rio, onde a família e aliados tem interesses . O Planalto tem negociado cargos com representantes da velha política hoje lotados no Centrão, algo que ele falou diversas vezes que não faria, e, por ora, isso tem lhe rendido ao menos defesas públicas de lideranças em sua disputa com o STF. O tom dos próximos dias deverá ser dado pelo o andamento do inquérito que apuras as acusações de Sergio Moro contra Bolsonaro. No sábado, o ex-ministro, que caiu delatando eventuais crimes do presidente, depôs à Polícia Federal. Agora, ele quer que todo o seu depoimento se torne público.

Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com

sábado, 11 de abril de 2020

As lágrimas de Bolsonaro

Morador da favela de Paraisópolis, em São Paulo, em isolamento contra o coronavírus.
Foto: AMANDA PEROBELLI/REUTERS

Publicado originalmente no site do jornal EL PAÍS BRASIL, em 3 de abril de 2020

As lágrimas de Bolsonaro

Pior que o pranto dos poderosos são as lágrimas que os mais pobres e perseguidos têm que engolir antes que cheguem aos seus rostos endurecidos pelo abandono

Por Juan Arias

Já não é mais segredo que o presidente Jair Bolsonaro sofre crises de choro. Às vezes no silêncio da noite, como ele mesmo confessou, e às vezes perante alguns interlocutores do Planalto, como publicou Igor Gielow em sua coluna da Folha de S.Paulo.

Poderia parecer estranho que o ex-capitão paraquedista, um militar atleta, que defende a ditadura e a tortura, cuja paixão são as armas, possa chorar. Conta-se que chora porque se sente atacado por todos, sobretudo pela imprensa que ele diz que o odeia. E porque começa a perder milhões dos que tinham votado nele e hoje estão arrependidos. E não sabe como reconquistá-los.

É sabido que suas preocupações, mais do que a tragédia do coronavírus, são que possa ser ou não reeleito em 2022 ou que tenha que deixar a Presidência antes de acabar o mandato. Tudo isso, entretanto, poderia lhe causar raiva, ira e desejos de vingança. Mas chorar? Não é fácil encontrar no mundo presidentes da República importantes com crise de pranto. Vocês imaginam um Putin ou mesmo um Trump soluçando por perderem consensos?

Sobre o choro existe uma grande literatura psicológica. Sabemos que, como rir, chorar também é uma faculdade exclusiva dos seres racionais. Os animais não choram. E os humanos choram mais de dor, de emoção e alegria do que de medo. Diz-se que choram mais as mulheres que os homens, mas se trata de algo cultural mais do que biológico. É atávico. Conta a lenda que quando o último rei islâmico de Granada (Espanha), Boabdil, saiu da Alhambra após entregar as chaves aos Reis Católicos, em 1492, sua mãe, a sultana Aixa, pronunciou a famosa frase: “Você chora como mulher o que não soube defender como homem”. Nesta frase está contida toda a literatura do mito da suposta fragilidade da mulher que é a que chora diante do perigo. Os homens não choram.

O que seria interessante saber é se o presidente que chora em suas noites de insônia —além de chorar porque se sente incompreendido e com medo de que o tirem do seu trono— chora também por outros motivos nobres, como os males que o Brasil sofre. E certamente não lhe faltam motivos para sofrer e chorar e se preocupar com este país hoje amedrontado pela epidemia do coronavírus e onde milhões de pessoas sonham com um trabalho que lhes permita viver com decência, e que hoje temem perder o pouco que resta.

Há mil motivos mais nobres para que Bolsonaro possa chorar do que o medo de que seus ministros mais importantes ou os militares de seu Governo possam abandoná-lo. Há motivos para chorar vendo a cobiça dos bancos que enforcam milhões de trabalhadores com seus juros, entre os maiores do mundo, e que continuam impassíveis e frios também diante da tragédia da epidemia. Há motivos de dor frente ao mar de privilégios dos políticos e das castas que resistem a morrer e que são uma ofensa à dignidade dos que sofrem necessidades e são abandonados à própria sorte.

O que seria interessante saber é se o presidente que chora em suas noites de insônia chora também por outros motivos nobres, como os males que o Brasil sofre.

Seria um ponto a seu favor se Bolsonaro, o duro, fosse também capaz de chorar por se sentir responsável por todas as lágrimas derramadas neste país pelos que mais precisariam ser ajudados; de todas as dores das mães que perdem seus filhos vítimas de uma violência da qual os políticos parecem desviar seu olhar. E, embora seja lhe pedir demais, que fosse capaz de chorar também pelo assassinato contínuo da Amazônia e de seus habitantes, a quem nos custa aceitar que sejam tão ou mais humanos que nós, apesar de serem quem melhor conserva valores exponenciais do Homo sapiens que nossa civilização esqueceu.

É possível que as crises de choro que afligem Bolsonaro sejam um alarme de algum transtorno psíquico, como alguns tentam insinuar. Mas o que mais preocupa é que o presidente de um país da envergadura do Brasil, com milhões condenados ao abandono, seja ao mesmo tempo condescendente com um capitalismo que assassina os mais pobres e excluídos do sistema.

Não sabemos o motivo real dos choros do presidente, mas certamente não parece que seja, por exemplo, pelos idosos que, segundo ele, não importaria que fossem devorados pela epidemia. Nem pelos mais pobres e marginalizados pelo sistema, nem pelos diferentes, os não atletas, aqueles a quem a natureza já castigou e a humanidade deixa abandonados.

O Brasil, hoje, mais que de lágrimas do presidente, necessita de políticas valentes de recuperação de uma sociedade doente de medo porque não sabe se quem deveria cuidar dela prefere continuar obstinado a seus privilégios e à sua voracidade de poder em vez de se sacrificar por seu resgate social e político.

Pior que o pranto dos poderosos são as lágrimas que os mais pobres e perseguidos têm que engolir antes que cheguem aos seus rostos endurecidos pelo abandono a que foram condenados por um poder que tem alergia aos pobres, um vocábulo que lhes custa até pronunciar.

Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com