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domingo, 1 de dezembro de 2024

A estratégia de Bolsonaro para se livrar da prisão...

Legenda da foto: Bolsonaro pretende rifar Augusto Heleno e Braga Netto para se livrar da prisão - (Créditos das fotos: Lula Marques/Fernando Frazão/Tânia Rêgo ABr).

Publicação compartilhada do site do JORNAL DO BRASIL, de 30 de novembro de 2024 

A estratégia de Bolsonaro para se livrar da prisão e jogar golpe no colo de Heleno e Braga Netto

Defesa já alega que beneficiários da trama golpistas seriam militares de alta patente e que ex-presidente seria deixado de lado em caso de êxito do golpe

Por JORNAL DO BRASIL com Revista Fórum (redacao@jb.com.br)

Por Ivan Longo - Após falar em fugir para uma embaixada em caso de condenação pela tentativa de golpe de Estado no Brasil, Jair Bolsonaro já trabalha com mais uma estratégia para tentar se livrar de prisão: jogar a culpa em militares de alta patente que compunham o seu governo, entre eles o general Augusto Heleno (ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional) e general Walter Braga Netto (ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, além de candidato a vice de Bolsonaro nas eleições de 2022).

Trata-se de a tese de "golpe dentro do golpe", que consistiria em um plano golpista não só para impedir a posse de Lula após o pleito, mas para que os próprios militares assumissem o poder, em detrimento de Bolsonaro. A sinalização de que essa deve ser a estratégia foi dada por Paulo Amador da Cunha Bueno, um dos advogados de Bolsonaro, em entrevista à GloboNews nesta sexta-feira (30).

Bueno usa como base nesta narrativa o "Punhal Verde e Amarelo", documento elaborado, segundo a Polícia Federal (PF), pelo general da reserva e ex-secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência no governo Bolsonaro, Mario Fernandes, que foi preso recentemente na operação "Contragolpe". O planejamento envolvia o assassinato de Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). O documento previa, após deflagrado o golpe, a a criação de um Gabinete Institucional de Gestão de Crise que seria comandando por militares.

Heleno, segundo o planejamento, seria o chefe de tal gabinete. Braga Netto, por sua vez, seria o coordenador-geral, enquanto outros militares de alta patente, como o próprio Mario Fernandes, assumiriam outras funções de comando.

O fato de Jair Bolsonaro não ser mencionado no plano "Punhal Verde e Amarelo" é a base da estratégia a ser usada pela defesa do ex-presidente para jogar a culpa pela tentativa de golpe em Heleno e Braga Netto.

"Quem seria o grande beneficiado? Segundo o plano do general Mario Fernandes, seria uma junta que seria criada após a ação do 'Plano Punhal Verde e Amarelo', e nessa junta não estava incluído o presidente Bolsonaro", disse o advogado de Bolsonaro em entrevista à GloboNews.

"Não tem o nome dele [Bolsonaro] lá, ele não seria beneficiado disso. Não é uma elucubração da minha parte. Isso está textualizado ali. Quem iria assumir o governo em dando certo esse plano terrível, que nem na Venezuela chegaria a acontecer, não seria o Bolsonaro, seria aquele grupo", afirmou ainda.

Apesar da tentativa do advogado de Bolsonaro de imputar a culpa somente a Heleno e Braga Netto, a Polícia Federal, em seu relatório final sobre a investigação, aponta o ex-presidente como o principal líder da organização criminosa que tentou deflagrar um golpe no Brasil. Os investigadores afirmam, inclusive, que Bolsonaro tinha conhecimento do plano para assassinar autoridades.

Bolsonaro indiciado

O relatório final da Polícia Federal (PF), encaminhado à Procuradoria-Geral da República (PGR) propondo o indiciamento de Jair Bolsonaro e de outras 37 pessoas, traz com detalhes o envolvimento do ex-presidente na trama golpista.

A investigação da PF é taxativa no documento. "Os elementos de prova obtidos ao longo da investigação demonstram de forma inequívoca que o então presidente da República, JAIR MESSIAS BOLSONARO, planejou, atuou e teve o domínio de forma direta e efetiva dos atos executórios realizados pela organização criminosa que objetivava a concretização de um Golpe de Estado e da Abolição do Estado Democrático de Direito, fato que não se consumou em razão de circunstâncias alheias à sua vontade", diz trecho do relatório, sendo preservada aqui a grafia original.

O arcabouço probatório colhido pelos investigadores demonstra que o grupo investigado e liderado por Bolsonaro "criou, desenvolveu e disseminou a narrativa falsa da existência de vulnerabilidade e fraude no sistema eletrônico de votação do País desde o ano de 2019". O objetivo seria sedimentar na população a falsa realidade de fraude eleitoral para que dois objetivos fossem alcançados posteriormente: "primeiro, não ser interpretada como um possível ato casuístico em caso de derrota eleitoral e, segundo e mais relevante, ser utilizada como fundamento para os atos que se sucederam após a derrota do então candidato".

Texto e imagens reproduzidos do site: jb com br

sábado, 30 de novembro de 2024

Os homens que barraram o golpe

General Freire Gomes

Artigo copartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 29 de novembro de 2024

Os homens que barraram o golpe

Como os então comandantes do Exército e da Aeronáutica resistiram às pressões de Bolsonaro, militares e ativistas. Felipe Moura Brasil para a revista Crusoé:

Em 2019, o então presidente Jair Bolsonaro e o ministro Dias Toffoli, indicado por Lula ao Supremo Tribunal Federal, tinham um incômodo em comum: a Operação Lava Jato.

Entre a vitória de Bolsonaro sobre o petista Fernando Haddad e a posse no cargo, seu filho mais velho, Flávio, havia sido atingido pela Operação Furna da Onça, desdobramento da força-tarefa no Rio de Janeiro, e o avanço das investigações durante o primeiro ano de governo trouxe à tona o histórico de funcionalismo fantasma em gabinetes ocupados pela família.

Já Toffoli, enquanto Lula estava preso, articulava a retirada de investigações da Lava Jato da Justiça Federal e o envio para a Justiça Eleitoral, transformando propina em caixa dois, o que foi apontado pelo procurador Diogo Castor de Mattos em O Antagonista como “novo golpe” da “turma do abafa” à operação.

O incômodo com o texto levou o ministro a tratar as críticas do então membro da Lava Jato como “ataques ao Poder Judiciário Eleitoral de nosso país”, pedir ao Conselho Nacional do Ministério Público uma investigação sobre elas e abrir de ofício o inquérito das fake news, entregando a relatoria ao colega Alexandre de Moraes, que, logo no mês seguinte, censurou Crusoé por revelar o codinome de Toffoli na Odebrecht.

O “amigo do amigo do meu pai” havia cobrado de Moraes “a devida apuração das mentiras recém divulgadas por pessoas e sites ignóbeis que querem atingir as instituições brasileiras”. Nascia ali o discurso de defesa da “democracia” contra “ataques”, embora estes nada mais fossem que verdades inconvenientes a Toffoli.

Na ocasião, Bolsonaro não só minimizou o caso (“agora vamos tocar o barco”), como também atuou para blindar o ministro contra a CPI da Lava Toga, participando com Flávio da pressão sobre senadores pela retirada de assinaturas de seu requerimento de criação. A aliança apontada na raiz por Crusoé foi mutuamente benéfica: Toffoli blindou Flávio no STF, paralisando investigações a seu respeito.

Faltou, no entanto, combinar o jogo com Moraes, que acumulou superpoderes de relator.

O diversionismo dos dois lados

A Polícia Federal, em seu relatório final de 884 páginas sobre tramas golpistas no governo Bolsonaro, divulgado em 26 de novembro de 2024, apontou que “os ataques às urnas eletrônicas” se iniciaram em 2019, quando “o grupo ora investigado já propagava essa ideia”.

Diz o texto:

“O objetivo era sedimentar na população a falsa realidade de fraude eleitoral para posteriormente a narrativa atingir dois objetivos: inicialmente não ser interpretada como um possível ato casuístico, em caso de derrota eleitoral, e, o mais relevante, ser utilizada como fundamento para os atos que se sucederam após a derrota do então candidato Jair Bolsonaro no pleito de 2022.”

A PF omitiu, no entanto, o objetivo imediato da estratégia bolsonarista: desviar as atenções do desmantelamento da Lava Jato, o primeiro e mais emblemático estelionato eleitoral do então presidente.

A rigor, o que se buscou desde 2019 foi manter o discurso antissistema da campanha, alterando sorrateiramente sua substância: do combate à corrupção real, que não podia mais ser combatida, para exploração de teorias conspiratórias sobre as urnas.

Como explica a PF, “os investigados sabiam que a narrativa falsa de fraude eleitoral, sendo disseminada por muito tempo, por vários canais, especialmente na internet (aplicativos de mensagens, redes sociais, vídeos, entrevistas etc.), em grande volume, seria extremamente eficiente em seu público-alvo”.

“Receber mensagens semelhantes de várias fontes é muito mais persuasivo. O endosso de um grande número de usuários aumenta a confiança na informação que está sendo transmitida, especialmente se a informação vem de um canal (ou perfil de rede social) com o qual o destinatário se identifica (afinidades ideológicas, políticas, religiosas etc.). Além disso, a repetição maçante das informações, mesmo que falsas, leva à familiaridade, e a familiaridade leva à aceitação por parte dos receptores. Por fim, os investigados ainda fizeram uso de pessoas com posição de autoridade perante o público-alvo, para dar uma falsa credibilidade às narrativas propagadas", afirma o relatório, corretamente.

O bolsonarismo havia passado da primeira realidade para a segunda — a das fantasias —, como eu, Felipe, expliquei na Crusoé em 2020, no artigo “Dom Bolsonaro del Centrão”.

O STF, então, aproveitou para dar ares de legitimidade, e até de heroísmo democrático, a um inquérito nascido para destruir a Lava Jato e censurar a imprensa. A partir de maio daquele ano, Moraes determinou operações contra blogueiros e empresários bolsonaristas — e o resto é história.

De um lado, um relator superpoderoso, incumbido sem sorteio de editar o debate público da maneira mais conveniente à Corte; do outro, reacionários aloprados posando de mártires das liberdades públicas e privadas. Tinha tudo para dar errado. E deu.

