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segunda-feira, 22 de agosto de 2022

O PT iniciou o processo da violência política, diz Marina Silva

Publicado originalmente no site da revista ISTOÉ, em 19 de agosto de 2022

O PT iniciou o processo da violência política, diz Marina Silva

Legenda da foto: MENTIR É CRIME Marina Silva diz que a máquina de desconstrução feita por Bolsonaro, com base nas fake news, precisa ser barrada - Crédito da foto: Gabrile Reis) 

Por Ana Viriato 

Há exatos 13 anos, Marina Silva se desfiliou do PT por não ver mais espaço na sigla para suas ideias, após denúncias de corrupção envolvendo o partido. Em razão das divergências, a ex-ministra entrou na corrida pela Presidência por três vezes, na tentativa de quebrar a polarização que enclausura o País desde a redemocratização. Em 2014, quase chegou ao segundo turno, mas teve a candidatura minada pela campanha de Dilma, à época encabeçada pelo marqueteiro João Santana, hoje publicitário de Ciro Gomes. Para Marina, os ataques que sofreu do PT naquela época inauguraram o processo de violência política por meio da difusão de fake news no País. “Espero que todos estejam conscientes de que aquilo não foi bom para a democracia e serviu como base para algo que se aprofundou de forma assustadora com a máquina de desconstrução que é feita por Bolsonaro e seus asseclas”. Em 2022, Marina tem um projeto diferente: busca a eleição como deputada federal por São Paulo, e, na condição de uma das lideranças políticas de destaque no País, é procurada por emissários do PT para declarar voto em Lula no primeiro turno em meio à acirrada disputa com Bolsonaro, o que ela vem se recusando a fazer. Para fazê-lo, ela cobra um compromisso incisivo de Lula em relação à agenda socioambiental.

Michelle Bolsonaro tem abusado do tom religioso na campanha. Chegou a dizer que o “Planalto já foi consagrado a demônios”. Como evangélica, o que acha de se usar o evangelho para a conquista de votos?

A manipulação da fé é algo ruim para a política e para a religião. Quando as pessoas começam a fazer esse tipo de instrumentalização, estão levando o País para um lugar que não é bom. Primeiro, porque estão desconsiderando que somos um Estado laico, onde as pessoas, cada uma delas, têm o direito de viver sua fé, independentemente de qual seja, ou de não professar nenhuma religião. Isso não é bom para a nossa democracia. É fundamental que, no processo político, os brasileiros votem com base em propostas e que os eleitores sejam tratados como cidadãos e não com o uso de sua fé e espiritualidade.

Não basta derrotar Bolsonaro, precisamos derrotar o bolsonarismo

Nas eleições deste ano, a Justiça terá, como um dos principais desafios, coibir a difusão de notícias falsas. O cenário é preocupante?

A difusão de fake news é um ataque frontal à democracia e uma ameaça do ponto de vista da ética e dos valores que deveriam nortear as ações daqueles que estão se dispondo a assumir um cargo de liderança, seja no Executivo ou no Legislativo. As notícias falsas comprometeram a decisão soberana do povo brasileiro em 2014. Ali, com o PT, tivemos o início de um processo de violência política. Eu espero que todos estejam conscientes de que aquilo não foi bom para a democracia e serviu como base para algo que se aprofundou de forma assustadora hoje, com a máquina de desconstrução que é feita por Bolsonaro e seus asseclas. O que temos de fazer é usar de todos os meios legais para barrar as fake news. Mentir é crime, ainda mais quando se mente trazendo sérios prejuízos à saúde, às finanças públicas e aos direitos humanos.

O que a sra. espera da gestão de Alexandre de Moraes à frente do TSE?

Neste momento de profundos ataques à democracia, de tentativas de desmoralização do processo eleitoral brasileiro, em que o presidente da República quer usar as urnas como pretexto para desconsiderar a vontade soberana do povo de escolher seus representantes, é fundamental que o presidente do TSE e toda a sociedade estejam mobilizados para fazer valer a Constituição e toda a legislação infraconstitucional que assegura o Estado Democrático de Direito.

O ato de 11 de agosto foi uma resposta contundente à investida antidemocrática de Bolsonaro. Ocorreu, porém, dois anos após o início dos ataques do presidente às urnas. A sociedade demorou a reagir?

A sociedade e as instituições sempre reagiram à altura dos ataques autoritários de Bolsonaro. Não vamos nos esquecer que tivemos uma pandemia, em que o governo atrasou a compra de vacinas, fez campanha contra o isolamento e encampou propaganda contrária ao uso de máscaras. As pessoas que respeitaram os cuidados com a saúde não faziam manifestações pelas circunstâncias. O ato do dia 11 de agosto é apenas o início daquilo que chamo de uma vigília permanente de forma ativa: uma comissão de frente do grande desfile democrático que a sociedade haverá de fazer contra qualquer arroubo autoritário.