Mas poderia ter dado mais errado ainda, se não fossem dois homens pouco conhecidos, que, ao contrário de ambos os lados ainda beligerantes, nunca fizeram a menor questão de posar de salvadores da suposta democracia brasileira.

A recusa histórica

Nascido em 31 de julho de 1957, o general Marco Antônio Freire Gomes, durante o governo Bolsonaro, foi Comandante Militar do Nordeste, Comandante de Operações Terrestres e Comandante do Exército, exercendo este último cargo de março a dezembro de 2022.

Nascido em 5 de setembro de 1960, o tenente brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Jr., durante o governo Bolsonaro, foi chefe de Operações Conjuntas do Ministério da Defesa, Comandante Geral de Apoio da Aeronáutica e Comandante da Aeronáutica, exercendo este último cargo de abril de 2021 a janeiro de 2023.

Freire Gomes e Baptista Jr. resistiram a pressões de Bolsonaro, militares e ativistas para que anuíssem com um golpe de Estado travestido de medida constitucional, como Garantia da Lei e da Ordem (GLO), Estado de Defesa, Estado de Sítio, ou intervenção militar por interpretação “anômala”, como diz a PF, do artigo 142.

Os relatórios são fartos em evidências neste sentido, porque, além de ambos terem confirmado em depoimento a postura adotada em reuniões realizadas após o segundo turno de 2022, policiais encontraram as minutas de decreto apresentadas pelo então presidente, bem como mensagens de investigados atestando e lamentando a recusa de anuência, bem como determinando retaliação.

Eis um resumo:

Em 1º de novembro daquele ano, Baptista Jr. foi uma das autoridades que, segundo ele, “expuseram” a Bolsonaro “que não tinha ocorrido fraudes nas eleições”; “que todos os testes realizados não constataram qualquer irregularidade e que era preciso reconhecer o resultado”, “com o objetivo de acalmar o país”.

O então presidente “perguntou ao então AGU [advogado-geral da União] se haveria algum ato que se poderia fazer”, mas “Bruno Bianco expôs que as eleições transcorreram de forma legal” e “que não haveria alternativa jurídica”.

O então comandante da Aeronáutica “achou que o ambiente estava controlado, que não haveria qualquer tentativa de reverter o resultado das eleições”, mas, em 10 de novembro, um dia após a entrega do Relatório de Fiscalização do Sistema Eletrônico de Votação, feito por militares da Aeronáutica, veio um sinal em sentido contrário.

O Ministério da Defesa divulgou uma nota que manteve no ar a possibilidade de fraude eleitoral, apesar de nenhuma ter sido encontrada: "embora [o Relatório] não tenha apontado também não excluiu a possibilidade de existência de fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral”.

Baptista Jr. disse à PF que “não foi consultado sobre a divulgação da nota”.

No dia seguinte, 11 de novembro, os comandantes das Forças Armadas divulgaram a sua própria carta, intitulada “Às Instituições e ao Povo Brasileiro”, reafirmando seu “compromisso” com a “democracia” e apontando o Congresso Nacional como o foro para se “corrigir possíveis arbitrariedades ou descaminhos autocráticos que possam colocar em risco o bem maior de nossa sociedade, qual seja, a sua Liberdade”.

No mesmo dia 11, no entanto, o então ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, encaminhou para o então comandante do Exército, Freire Gomes, um áudio com interpretação distorcida da carta, destacando a importância dela como “respaldo” para manutenção e intensificação das manifestações contra o resultado da eleição, até para deslocá-las à Praça dos Três Poderes, como ocorreria em 8 de janeiro.

“E aí o medo deles é retaliação por parte do Alexandre Moraes. Então, no entendimento deles, essa carta significa que as forças armadas vão garantir a segurança deles. Manifestação pacífica é livre. Então, se eles forem lá e forem presos as Forças Armadas vão garantir a segurança deles", acrescentou Cid.

Freire Gomes disse à PF que “tal interpretação foi dada de forma equivocada”; que “o objetivo era demonstrar que as manifestações não deveriam ocorrer em frente às instalações militares e sim no âmbito do Poder Legislativo”.

Em 14 de novembro, Bolsonaro entregou a Baptista Jr. a versão impressa do “estudo” do Instituto Voto Legal - IVL que embasaria o pedido do PL, partido do então presidente, feito no dia 22 de novembro, para anulação dos votos.

O documento apresentava a narrativa disseminada pelo argentino Fernando Cerimedo em live de 4 de novembro sobre “fraude”, mas, ao ler o relatório, o então comandante da Aeronáutica ressaltou a Bolsonaro “que o documento estava mal redigido e com vários erros técnicos e se tratava de um sofisma”, ou seja, um raciocínio concebido com o objetivo de produzir a ilusão da verdade.

Mensagens encontradas pela PF também mostraram que Mauro Cid confessou, com risadas, que “nosso pessoal que fez” uma publicação na internet que serviu de base ao “argelino” [sic], cujo sistema de nuvem ainda era abastecido por um contato militar do então ajudante de ordens.

Em 6 de dezembro, Mario Fernandes, então secretário da Presidência e interlocutor dos manifestantes acampados em frente ao quartel-general do Exército, imprimiu novamente no Palácio do Planalto o planejamento "Punhal Verde e Amarelo", que previa ações armadas, com possíveis disparos ou envenenamento, contra Alexandre de Moraes, Lula e o vice-presidente Geraldo Alckmin.

Fernandes já havia criado e impresso o documento em 9 de novembro e vinha supervisionando o monitoramento do ministro do STF com outros militares de forças especiais, os “kids pretos”, mas, no dia 6 de dezembro, Bolsonaro, Mauro Cid e seu comparsa Rafael de Oliveira estavam ao mesmo tempo no Palácio, como indicou o rastreamento de mensagens e celulares.

Em 7 de dezembro, Bolsonaro reuniu os comandantes do Exército, Freire Gomes, e da Marinha, Almir Garnier, além do ministro da Defesa, Paulo Sérgio de Oliveira, e apresentou uma minuta de decreto para consumar um golpe com ares de legitimidade, impondo Estado de Sítio e, “como ato contínuo”, operação de GLO.

Os 'considerandos’, que seriam os ‘fundamentos jurídicos’, foram lidos por Filipe Martins, então assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência, de acordo com Freire Gomes.

O general relatou “que sempre deixou evidenciado” ao então presidente que “o Exército não participaria da implementação desses institutos jurídicos visando reverter o processo eleitoral”.

Em 8 de dezembro, a deputada federal bolsonarista Carla Zambelli interpelou Baptista Jr. com a seguinte indagação, após a formatura dos aspirantes à oficial da Força Aérea Brasileira (FAB), na cidade de Pirassununga/SP:

"Brigadeiro, o senhor não pode deixar o presidente Bolsonaro na mão.”

O então comandante da Aeronáutica respondeu:

"Deputada, entendi o que a senhora está falando e não admito que a senhora proponha qualquer ilegalidade.”

Baptista Jr. ainda relatou à PF que, em 9 de dezembro, quando viu Bolsonaro dizer a apoiadores, ao lado do general Walter Braga Netto, que “quem decide para onde vai as Forças Armadas são vocês!”, “começou a ficar preocupado, pois entendeu que iriam continuar a tentar uma ruptura institucional”.

No dia seguinte, 10, o então comandante da Força Aérea Brasileira, “com o intuito de reforçar a posição” de “que haveria uma transição democrática e pacífica no âmbito da FAB”, parabenizou no X a indicação de seu sucessor, feita pelo presidente eleito, Lula.

Baptista Jr., em outras reuniões, “tentava demover” Bolsonaro “de utilizar os referidos institutos jurídicos” e “deixou claro” que “tais institutos não serviriam” para mantê-lo “no poder após 1° de janeiro de 2023”. Ele contou que o então presidente “ficava assustado”.

Na reunião do dia 14 de dezembro, quando Paulo Sérgio de Oliveira disse que gostaria de apresentar aos comandantes uma minuta, Baptista Jr. questionou o ministro da Defesa:

"Esse documento prevê a não assunção do cargo pelo novo presidente eleito?"

Paulo Sérgio “ficou calado” e o comandante “entendeu que haveria uma ordem que impediria a posse do novo governo eleito” e disse que “não admitiria sequer receber esse documento”, que “a Força Aérea não admitiria tal hipótese (Golpe de Estado)”; e que “retirou-se da sala”.

O brigadeiro ainda confirmou que, depois de Bolsonaro “aventar a hipótese de atentar contra o regime democrático, por meio de algum instituto previsto na Constituição (GLO ou Estado de Defesa ou Estado de Sítio)”, o então comandante do Exército “afirmou que caso tentasse tal ato teria que prender o Presidente”.

No mesmo dia 14 de dezembro, o general Walter Braga Netto, vice na chapa presidencial derrotada, e o capitão reformado Ailton Gonçalves Moraes Barros, eleito em 2022 deputado estadual suplente do Rio de Janeiro dizendo-se “o 01 do Bolsonaro”, passaram “a realizar ataques” a Freire Gomes “por uma suposta postura de ‘Omissão’ e ‘Indecisão’”. Fizeram isso em diálogos depois identificados pela PF no celular de Ailton.

Braga Netto afirmou: “a culpa pelo que está acontecendo e acontecerá é do GEN FREIRE GOMES. Omissão e indecisão não cabem a um combatente”; “Oferece a cabeça dele. Cagão”.

Ailton completou: "Se FG tiver fora mesmo. Será devidamente implodido e conhecerá o inferno astral".

Braga Netto também encaminhou a Ailton uma foto da frente da casa de Freire Gomes com manifestantes pressionando pela anuência dele.

Freire Gomes confirmou à PF que as falas de Braga Netto se devem ao fato de ele ter se “negado a anuir com o plano de ruptura institucional”.

Falou ainda que “recebia ataques pelas mídias sociais, principalmente por meio da pessoa de PAULO FIGUEIREDO”, blogueiro então atuante em emissora de rádio e TV que faturou mais de 18 milhões de reais em verbas de publicidade do governo Bolsonaro.

Baptista Jr. também disse ter recebido ataques de Figueiredo, “dentre outros”, “recebendo o rótulo de ‘melancia’, ‘traidor da pátria’ etc.”.

Em 15 de dezembro, Braga Netto orientou Ailton Barros: "Senta o pau no Batista Júnior… Inferniza a vida dele e da família". Também orientou o destinatário a elogiar Almir Garnier.

Baptista Jr. confirmou que ele e sua família sofreram diversos ataques, pressões e hostilidades de apoiadores de Bolsonaro “para que a FAB anuísse com a ruptura democrática”.

No mesmo dia 15 de dezembro, Freire Gomes visitou Bolsonaro, frustrando de vez os reacionários aloprados.

Como concluiu a PF, “apesar de todas as pressões realizadas, o general FREIRE GOMES e a maioria do Alto Comando do Exército mantiveram a posição institucional, não aderindo ao golpe de Estado. Tal fato não gerou confiança suficiente para o grupo criminoso avançar na consumação do ato final e, por isso, o então presidente da República JAIR BOLSONARO, apesar de estar com o decreto pronto, não o assinou. Com isso, a ação clandestina para prender/executar o ministro ALEXANDRE DE MORAES foi ‘abortada’.”

Sem estardalhaço, portanto, os homens que efetivamente barraram o golpe não salvaram apenas o regime supostamente democrático brasileiro, mas também alguns de seus autoproclamados defensores.

Essa é a história que o STF deveria contar.

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com

quinta-feira, 28 de novembro de 2024

O golpismo dos malucos e o golpismo dos profissionais

Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 22 de novembro de 2024

O golpismo dos malucos e o golpismo dos profissionais

Pacificar o pais, afinal, não é fechar os olhos para aqueles que tramavam nas sombras incendiá-lo para não deixar o poder. Guilherme Macalossi para a Gazeta do Povo:

As câmeras de segurança da Praça dos Três Poderes registraram para a história a imagem desesperada e patética de um extremista tentando, pelos meios que tinha, destruir o Supremo Tribunal Federal e, simbolicamente, a estrutura institucional do país. Francisco Wanderley Luiz, o Tio França, era o radical do golpismo na ponta, sem juízo e cheio das certezas que lhe foram inoculadas na cabeça. Devia se achar parte daquilo que Jair Bolsonaro descrevia como seu “exército”. E se propôs, ultrapassando qualquer limite, empreender uma “missão patriótica” em nome daquilo que muitos chamam distorcidamente de "defesa da liberdade”. Um mártir em nome da causa do golpismo, como outros tantos a protagonizar cenas de terror mundo afora.

Ainda que tenha dado cabo da própria vida e colocado a de terceiros em risco, Tio França era menos perigoso que outros agentes que tentaram fazer o mesmo golpismo, mas juntando a convicção e o “senso de dever” com o método e o treinamento de uma vida. Enquanto ele recorria a fogos de artifício e a explosivos improvisados, outros maquinaram e colocaram em prática ações de espionagem e estratégia militar com o objetivo de matar autoridades e líderes políticos eleitos. Nesse verdadeiro zeitgeist do golpismo que foi insuflado no Brasil nos últimos quatros anos, há os malucos e os profissionais.

Na última terça-feira, a Polícia Federal deflagrou uma operação para desbaratar uma organização criminosa que planejou impedir a posse de Lula. Cinco pessoas foram presas. O general de brigada Mário Fernandes (da reserva), o tenente-coronel Helio Ferreira Lima, os majores Rodrigo Bezerra Azevedo e Rafael Martins de Oliveira, (todos eles integrantes das Forças Especiais do Exército), e também o policial federal Wladimir Matos Soares.

Segundo a investigação “a organização se utilizou de elevado nível de conhecimento técnico-militar para planejar, coordenar e executar ações ilícitas nos meses de novembro e dezembro de 2022”. Além de impedir a posse do presidente eleito, o objetivo era assassiná-lo, junto com o então vice-presidente Geraldo Alckmin e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes. Um gabinete de crise seria então instaurado de maneira a reestabelecer a ordem nacional.

Desde que caiu o sigilo da decisão de Alexandre de Moraes e tornou-se pública a conspirata dos envolvidos, já há quem esteja reciclando a tese dos “atos preparatórios” para isentá-los de qualquer responsabilidade. Como se nada tivesse ocorrido apenas porque a pretensão fora frustrada. De fato, conjecturar a prática de um crime não é punível, mas não está se falando apenas disso. Os agentes envolvidos montaram uma organização que já implementava ações objetivas com vistas a cumprir o objetivo de derrubar o sistema democrático, incluindo ai o monitoramento ilegal das autoridades e infiltração no esquema de segurança de Lula.

Há uma confusão deliberada aqui entre o crime de homicídio e o crime de tentativa de abolição do Estado de Direito. As mortes de Lula, Alckmin e Moraes não eram o fim em si mesmo, mas o meio para alcançar o objetivo verdadeiro: a usurpação do poder mediante uma série de outros atos decorrentes dos assassinatos. E sim, estamos a falar de uma série de ações que já estavam em curso, não de diletantismo ou de conjecturas.

O Brasil já conviveu demais com anistias e esquecimentos, muitas vezes com trágicas consequências para a própria democracia. Pacificar o pais, afinal, não é fechar os olhos para aqueles que tramavam nas sombras incendiá-lo para não deixar o poder.

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com

Editorial do Estadão: "Bolsonaro nu"

Artigo e comentários compartilhados do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 28/11/2024

> Editorial do Estadão: Bolsonaro nu

O relatório final da Polícia Federal (PF) sobre a tentativa de golpe de Estado que teria sido urdida no seio do governo de Jair Bolsonaro para aferrá-lo ao poder decerto não surpreendeu quem acompanhou minimamente a vida pública do ex-presidente. Desde quando saiu do Exército em desonra, passando por uma frívola carreira parlamentar – que, se prestou para alguma coisa, foi para enriquecê-lo, além de sua família – até chegar à Presidência da República, Bolsonaro jamais traiu seu espírito golpista. De mau militar e mau deputado a mau presidente, foram quase 40 anos de exploração da insurreição e da infâmia como ativos políticos.

Este jornal, seguramente, não está surpreso com o que veio a público após o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), levantar o sigilo sobre o referido relatório. Afinal, faz quase 25 anos que já sublinhávamos nesta página o vezo parasitário de Bolsonaro no Brasil pós-redemocratização, chamando-o pelo que é: um desqualificado que se serve das mesmas liberdades democráticas que sempre quis obliterar (ver o editorial Dejetos da democracia, 8/1/2000).

A rigor, ninguém precisava de um relatório policial de mais de 800 páginas para saber que Bolsonaro é um golpista inveterado. Quem já votou nele ao longo da vida pode alegar tudo, menos desconhecimento de sua índole destrutiva. Mas, para quem quiser, aí está o portentoso material reunido pela PF a encadear fatos e personagens com notável robustez, além de desnudar o espírito insurreto que jamais deixou de guiar o ex-presidente ao longo de sua trajetória.

Segundo a PF, Bolsonaro “planejou, atuou e teve domínio de forma direta e efetiva” das tramoias para impedir a posse do presidente Lula da Silva, o que teria incluído até um suposto plano para assassiná-lo, entre outras autoridades. E não só entre novembro e dezembro de 2022, mas durante todo o mandato – que, recorde-se, começou com a disseminação de mentiras sobre a suposta “fragilidade” das urnas eletrônicas. Ainda de acordo com a PF, essa desabrida campanha de desqualificação do sistema eleitoral já era parte do plano golpista de Bolsonaro para se insurgir contra um resultado nas urnas que não fosse a sua reeleição, contando que a desconfiança que semeou entre milhões de brasileiros poderia lhe ser útil no futuro.

É fundamental frisar que ainda se está em fase de inquérito policial. De modo que o contraditório e a ampla defesa só estarão plenamente garantidos aos 37 indiciados, como é próprio do Estado Democrático de Direito, mais à frente, vale dizer, se e quando a Procuradoria-Geral da República (i) oferecer denúncia contra eles, (ii) as acusações forem aceitas pelo STF e (iii) o caso, então, entrar na fase judicial propriamente dita. Entretanto, as eventuais provas que poderão ser apresentadas à Justiça pelo parquet, obviamente, serão decisivas apenas, por assim dizer, para o destino penal de Bolsonaro. Já sobre seu golpismo não há prova mais cabal de que se trata de um inimigo figadal da democracia do que seu próprio passado.

Nesse sentido, é estarrecedor ainda haver no seio de uma sociedade que se pretende livre e democrática quem admita a presença de alguém como Bolsonaro na vida política. Ou pior, que enxergue como “democrata”, “patriota”, “vítima do sistema” ou baboseira que o valha um sujeito de quinta categoria que já defendeu o fechamento do Congresso, lamentou o “baixo número” de concidadãos torturados e mortos nos porões da ditadura militar, pregou o fuzilamento do presidente Fernando Henrique Cardoso e trata adversários políticos como inimigos a serem eliminados, inclusive fisicamente. Ademais, Bolsonaro jamais desestimulou as manifestações de teor golpista realizadas em seu nome, como os acampamentos na frente de quartéis País afora. Tudo indica que não o fez para falsear um “clamor popular” pelo golpe e, assim, pressionar as Forças Armadas a apoiá-lo na intentona – o que, para o bem do Brasil, não ocorreu.

A Justiça, primeiro, e a História, depois, hão de ser implacáveis com Bolsonaro e todos os que flertaram com a destruição da democracia no Brasil.

> COMENTÁRIOS

AHTquinta-feira, novembro 28, 2024 

Ao ler o editorial do Estadão intitulado “Bolsonaro nu”, me deparei com a citação de outro editorial, publicado em 08 de janeiro de 2000, na página 3 do O Estado de S. Paulo.

No acervo do Estadão, localizei esse editorial, fiz o download da página (arquivo PDF) e tentei convertê-la para o Word. No entanto, o resultado não atendeu às minhas expectativas. Então, decidi copiar o conteúdo, digitando diretamente no Word. Vide, a seguir:

AHTquinta-feira, novembro 28, 2024 

>> Dejetos da Democracia

Há quem diga, com o maior sarcasmo, que o deputado federal e capitão da reserva Jair Bolsonaro presta um relevante serviço à Democracia, porque faz lembrar os piores temos em que os militares estavam no poder – exercendo, sob este aspecto, um papel didático para as novas gerações.

Sarcasmos à parte, os militares brasileiros não merecem essa desmoralizante “representação” congressual. Até porque esse irresponsável congressista, de fato, não representa ninguém, a não ser, talvez, alguns adeptos de um folclórico e anacrônico radicalismo de direita. É claro, que ele, jamais poderá falar pelos militares, o que não o impede confundir os desavisados e dar a impressão de que exerce, no Parlamento esse tipo de representação.

Ao apregoar, pela segunda vez (na primeira referiu-se ao que os militares “deveriam ter feito” com Fernando Henrique Cardoso) nada menos do que o fuzilamento do presidente da República, o sr. Bolsonaro apenas se mostrou coerente, em relação ao fulcro de sua carreira política, que, de forma inacreditável, o faz exercer o segundo mandato no Parlamento federal.

Talvez muitos não se recordem de que esse cidadão se tornou publicamente conhecido quando divulgou seu plano de explodir o sistema de abastecimento de água do Rio de Janeiro, em protesto contra a falta de reajuste nos ganhos de seus colegas militares.

Se a proposta de fuzilamento do presidente da República não é um casso de absoluta falta de decoro parlamentar, é difícil imaginar o que o seja. Disse bem o líder do PT na Câmara, deputado José Genoíno: “Direito de opinião não pode ser usado para pregar assassinato.”

Neste sentido é mais do que oportuna uma punição drástica para quem não só ultrapassa, reiteradamente, os limites do decoro parlamentar, como revela personalidade – seja ou não psicopática – de toda incompatível com a representação legislativa, a ponto de já ter defendido sem nenhuma sutileza, o fechamento puro e simples do Congresso. Vale dizer, Bolsonaro é um parlamentar que tem se valido das liberdades democráticas para tentar eliminá-las.

(Em destaque, em quadro entre parágrafos: O deputado Jair Bolsonaro usa a democracia que quer destruir)

Agora, se a punição decidida for a mera suspensão do mandato do sr. Bolsonaro, mesmo que por longo período, a Câmara dos Deputados estará fazendo, exatamente, o que mais deseja esse elemento, que busca consolidar sua imagem de “herói” e “vítima” incompreendida, defensor destemido dos valores da caserna.

É evidente que os militares deveriam ser os maiores interessados na cassação de quem, até agora, só desmoralizou suas reivindicações. Mas é o Legislativo federal que deve cuidar da própria imagem, que depende do comportamento de seus membros.

Então, a única solução é cassar logo o mandato desse deputado por manifesta e notória quebra de decoro, afastando-o da vida política para a qual não está preparado.

Ao contrário dos regimes autoritários, as democracias se caracterizam pela plena liberdade de expressão e heterogeneidade, praticamente sem limites, da representação parlamentar. Essa liberdade e essa heterogeneidade fazem com que, muitas vezes, se tenha de tolerar, em nome da Democracia, atitudes abusivas, se não absurdas.

Não se considere, porém, que a Casa Legislativa de uma democracia deva ser tolerante, obrigada a dar abrigo, a quem apregoa a extrema intolerância. Figuras dessa espécie, que envergonham a instituição parlamentar, em qualquer lugar do mundo, dela tem que ser expelidas num processo natural de limpeza, pois a Democracia também tem que saber administrar, com tranquilidade, o escoamento de seus dejetos.

AHTquinta-feira, novembro 28, 2024 1:59:00 PM

>>> Correção (digitação), nesses dois parágrafos:

Há quem diga, com o maior sarcasmo, que o deputado federal e capitão da reserva Jair Bolsonaro presta um relevante serviço à Democracia, porque faz lembrar os piores tempos em que os militares estavam no poder – exercendo, sob este aspecto, um papel didático para as novas gerações.

Se a proposta de fuzilamento do presidente da República não é um caso de absoluta falta de decoro parlamentar, é difícil imaginar o que o seja. Disse bem o líder do PT na Câmara, deputado José Genoíno: “Direito de opinião não pode ser usado para pregar assassinato.”

Texto de artigo e comentários reproduzidos do blog: otambosi.blogspot.com

sexta-feira, 22 de março de 2024

Áudios de Mauro Cid não anulam investigação e podem devolvê-lo à cadeia

Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 22 de março de 2024

Áudios de Mauro Cid não anulam investigação e podem devolvê-lo à cadeia

Suas declarações são contraproducentes para sua defesa e inúteis no esforço de anular os inquéritos em curso. Guilherme Macalossi para a Gazeta do Povo:

Seria ingenuidade imaginar que os áudios de Mauro Cid com acusações contra a Polícia Federal e ataques ao ministro Alexandre de Moraes constituam um mero “vazamento”. O teor das falas parece calculado para tentar anular sua própria delação premiada, talvez com o objetivo final de atrapalhar as várias investigações que envolvem ele e outras figuras do governo Bolsonaro, principalmente o ex-presidente. Se, de fato, foi isso que aconteceu – e é uma hipótese que não pode ser descartada –, o efeito será negativo apenas para ele, que pode ter a suspensão dos efeitos benéficos de sua colaboração, como a uma nova decretação de prisão.

Ciente do provável prejuízo que a matéria da revista Veja pode acarretar ao ex-ajudante de ordens, a defesa de Cid divulgou nota oficial classificando seu conteúdo como possivelmente “clandestino” e que os supostos diálogos “em nenhum momento coloca em xeque a independência, funcionalidade e honestidade da Polícia Federal, da Procuradoria-Geral da República ou do Supremo Tribunal Federal na condução dos inquéritos em que é investigado e colaborador”.

O efeito político, entretanto, parece já ter sido atingido. Bolsonaristas já estão usando os áudios como base para reforçar seu posicionamento de que o STF promove uma perseguição contra a cúpula do antigo governo, e acham que com isso se evidencia a ilegalidade de todos os procedimentos adotados nas investigações, o que comprometeria sua continuidade. Mas a gritaria é precipitada.

Experiente que é, o advogado Cezar Bitencourt, que representa Cid, sabe muito bem que a eventual anulação da delação de seu cliente não encerraria as apurações. Há outros elementos constantes que ampliaram o leque de provas e indícios, e que não se sustentam nem dependem exclusivamente dos depoimentos do militar para continuar.

A Operação Tempus Veritatis, por exemplo, tem mais de mil páginas de relatório policial. O celular de Cid, apreendido antes de ele fazer o acordo de delação, subsidiou as investigações com áudios, prints, trocas de mensagens e outros elementos que ajudaram a materializar diversas acusações que não seriam afetadas caso ocorresse uma anulação. E esta é apenas uma das muitas fontes de informação, inclusive com outros depoimentos até mais relevantes, como o do general Freire Gomes, que deu detalhes dos encontros no Planalto com a apresentação da minuta golpista.

Se de fato houve coação da Polícia Federal, Cid terá de provar. Mas esse não parece ser o desejo de seu advogado, que tratou de contemporizá-lo e, sim, também desmenti-lo. Se ele faz jogo duplo, se pretende com isso passar um recado para outros implicados na investigação, se quer obstruir a Justiça, o fato é que suas declarações são contraproducentes para sua defesa e inúteis no esforço de anular os inquéritos em curso. Desesperado, Cid apenas dança na beira do abismo, e da cadeia.

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com

sábado, 16 de março de 2024

A palavra do general contra Jair Bolsonaro

Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 15 de março de 2024

A palavra do general contra Jair Bolsonaro

Fica cada vez mais evidente, com os detalhes revelados no aprofundamento das investigações, que a tal minuta não era um documento banal entregue fortuitamente. Guilherme Macalossi para a Gazeta do Povo:

A delação premiada de Mauro Cid não é mais o único testemunho direto de um membro do círculo íntimo de poder a relatar a tramoia golpista que se desenhava no Palácio do Planalto no curso de 2022. O depoimento do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro abriu uma verdadeira caixa de Pandora, na medida em que outros que personagens relevantes citados por ele passaram a corroborá-lo, inclusive das próprias Forças Armadas. As declarações mais relevantes e graves são as do general Freire Gomes, ninguém menos do que o então comandante do Exército.

Em sua coluna em O Globo, Bela Megale trás detalhes do que disse o militar para a Polícia Federal em depoimento extenso que levou cerca de 7 horas. Segundo a jornalista, Freire Gomes, que foi citado na delação de Cid, afirmou que Bolsonaro apresentou ao menos três versões diferentes de minutas com ações que poderiam levar a uma ruptura da ordem democrática. A insistência em discutir o assunto e tomar uma medida extrema, levou o general a advertir o então presidente com uma possível ordem de prisão.

Na manifestação do dia 25 de fevereiro, Bolsonaro admitiu a existência da minuta. “Agora o golpe é porque tem uma minuta de um decreto de Estado de Defesa. Golpe usando a Constituição? Tenham santa paciência”, disse para os apoiadores. Ainda que ele tenha buscado relativizá-la como um ato legítimo da Presidência, sua a defesa foi a campo para tentar contornar o que poderia agravar sua situação na Justiça. “Declaração do presidente foi em cima da minuta que ele só teve conhecimento em outubro de 2023. Não reforça em nada a investigação, porque foi a primeira minuta que ele viu. Não tinha visto antes”, declarou seu advogado para a Folha de São Paulo. Tanto da delação de Cid quanto o depoimento do general Freire Gomes contradizem essa versão.

Os defensores da tese dos “atos preparatórios” acham que tudo isso não passou de abstração. Que um presidente pode sair a reunir generais para estudar o que fazer com as instituições, confabular meios para depor integrantes de outros poderes e até prendê-los, usar ardis jurídicos de forma a legitimar sua permanência no poder ou anular na canetada o resultado da eleição.

Ainda que o Estado de Defesa, a Garantia da Lei e da Ordem e o Estado de Sítio sejam institutos jurídicos, todos têm regras de aplicação. A existência deles prevista na Constituição não é salvo-conduto para o uso indevido. A minuta identificada na casa de Torres era uma excrescência legal que colocava o Poder Judiciário sob as ordens dos militares.

Fica cada vez mais evidente, com os detalhes revelados no aprofundamento das investigações, que a tal minuta não era um documento banal entregue fortuitamente e separado para o descarte, como alegou a defesa do ex-ministro da Justiça. Sua materialização foi elaborada minuciosamente, inclusive em reuniões com a presença de membros da alta cúpula das Forças Armadas. Só não foi editado por falta de apoio da Aeronáutica e, mais importante, do Exército. Mas não faltou gente a buscar, por todos os meios, uma forma de viabilizá-lo na prática. É a palavra do general.

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com

Boletim do Professor Villa > Depoimento do Gal. sobre a ameaça de golpe

sexta-feira, 8 de março de 2024

'O Golpe Tabajara', por Jorge Santana

Artigo compartilhado do site DESTAQUE NOTÍCIAS, de 7 de março de 2024

O Golpe Tabajara
Jorge Santana*

Em plena terceira década do século XXI, parecia não fazer sentido algum acreditar na viabilidade de um golpe militar no Brasil, mesmo considerando que os primeiros 75 anos da história republicana foram marcados por sucessivos golpes de estado, mais precisamente sete, todos eles com marcante participação dos militares.

Acreditava-se que um golpe violento como o de 64 não prosperaria por diversas razões, dentre as quais: o líder do movimento, Bolsonaro, contava com um “invejável” índice de reprovação popular que chegou a ultrapassar a barreira dos 60%; a grande mídia tinha se tornado, majoritariamente, antibolsonarista; e o grande capital já havia desembarcado da aventura ultraliberal errática, sobrando apenas o apoio da parte mais retrógrada e menos inteligente do empresariado, sobretudo do agronegócio.

Não sendo viável esse anacrônico golpe militar, permanecia a preocupação diante dos delírios autoritários de Bolsonaro e seus devotos, alertados que éramos pelos ensinamentos de dois conceituados professores de Harvard – Steven Levitsky e Daniel Ziblatt -, em seu best-seller “Como as democracias morrem”.

O mais importante alerta do livro é o seguinte: a democracia, atualmente, não termina com uma ruptura violenta nos moldes de um golpe militar. Agora, a escalada do autoritarismo se dá com o enfraquecimento lento e constante de instituições críticas, como o judiciário e a imprensa, e a erosão gradual de normas políticas de longa data, leia-se o sistema de freios e contrapesos que garante a harmonia entre os poderes.

Didaticamente, o livro apresenta os quatro principais indicadores de comportamento autoritário: rejeição das regras democráticas do jogo; negação da legitimidade dos oponentes políticos; tolerância ou encorajamento à violência; e propensão a restringir liberdades civis de oponentes, inclusive a mídia.

Impressionava constatar que o bolsonarismo seguia fielmente esse script, ou seja, flertava com o golpe militar e, ao mesmo tempo, deslizava gradualmente para o autoritarismo, diga-se de passagem com a conivência de uma maioria parlamentar bem alimentada com generosos nacos de poder e com o imoral orçamento secreto.

Em meados de 2022, já cientes da iminente derrota no pleito que se avizinhava, a caterva palaciana avançou no desenho do golpe, na expectativa de atacar as instituições antes das eleições, mas não reuniu força suficiente. Findo o pleito, agora derrotados nas urnas, retomaram o intento, desta feita manipulando fanáticos de mentes fracas que fecharam rodovias, acamparam em portas de quartéis, cantaram o Hino Nacional para pneus, imploraram apoio de ETs, promoveram desordem no dia da diplomação do presidente eleito e, por um triz, não explodiram o aeroporto de Brasília, naquilo que poderia vir a ser o mais grave atentado terrorista jamais ocorrido no país.

De nada adiantou, mas eles não desistiram. Inflamados pela ordem subliminar (e pusilânime) dos mandantes, incentivados por ventríloquos que utilizavam (e seguem utilizando) as redes sociais como palco e patrocinados por empresários que optaram por delinquir, a turba protagonizou a Intentona Bolsonarista de 8 de Janeiro de 2023, um espetáculo deprimente, que serviu para reafirmar o insuperável grau de estupidez do bolsonarismo.

Como vimos antes, a extrema-direita do resto do mundo tem como estratégia promover a erosão da democracia não por meio de golpes militares ou revoluções abruptas, mas por um processo gradual e, algumas vezes, imperceptível, onde líderes eleitos minam deliberadamente as instituições democráticas. Os regimes autocráticos da Turquia (Recep Erdogan), Hungria (Viktor Oban) e Rússia (Vladimir Putin) são bons (ou melhor, maus) exemplos.

Derrotado na busca pela reeleição, restou ao bolsonarismo a tentativa de golpe, uma verdadeira Operação Tabajara, sem chance de durar mais do que alguns dias, atestando o incomparável grau de obtusidade do líder e daqueles que abandonaram supostas reputações para servir a um projeto antinacional e antipovo.

No plano externo, retaliações internacionais, políticas e econômicas, trariam prejuízos inestimáveis ao comércio exterior e, por via de consequência, ao conjunto da economia. No interno, mesmo com prisões atabalhoadas, as instituições e a imprensa não se curvariam facilmente, sobretudo porque a maioria do povo brasileiro, que acabara de optar pelo fim da tragédia bolsonarista, jamais aceitaria que fosse devolvida da lata de lixo da história.

Essa tentativa de destruir a nossa jovem democracia impõe que resgatemos lições do passado. Em grande medida, o que se viu agora não teria acontecido se no processo de redemocratização que pôs fim à abjeta Ditadura Militar não tivesse havido a inaceitável “anistia ampla, geral e irrestrita”, que serviu para encobrir e condenar ao esquecimento a perversão criminosa daquele regime.

Atentar contra a democracia é crime de lesa pátria que não pode ser atenuado, por isso as penas precisam ser severas, mais ainda para os mandantes – com destaque para o maior beneficiário -, para os propagadores e para os financiadores. Cumpre não esquecer que este é um dos muitos crimes cometidos no desgoverno bolsonarista, um deles de gravidade semelhante: a conduta delituosa que culminou com centenas de milhares de vidas perdidas para a covid-19, por ação e omissão intencionais, fartamente reveladas na CPI da Pandemia.

Por tudo isso, a palavra de ordem tem que ser SEM ANISTIA!

*Ativista pró-democracia.

Texto e imagem reproduzidos do site: destaquenoticias com br

quinta-feira, 7 de março de 2024

A montanha pariu um rato

Pesquisa Quest: 47% dizem que Bolsonaro participou da trama do golpe

Artigo compartilhado do site JLPOLÍTICA, de 1 de março de 2024

A montanha pariu um rato

A expressão do título é de uma história atribuída a Esopo, que não aparece em sua obra, mas na Arte Poética de Horácio, como pequena história entre as fábulas de Fedro. Ora, se parece muito complicado para um escriba rudimentar, imagina nas cabeças ocas de Bolsonaro, Malafaia e Michelle, sem falar nos demais descerebrados do ato do dia 25 de fevereiro, domingo passado.

Segundo os escritos, uma montanha estava prestes a dar à luz e gemia de uma forma fora do normal. Os barulhos geraram grandes expectativas nas cercanias, mas no final, ela acabou por dar à luz um rato.

Moral da história: essa fábula foi escrita para todos aqueles que após proferirem muitas ameaças, não fazem nada que produzam o efeito propagandeado. E foi isso o que aconteceu na tarde de domingo 25 de fevereiro na Avenida Paulista na cidade de São Paulo.

Em resposta, o coeso colegiado de ministros do Supremo Tribunal Federal disse solenemente: o ato da Avenida Paulista não muda em nada se Jair Bolsonaro tiver que ser preso. Eis aí o rato!

Teve muita gente no ato? Teve sim, senhor! Segundo o Monitor do Debate Político no Meio Digital da Universidade de São Paulo, que não é da esfera do Governo Federal, tinha 185 mil pessoas, o que dá para acreditar pelas diversas imagens divulgadas no decorrer do evento.

Então cabe a pergunta: quem era aquela gente? Segundo a mesma fonte de checagem, a USP, 75% eram brancos, sendo 41% homens com ensino superior e católicos, com renda muito superior à faixa específica da massa trabalhadora, 88% deles acreditam que Bolsonaro venceu a eleição de 2022 e 94% acreditam que as perseguições a Jair Bolsonaro caracterizam uma ditadura. Ufa!

No meio da massa de manifestantes, tinham pessoas de outros Estados, tias do zap, que exibiam bandeiras com estrela de 5 pontas como se fossem de Israel e diziam defender o país porque o povo de lá é cristão e que o presidente Lula agrediu todos os judeus.

Ainda, segundo o Monitor da USP, a massa da manifestação era de eleitores bastante radicalizados de Bolsonaro que defendiam que ele deveria ter dado um golpe utilizando uma GLO, que não sabiam exatamente o que significa ou invocado o artigo 142 da Constituição Federal em flagrante atestado de deficiência cognitiva.

No questionário da pesquisa feita simultaneamente, na pergunta “caso Bolsonaro não seja candidato em 2026, em quem o senhor ou a senhora votaria?” 61% disseram votar em Tarcísio de Freitas, atual governador de São Paulo; 19% em Michelle Bolsonaro e 7% em Romeu Zema, governador de Minas Gerais - todos presentes e no palanque.

Com a cena histórica de uma parte da massa cantando “Para não dizer que não falei das flores”, de Geraldo Vandré, música proibida e autor preso na ditadura militar, cujos ídolos, como o assassino e torturador Brilhante Ustra, eles exaltam até os dias de hoje.

Fazendo comparativo das imagens de domingo com as convocadas em toda a programação das grades da Globo para derrubar Dilma Rousseff da Presidência da República, a chamada massa cheirosa, não se consegue identificar pessoas negras, o que caracteriza uma manifestação de supremacia branca.

Em vez de passos à frente dos radicais de direta, o que se viu em seguida foram recuos e fake news. Em verdade, a saída pelo recuo pode estar ligada ao telefonema de Fabrício Queiroz para Santini, ex-sócio de Flavio Bolsonaro nas lojas de chocolate, com ameaças veladas.

Ainda não dá para cantar vitória antecipada, como alertou o ministro Alexandre de Moraes, mas a pesquisa Quest soltada dois dias depois sinaliza a provável morte do rato.

O declínio já é visível nos números: 47% dizem que Bolsonaro participou da trama do golpe; 50% dizem que é justo que ele seja preso; 39% dizem que não é justo que ele seja preso, sinalizando que a boca do jacaré está abrindo!

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Articulista Rômulo Rodrigues é ex-operário e sindicalista aposentado. 

Texto e imagem reproduzidos do site: www jlpolitica com br

terça-feira, 5 de março de 2024

O 'bem' contra o 'mal': o apocalipse segundo Michelle

Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 3 de março de 2024

O 'bem' contra o 'mal': o apocalipse segundo Michelle.

Ao tratar a política como guerra santa entre o ‘bem’ e o ‘mal’, como fez na Paulista, a ex-primeira-dama deixa claro que espera dos fiéis da seita bolsonarista fé absoluta em seu marido. Editorial do Estadão:

No discurso de abertura da manifestação bolsonarista de domingo passado, Michelle Bolsonaro tratou como um triunfo do “mal” o fato de haver no Brasil a devida separação entre política e religião. “Por um tempo, fomos negligentes ao ponto de dizer que não poderiam misturar política com religião”, disse a ex-primeira-dama. “E o mal tomou, e o mal ocupou o espaço. Chegou o momento, agora, da libertação. ‘Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará’”, concluiu Michelle, reproduzindo o versículo da Bíblia que serviu como mote da campanha de seu marido à reeleição.

Ao questionar a laicidade do Estado, a ex-primeira-dama explicitamente atenta contra essa conquista civilizatória da sociedade brasileira, que remonta ao fim do século 19, e é uma das cláusulas pétreas da Constituição de 1988. Nada disso causa surpresa nem é novidade, dada a sistemática campanha do bolsonarismo para transformar os anseios cristãos, particularmente evangélicos, em arma política. Mas o apelo escatológico de Michelle Bolsonaro neste momento sugere que o bolsonarismo pretende caracterizar as agruras do ex-presidente Jair Bolsonaro na Justiça como parte da luta do bem – Bolsonaro, é claro – contra o mal, isto é, o Supremo Tribunal Federal e, particularmente, o ministro Alexandre de Moraes.

Ao trazer explicitamente a questão política e jurídica para o terreno do fundamentalismo religioso, o bolsonarismo não admite heresias: para ter a bênção de Bolsonaro, é preciso demonstrar fé inabalável em sua doutrina e em seu evangelho. Quando diz e repete que ganhou a eleição de 2022, Bolsonaro não precisa apresentar provas: por sair da boca de um sujeito que se julga escolhido por Deus, sua palavra basta.

“Aprouve ao Senhor nos colocar à frente desta nação. Aprouve a Deus nos colocar na Presidência da República”, disse Michelle na manifestação. Portanto, conforme essa exegese, se Deus pôs, só Deus poderia tirar. Não à toa, uma pesquisa da USP com participantes da manifestação bolsonarista mostrou que, para nada menos que 88% dos entrevistados, Jair Bolsonaro venceu a eleição de 2022 e só não foi empossado porque uma fraude o impediu. Sem qualquer respaldo em fatos concretos, tal conclusão só pode ser resultado de fé absoluta, a mesma que move os 94% dos presentes que, conforme a mesma pesquisa, disseram acreditar que o Brasil vive sob uma “ditadura” em razão do que qualificam como “excessos e perseguições” da Justiça. O fato de que participavam de uma manifestação política de oposição ao atual governo sem serem incomodados pelas forças do Estado, algo que por si só desmente a conclusão de que vivemos sob uma “ditadura”, não parece ter sido suficiente para importar alguma dúvida – prevaleceu a certeza mística produzida pelo bolsonarismo radical.

Diante disso, a aposta de Michelle numa abordagem sobrenatural e escatológica, numa ideia de que estamos testemunhando a luta final do “bem” contra o “mal”, como se a política fosse uma guerra santa de aniquilação, revela-se muito eficaz, sobretudo diante do iminente encontro de Bolsonaro com seu inexorável destino jurídico-penal. Nada, pois, é fortuito.

O fanatismo religioso é, por óbvio, a negação da política. Para os fanáticos, não há adversários políticos a contestar, e sim inimigos demoníacos a eliminar. Não existem dúvidas, apenas certezas, estabelecidas por Deus por intermédio de seus profetas iluminados. O apelo ao mistério é a repulsa aos fatos, sobre os quais é preciso haver consenso mínimo para estabelecer qualquer forma de diálogo. A prevalecer o místico – instrumentalizado por lideranças políticas ou partidos de quaisquer inclinações ideológicas –, tem-se o fim da concertação civilizada entre os interesses em disputa numa sociedade plural e democrática. Certamente é isso o que pretendem os fanáticos bolsonaristas, e é contra isso que devem lutar os que prezam a democracia e a liberdade.

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com

segunda-feira, 4 de março de 2024

‘Diário’ de Heleno previa prender delegados da PF após golpe de Estado

Legenda da foto: General Augusto Heleno - (Crédito da foto: Reuters/Adriano Machado)

Publicação compartilhada do site JORNAL DO BRASIL, de 3 de março de 2024

‘Diário’ de Heleno previa prender delegados da PF após golpe de Estado

Agenda repleta de anotações do general revela cariz autoritário do ex-ministro do GSI. Ele queria definir o que é 'legal' e 'ilegal' para prender adversários

Redação JORNAL DO BRASIL com Revista Fórum (redacao@jb.com.br)

Henrique Rodrigues - Um diário apreendido na casa do general Augusto Heleno, ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) no governo de Jair Bolsonaro (PL), durante a Operação Tempus Veritatis, no início de fevereiro, trazia um roteiro detalhado dos procedimentos autoritários que deveriam ser tomados após um golpe de Estado que era planejado pelos integrantes da antiga administração federal derrotada nas urnas por Lula (PT) e, entre os itens anotados, estava a prisão de delegados da PF que “cumprissem ordens manifestamente ilegais”. A informação é da revista Veja, que teve acesso às cópias das páginas da agenda apreendida.

O problema é que, na visão autoritária de Heleno, era ele quem definiria o que era “legal” ou “ilegal”. Na verdade, pelas anotações, a ideia era dar essa incumbência à Advocacia-Geral da União (AGU), um órgão que por lei é o responsável pela representação, fiscalização e controle jurídicos da União, assim como pelo zelo do patrimônio público e a defesa de integrantes do governo federal em caso de acusações no âmbito de suas funções, algo sem qualquer relação com a atividade de controlar a legalidade ou ilegalidade de decisões tomadas pelo poder Judiciário. Tal ideia é absolutamente descabida e sem sentido.

“O AGU faz um texto fundamentado na Const. Federal afirmando sobre ordem ilegal. Existe um princípio de Direito que ordem manifestamente ilegal não se cumpre... Aprovando o parecer do AGU, para toda ordem manifestamente ilegal não é para ser cumprida porque seria Crime de Responsabilidade”, diz o trecho escrito à mão por Heleno na agenda, que era direcionado aos delegados de Polícia Federal que cumprem ordens de prisão, ou ainda de busca e apreensão, determinadas por juízes ou ministros de tribunais superiores, incluindo o STF.

Heleno mantinha em seu poder, também, dois documentos com nomes muito sugestivos relacionados à trama golpista que não se concretizou. “Chegou a hora de salvar o Brasil” e “General Heleno” era os textos que apontavam uma imaginária fraude nas eleições de 2022 que seriam a desculpa para uma ruptura institucional. O oficial-general guardava também supostos relatórios de irregularidades nas urnas usadas no último pleito presidencial, que recebiam os nomes de “Relatório de Análise Urna Eletrônica (2016)”, “Relatório de Análise dos Código-fonte dos sistemas eleitorais (2018)”, “Relatório dos testes de confirmação TPS (2019)” e “Relatório de Inspecção de Códigos-fontes do Sistema Brasileiro de Votação Eletrônica edição 2020”, o que era referido pelo general como um “Dossiê ‘O mecanismo das fraudes’”.

Texto e imagem reproduzidos do site jb com br

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

A semântica do golpe

Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 15 de fevereiro de 2024

A semântica do golpe

Pode-se discutir se Bolsonaro de fato tentou um golpe, se apenas o preparou ou se só o acalentou, mas é indiscutível que a ruptura democrática sempre esteve no horizonte bolsonarista. Editorial do Estadão:

Parece haver controvérsia semântica em relação à tipificação dos crimes de que o então presidente Jair Bolsonaro e alguns de seus auxiliares são suspeitos em razão da investigação da Polícia Federal sobre um suposto complô para subverter o resultado da eleição presidencial de 2022. Há quem diga que se trata de “tentativa” de golpe de Estado, o que acarretaria duras penas aos envolvidos, e há quem sustente que não houve “tentativa”, apenas conversas e etapas preparatórias, o que não configuraria crime à luz do diploma legal que trata do assunto, a Lei n.º 14.197/2021.

Nunca é demais salientar a importância da correta tipificação das acusações que provavelmente serão feitas contra Bolsonaro e os demais implicados no caso. Contudo, seja qual for a terminologia jurídica que se use no processo, o fato incontestável é que, a julgar pelo que veio à luz até agora, havia notável ânimo golpista no governo passado. Não se trata de opinião. É um fato – sobre o qual qualquer eventual controvérsia será desde logo falsa, motivada pelo cinismo habitual de quem explora as garantias constitucionais para defender projetos liberticidas de poder.

Nada disso, aliás, surpreende. Ao longo de mais de três décadas de vida pública, jamais houve por parte de Bolsonaro uma só demonstração de apreço sincero pela ordem constitucional vigente, por mais encabulada que fosse. Muito pelo contrário.

Bolsonaro é um golpista de corpo e alma. O mau militar, que deixou o Exército em desonra em 1988, nunca fez as pazes com a redemocratização do País. Desde então, Bolsonaro apenas passou a se servir da política como mero instrumento para continuar fazendo o que fora impedido de fazer nos quartéis: insuflar a baderna, tratar adversários como inimigos e usar a truculência para impor uma agenda – além, é claro, de enriquecer a família.

Por isso, é um escárnio Jair Bolsonaro convocar um “ato pacífico” na Avenida Paulista, previsto para o próximo dia 25, “em defesa do nosso Estado Democrático de Direito” – o mesmo que ele desejava abolir e o mesmo que ele gostaria de ver negado a seus adversários, como deixou claro nas reiteradas vezes em que defendeu até o fuzilamento de quem se lhe opusesse.

O vezo golpista de Bolsonaro fica transparente até mesmo nesse simulacro de defesa do Estado Democrático de Direito. A tal manifestação não se presta a defender coisa alguma a não ser o próprio Bolsonaro. O objetivo do ato é tão escancarado que nem o ex-presidente tergiversou. “Mais do que discursos, (o importante é) uma fotografia de todos vocês (...) para mostrar para o Brasil e para o mundo a nossa união”, disse Bolsonaro em vídeo divulgado por suas redes sociais. Ora, o que é isso senão uma tentativa – mais uma – de estimular a hostilidade de parte da sociedade contra o STF, que no futuro próximo haverá de julgá-lo?

No momento mais grave de toda a sua trajetória pública, Bolsonaro recorre às massas, por assim dizer, como forma de intimidação das autoridades incumbidas de investigar e julgar sua responsabilidade pela tentativa de golpe de Estado. Sob essa lógica truculenta, quanto mais gente na Avenida Paulista, mais receosas ficariam as autoridades, em particular os ministros do STF, em punir Bolsonaro. Portanto, está-se diante de mais um ato de insubmissão do ex-presidente ao mesmo Estado Democrático de Direito – que tem no devido processo legal um de seus pilares mais sólidos – que ora ele diz querer defender.

A rigor, no último domingo de fevereiro pode haver poucas dezenas de apoiadores em frente ao Masp ou dez quarteirões da Avenida Paulista ocupados por bolsonaristas. As instituições não podem usar a eventual baixa adesão ao ato para acelerar punições, tampouco se curvar às multidões. No regime republicano, impera a lei. E as autoridades devem se ater ao seu estrito cumprimento.

No mais, enquanto os juristas se entregam à discussão sobre as vírgulas das acusações contra Bolsonaro, não há dúvida de que, no julgamento moral, o ex-presidente já foi condenado há muito tempo.

Texto reproduzido do blog: otambosi blogspot com

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

'A origem de tudo', por Merval Pereira

Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 15 de fevereiro de 2024

A origem de tudo

O que havia, antes da eleição, era a vontade de impedir sua realização com o temor de que os “socialistas” voltassem ao poder. O que houve, depois da eleição, foi a tentativa de impedir que a vontade popular se concretizasse, tumultuando a diplomação e, posteriormente, o putsch de 8 de janeiro. Merval Pereira:

Em um país disfuncional como o Brasil, é possível confundir ações legais com ilegais, desde que se queira. Todo presidente da República eleito democraticamente tem a seu dispor uma série de medidas constitucionais a ser usadas em defesa do Estado Democrático de Direito. Portanto um presidente, como Bolsonaro era, discutir com assessores a adoção de medidas abrangidas pelo Estado de Emergência estaria perfeitamente dentro da lei.

Os próximos passos teriam de ser dados convocando o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitando depois a permissão do Congresso, no caso de Estado de Sítio, ou a ratificação, no caso do Estado de Defesa, o que não aconteceu. Graças às trapalhadas do Exército de Brancaleone, porém, sabemos hoje que não havia nenhuma razão prevista na Constituição para que se pensasse numa solução de força para impedir a eleição de 2022 ou a permanência de Lula como sucessor de Bolsonaro depois da vitória em segundo turno.

O que havia, antes da eleição, era a vontade de impedir sua realização com o temor de que os “socialistas” voltassem ao poder. O que houve, depois da eleição, foi a tentativa de impedir que a vontade popular se concretizasse, tumultuando a diplomação e, posteriormente, o putsch de 8 de janeiro — segundo o dicionário político, tentativa de golpe em conspiração secreta. Que, vê-se agora, não teve nada de secreto.

Em mensagens trocadas entre os conspiradores, em que a hierarquia militar foi quebrada, nada se encontrou que comprovasse a possibilidade de fraude nas urnas eletrônicas. Pela boca do presidente da República, ficamos sabendo que a participação dos militares no Conselho do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para assessoria da votação eletrônica serviu para que o governo tentasse provar, a qualquer custo, que haveria fraude eleitoral, boicotando internamente uma comissão para a qual a instituição fora convidada de boa-fé.

Nada foi encontrado, segundo os próprios golpistas. O constitucionalista Gustavo Binenbojm define com a simplicidade dos fatos a justificativa dos bolsonaristas, ao alegar que também a então presidente petista Dilma Rousseff mandou consultar os militares sobre a possibilidade de decretar Estado de Emergência devido ao processo de seu impeachment no Congresso:

— A comparação dos bolsonaristas com a “consulta” da Dilma na época do impeachment parece confirmar a tentativa de uso do Estado de Defesa ou Estado de Sítio para atentar contra a democracia. No caso da Dilma, para evitar o processo de impeachment e não sair do poder. No caso de Bolsonaro, para evitar a posse do presidente eleito e não sair do poder. Dois erros não fazem um acerto. São apenas dois erros.

Tem sido comum na parte de baixo do Equador o uso de instrumentos democráticos para fragilizar a própria democracia. Controlar os tribunais superiores, aumentando ou reduzindo seus integrantes de acordo com a conveniência do momento; alterar os mecanismos eleitorais para facilitar a vitória deste ou daquele partido; prisões aparentemente legais para impedir que um postulante concorra. Todas as instituições continuam funcionando aparentemente, mas são feridas em sua própria autonomia.

São as distorções do que seja “democracia”. A postura dos militares como instituição diante da tentativa de golpe é exemplar desse simulacro de comportamento republicano. Mesmo sem aderir ao movimento, a obrigação de qualquer uma daquelas autoridades presentes na reunião ministerial em que se discutiu “virar a mesa” era denunciar. Ou renunciar ao cargo.

O Alto-Comando militar não aderiu, mas sabia o que estava acontecendo. A proteção aos acampamentos às portas dos quartéis pelo país e a sustentação do esquema de logística para sua manutenção estão diretamente ligadas aos militares, e foi daquele “ovo da serpente” que saiu a tentativa de golpe de 8 de janeiro.

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

ICL Notícias do dia 8 de fevereiro de 2024

(...) Ex-comandante da FAB diz que amigos foram derrotados por 'ambições'

Legenda da foto: O brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior com o ex-presidente Bolsonaro - (Crédito da foto: reprodução do Twitter)

Publicado originalmente no site JORNAL DO BRASIL, em 10 de fevereiro de 2024 

Chamado de 'traidor', ex-comandante da FAB diz que amigos foram derrotados por 'ambições'

Por POLÍTICA JB com Agência Estado (redacao@jb.com.br)

Matheus de Souza - O brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, que comandou a Aeronáutica durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, além de sair “ileso” da Operação Tempus Veritatis, da Polícia Federal (PF), também foi às redes sociais criticar “aqueles que julgava amigos”. Mesmo apoiando o ex-presidente, Baptista Júnior foi criticado por membros do governo - como o ex-ministro da Defesa Walter Braga Netto - por não estar alinhado com os planos do Executivo, mesmo após a derrota de Bolsonaro.

“'A ambição derrota o caráter dos fracos. Aliás, revela’. Já tendo passado dos 60 anos, não tenho mais o direito de me iludir com o ser humano, nem mesmo aqueles que julgava amigos e foram derrotados pelas suas ambições”, escreveu Baptista Júnior nesta sexta-feira, 9.

Conforme revelou a PF, havia dentro do governo Bolsonaro uma insatisfação com o então comandante da FAB. As críticas eram encabeçadas por Braga Netto, candidato a vice na chapa de Bolsonaro. Em mensagens do ex-ministro reveladas pela operação da PF, Braga Netto incentiva um movimento de críticas ao militar.

“Senta o pau no Baptista Júnior. Povo sofrendo, arbitrariedades sendo feitas e ele fechado nas mordomias. negociando favores. Traidor da Pátria. Daí para frente. Inferniza a vida dele e da família", escreveu Braga Netto ao coronel reformado do Exército Ailton Barros. “Elogia o [o ex-comandante da Marinha, almirante Almir] Garnier e f... o BJ (Baptista Júnior)", continuou.

Braga Netto também compartilhou com Ailton Barros uma série de imagens com críticas ao então comandante da Aeronáutica. Tanto Braga Netto como Ailton foram alvo de busca e apreensão em operação da PF.

Texto e imagem reproduzidos do site: jb com br

Tem peixes grandes nas redes da PF! > Cenas de um golpe fracassado

Legenda da foto: Bolsonaro - Cerco se fechando - (Crédito da foto: Evaristo Sá/AFP)

Publicado originalmente no site do JORNAL DO BRASIL, em 11 de fevereiro de 2024

Tem peixes grandes nas redes da PF!

Cenas de um golpe fracassado

Por Coisas da Política - gilberto.cortes@jb.com.br

Em 05.07.2022, uma semana depois de conseguir do Congresso a aprovação do megabilionário pacote eleitoral gerido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes (com cortes, até 31.12.2022, dos impostos federais e estaduais de combustíveis, energia elétrica e comunicações, e farta distribuição de dinheiro aos eleitores, com aumento de R$ 400 para R$ 600 no Auxílio Emergencial, além de mesadas de R$ 1 mil, até dezembro, para caminhoneiros autônomos e taxistas, que causam rombos orçamentários até hoje), Lula continua liderando as pesquisas.

O presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição, se desespera. E reúne, com direito à filmagem de todo o evento de mais de duas horas, o estado-maior do golpe, que ensaia desde 2021, para intensificar os ataques às urnas eletrônicas e preparar o cenário alternativo de um golpe com as Forças Armadas antes da votação em primeiro turno, em 3 de outubro. Pouco mais de uma semana, como menciona na gravação do evento, usa o aparato da Presidência de República para convocar os embaixadores estrangeiros acreditados, em Brasília, para derramar “fakes news” sobre as urnas eletrônicas, o que custou 8 anos de inelegibilidade.

Além de Bolsonaro, estão presentes duas dezenas de ministros e assessores. A começar pelo general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, eterno fracassado como conspirador.

Augusto Heleno era ajudante de ordens do então ministro do Exército, general Sylvio Frota, na tentativa de derrubar o presidente general Ernesto Geisel. Mas Geisel, que tinha o então Serviço Nacional de Informações, comandado por João Baptista de Figueiredo, nas mãos, numa manobra de contra-informação, se antecipa à trama de Frota de convocar os generais do alto comando a uma reunião no QG do Exército, em Brasília, também conhecido como “Forte Apache”, e convoca os mesmos generais ao Palácio. Já disposto a demitir Frota, convida o general Fernando Bethlem, que comanda a arma em São Paulo (e com quem Frota contava), para ser o novo ministro do Exército. Esvaziado com a falta de atendimento às suas convocações na véspera, o general Sylvio Frota é chamado por Geisel ao Palácio do Planalto e demitido, após áspero diálogo.

Augusto Heleno remoeu o insucesso ao longo de sua carreira, com mais episódios fracassados. Um deles foi o afastamento do Comando das Forças de Paz da ONU, no Haiti, representada por soldados do Brasil, durante o governo Dilma, depois da morte de dezenas de civis. Mas ele reencontrou seu chão com Bolsonaro e ajudou a montar na Agência Brasileira de Informação (Abin), sucedânea do SNI, uma “Abin Paralela” para espionar autoridades tidas como antagonistas de Bolsonaro e suas tramas golpistas, ajudar a desmontar inquéritos contra familiares e amigos, além de infiltração de agentes nas campanhas dos adversários de Bolsonaro na eleição de 2022.

Só faltou desenhar

Loquaz e boquirroto, o general Heleno quase dá com a língua nos dentes ao começar a escancarar a atuação dos “kids pretos”, agentes das forças especiais do Exército, infiltrados pelo GSI nas campanhas dos adversários (que viriam a atuar em quase todas as "motociatas" e grandes eventos de Bolsonaro, especialmente em 12.12.2022 e em 08.01.2023). Escolado com as revelações que vieram a público na reunião de 20.04.2020 (por determinação do então decano do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello), quando dá os sinais de montagem da “Abin Paralela”, Bolsonaro corta rispidamente o general Heleno: “Falamos disso depois, no particular”.

Na conspirata de julho de 2022, além do ícone dos economistas liberais brasileiros, o ministro da Economia, Paulo Guedes, que seguia seu currículo antidemocrático (recém-formado em Chicago, como aluno de Milton Friedman, foi um dos artífices do projeto ultraliberal da ditadura Pinochet, no Chile, que arruinou as aposentadorias de milhares de chilenos, e estava pronto para cooperar com o governo Paulo Maluf, derrotado por Tancredo Neves, em 1985), estava ainda presente o general Walter Braga Neto. Desde abril de 2022, quando deixou o cargo de ministro da Defesa, Braga Neto era assessor especial da Presidência e cogitado a vice da chapa de Bolsonaro (em 2023, também foi considerado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral).

Com a autoridade de ex-ministro da Defesa (o cargo foi passado em 1º de abril ao ex-comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira, que sobe o tom contra a segurança das urnas eletrônicas), Braga Neto se encarrega de mobilizar os altos escalões das forças armadas para o golpe. Presente, o general Paulo Sérgio Nogueira, com a ajuda decisiva do ajudante de ordens da Presidência, tenente-coronel Mauro Cid. O tenente-coronel veio a ser nomeado o comandante do Batalhão de Operações Especiais do Exército, em Goiânia, uma das forças mais operosas do aparato militar brasileiro e que teria papel fundamental no golpe. Cid se encarregava, com desenvoltura, das articulações junto a escalões intermediários, e seus registros em celulares e computadores ajudaram a Polícia Federal a rastrear todas as tramas.

Depois do golpe frustrado de 8 de janeiro de 2023, quando os golpistas que fizeram um ensaio de arruaça em Brasília, na noite de 12.12.2022, após a diplomação de Lula e do vice Geraldo Alckmin, colocaram o bloco na rua e depredaram as sedes dos Três Poderes, na esperança de convocação da Garantia da Lei e Ordem (GLO), que deixaria o governo Lula sob tutela das Forças Armadas (Lula optou, em articulação com Moraes, que decretou a intervenção na Secretaria de Segurança do Distrito Federal e a prisão do governador Ibaneis Rocha, por intervir no comando da PM-DF), Cid acabou preso, após o regresso dos Estados Unidos (Orlando, onde acompanhou o “exílio” estratégico de Bolsonaro, para evitar ser ligado aos atos golpistas). Na gravação, cita seu temor de ser preso ao descer a rampa. (quem não deve, não teme).

Antes de ser preso, Mauro Cid teve a nomeação revertida por Lula. Como o comandante do Exército, general Júlio Cesar Freire, empossado em dezembro, ainda no governo Bolsonaro, bem como os demais comandantes das forças, resistia a cumprir determinação do presidente da República e comandante em chefe das Forças Armadas, Lula determinou ao ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, a demissão de Júlio Cesar Freire e a anulação da promoção de Mauro Cid. Isso se deu em 21 de janeiro de 2023, quando o comando do Exército foi assumido pelo general Tomás Paiva, que comandava o setor Leste.

Na prisão, que se estendeu a seu pai, general Muro Lorena Cid, nomeado por Bolsonaro como adido na Agência de Promoção de Exportações (Apex), em Miami, mas cuja atuação veio à tona na intermediação da venda de joias e relógios de luxo recebidos por Bolsonaro enquanto presidente da República (pertencentes ao Acervo da Presidência), Mauro Cid acabou colaborando com as autoridades e fez acordo de delação premiada com a Polícia Federal.

Troca na PGR muda cenário

A rigor, a partir dos inquéritos relativos ao 8 de janeiro de 2023, ao 12 de dezembro de 2022 e à tentativa, também frustrada, de explosão de um caminhão de querosene de aviação no aeroporto de Brasília, na antevéspera do Natal de 2022, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, já tinha um extenso mapeamento das atividades dos que estiveram na linha de frente das arruaças em Brasília – alguns dos quais já foram condenados a penas severas –, mas faltava uma ação mais incisiva contra os mentores e financiadores do golpe.

Isso só se tornou possível em dezembro, depois que o procurador-geral da República, Paulo Gonet, foi aprovado em sabatina e votação no plenário do Senado, em 13 de dezembro, juntamente com a indicação do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, para a vaga de Rosa Weber no STF, para comandar a PGR. Desde 2019, a PGR estava confiada em dois mandatos ao procurador Augusto Aras. O mandato de Aras expirou em 26 de setembro de 2023, mas Lula queria acertar a troca da PGR junto com a do STF. Aras, como se sabe, arquivou pilhas de ações contra Bolsonaro.

Já Gonet, como procurador eleitoral, comandou as acusações que levaram à condenação de inelegibilidade do ex-presidente por 8 anos, bem como do seu vice, general Braga Neto. Com apoio da PGR, que só começou, efetivamente, a operar sob nova direção em fevereiro (a nomeação por Lula foi em 15 de dezembro, e a posse, em 18 de dezembro, coincidiu com o recesso do Judiciário – e do Legislativo). Moraes, desde janeiro, agia afinado com Gonet e seus assessores na PGR, e pôde queimar etapas e escalar os alvos das operações da Polícia Federal.

Assim, em 29 de janeiro, uma segunda-feira, o presidente Bolsonaro, que estava em sua casa de Mambucaba (Angra dos Reis-RJ) com os três filhos políticos (o senador Flávio Bolsonaro, PL-RJ, o deputado Eduardo Bolsonaro, PL-SP e o vereador carioca Carlos Bolsonaro, também do PL), não chegou a presenciar a chegada dos agentes da PF. Por coincidência, que a apuração sobre a eventual continuidade da “Abin Paralela” no governo Lula poderá esclarecer, o clã Bolsonaro saiu ao mar, “para pesca submarina”, às 5 da manhã, e a PF bateu à porta depois da 7 horas. Com mandado de busca e apreensão nos diversos endereços de Carlos Bolsonaro, que coordenava o “gabinete do ódio” em Brasília, no Palácio do Planalto, em vez de dar expediente no Palácio Pedro Ernesto - a Câmara dos Vereadores do Rio, os agentes da Polícia Federal apreenderam vários celulares e computadores, incluindo seu gabinete de vereador e a residência no condomínio “Vivendas da Barra”, onde morou Bolsonaro, que teve como vizinho o executor da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, o ex-PM Roni Lessa.

Na mesma operação, foram objeto de busca e apreensão outras quatro pessoas, entre elas o deputado federal e ex-diretor geral da Abin, delegado federal Alexandre Ramagem, acusado de “arapongagem” contra membros do governo, do STF e Legislativo, além de jornalistas e advogados que faziam oposição ao governo Bolsonaro. Embora mostrassem contrariedade com a ação da PF, Bolsonaro e filhos se julgaram a salvo de maiores problemas. A bola da vez era Ramagem.

Só que não. Se na semana passada o mar estava para os “pescadores submarinos”, agora foi a vez de peixes graúdos serem apanhados nas redes em vários pontos do Brasil. A carga veio mais forte uma semana depois, na simbólica data de 08.02.2024. Um ano e um mês após a reação do Estado Democrático de Direito à frustrada tentativa de golpe do bolsonarismo, os braços da lei chegaram à cúpula do esquema. Incluindo o presidente do PL, deputado Valdemar Costa Neto (PL-SP), detido por ter uma arma em seu poder sem autorização. E a prisão em flagrante virou preventiva. Para evitar risco de fuga de Bolsonaro, Moraes determinou a apreensão de seu passaporte. Nas buscas e apreensões, muitas peças do quebra cabeças serão completadas. A rigor, só faltam as ligações dos financiadores do golpe.

'Quando o Carnaval chegar'

A folia do Carnaval pode ter interrompido as diligências da Polícia Federal, mas a maior parte do Brasil aguarda, como nos versos de Chico Buarque, em “Quando o Carnaval Chegar”, para a verdadeira comemoração – um carnaval fora de época, quando à frente, como canhestro mestre-sala da direita, Jair Bolsonaro for detido por erros de evolução junto com seus parceiros no golpe ao Estado Democrático de Direito.

Mundo democrático de olho no Brasil

O exemplo que o Brasil vier a dar será muito importante para o mundo democrático, especialmente os Estados Unidos da América. Lá houve a mais infame das tentativas de subversão da ordem democrática da mais pujante democracia do mundo, em 6 de janeiro de 2020, quando o então presidente Donald Trump, derrotado na votação direta e no Colégio Eleitoral, insuflou seus apoiadores (“prouds boys”, equivalentes, voluntários, aos “kids pretos” das fileiras do Exército Brasileiro), a invadir o Capitólio para impedir a diplomação de Joe Biden e da vice-presidente eleita, Kamala Harris, na cerimônia presidida pelo vice de Trump, Mike Pence, também ameaçado.

Houve mortes em Washington, mas o julgamento de Trump pode demorar e não impedir que concorra a novo mandato, em revanche contra Biden. A demonstração de resistência democrática e do pleno direito de defesa dos acusados no Brasil há de ser um exemplo ao mundo democrático. Uma demonstração de que nada pode substituir a democracia e o Estado Democrático de Direito. Bolsonaro, como ficou claro nos fatos já apurados da reunião de 5 de julho de 2022, queria a restauração do Estado Democrático da Direita, no qual os adversários não teriam vez.

Texto e imagem reproduzidos do site: jb com br