Um dos grandes trunfos de Bolsonaro contra Lula é a lembrança de escândalos de corrupção na era PT. Em resposta, o partido costuma desmoralizar a Lava Jato…

Corrupção é algo que precisa ser combatido de forma veemente, usando todos os mecanismos legais de que se dispõe para evitar o escoamento de dinheiro público. Infelizmente, os que mais desmoralizaram a Lava Jato foram aqueles, como Sergio Moro, que, no lugar de seguir o devido processo legal, atuaram politicamente à frente da operação, prejudicando um trabalho que era e é muito importante para o País. Os processos que vinham sendo investigados pela Lava Jato não deixam de existir em função da manipulação e interesse político. Mas é tão claro que houve manipulação que Moro deixou de ser juiz, assumiu um ministério e, agora, é candidato ao Senado.

A sra. pretende declarar voto em Lula ainda no primeiro turno, como os petistas lhe pedem?

Tenho debatido publicamente ideias que acho que são importantes neste momento do País e digo que estou aberta ao diálogo. Tenho divergências, sim, com o PT. Foi em função disso que saí do governo, mudei de partido e me candidatei à Presidência. Mas, na democracia, a gente dialoga. Eu nunca levei as coisas para o terreno das questões subjetivas e pessoais. Trato a relação com o PT como divergência política e luto por uma agenda de interesse do Brasil e da humanidade. Acredito que o grande desafio e a base dessa conversa é o resgate atualizado da agenda socioambiental. Obviamente que o diálogo é algo que tem que partir também daqueles que entendem que essas propostas são relevantes. As interlocuções políticas não são apenas, digamos, na escala puramente técnica. São feitas também com gestos políticos.

Qual seria o gesto necessário? A adoção de suas propostas para o meio ambiente?

Todos os compromissos estão sendo assumidos publicamente. Com a agenda ambiental, não será diferente. Mais do que ter uma certa ansiedade por declaração de voto, o Brasil precisa que os candidatos declarem e demonstrem com o que estão comprometidos. Por exemplo, Belo Monte. Belo Monte foi um desastre. Erros são cometidos e podem ser reconhecidos e não repetidos. Claramente, temos que pactuar que empreendimentos como o de Belo Monte não podem ser repetidos. Não pode ser repetido o erro de todos os R$ 300 bilhões do Plano Safra serem direcionados para a agricultura convencional e apenas 1% para a de baixo carbono. Devemos ter um acerto pela transição rumo à indústria 4.0, a investimentos que nos levem a combater desigualdades.

Belo Monte foi um desastre. Erros são cometidos e podem ser reconhecidos e não repetidos

Como a sra. vê a iniciativa do PT de lançar mão de campanha pelo voto útil para ampliar a vantagem sobre Bolsonaro?

A existência de diferentes candidaturas em uma eleição de dois turnos faz parte do funcionamento saudável da democracia. Estamos vivendo uma situação de emergência em que temos de agir, todos, em defesa da democracia, a qual vem sendo o tempo todo atacada, mas cada partido que tem uma candidatura deve trabalhar em termos programáticos para buscar apoio sem precisar ficar demolindo ou desconstruindo as demais candidaturas do campo democrático. O que não se pode é ficar criando bodes expiatórios. Não é uma questão de dar ênfase a um candidato ou a um partido. Trata-se de dar ênfase à vontade de um povo, no esforço para um processo de novo legado.

Há um vazio de propostas nesta campanha?

Preciso ser justa. Vejo movimentos intensos por parte das candidaturas de Lula, Ciro Gomes e Simone Tebet para discutir problemas. Não entro no mérito dos programas de governo de cada um, mas vejo que tem ocorrido um esforço na direção do debate, com inúmeros seminários e rodadas de conversas. No caso de Bolsonaro, não há essa tentativa, porque o presidente ganhou a primeira eleição apenas dizendo o que queria destruir. Na política ambiental, ele foi muito claro: “Não vou mais demarcar um centímetro de terra indígena”. Em algumas vezes, ele até mencionou que faria um governo técnico, mas isso caiu por terra logo no início da gestão.

Por que isso aconteceu?

Que governo técnico é esse que põe na Funai militares que não entendem nada da questão indígena? Que governo técnico é esse que coloca no Ministério do Meio Ambiente antiambientalistas? Que governo técnico é esse que coloca no Ministério da Educação pessoas que não têm compromisso com o setor e estão ali para fazer corrupção? Que governo técnico é esse que, em uma das piores crises de saúde que a humanidade já enfrentou — com exceção de Mandetta, que fez um grande esforço como médico —, valeu-se dos piores ministros que nos levaram à perda de quase 700 mil vidas? Ele dizia que ia ter uma gestão técnica, mas fez um governo puramente político e incompetente, que não trabalha para resolver os problemas que o Brasil enfrenta.

Lula tem sido acusado de ser “pragmático demais” ao atrair para sua aliança gente como o deputado Neri Geller e o senador Carlos Fávaro, líderes dos ruralistas. O momento exige essa postura?

Trata-se de dois parlamentares que são carros-chefe do retrocesso e, digamos, do andamento do pacote da destruição que tramita no Congresso. Espero que a aproximação seja porque eles estão revendo suas posições em relação à agenda do Meio Ambiente. A atitude de não respeitar a proteção das florestas e dos povos indígenas e de fortalecer o aumento de agrotóxicos está, inclusive, prejudicando o próprio agronegócio.

Concorda com a tese de que mesmo uma eventual derrota de Bolsonaro não colocará fim ao bolsonarismo?

A polarização faz parte de um conjunto de erros cometidos pelo próprio campo democrático nesses anos. É algo que poderia muito bem ter sido superado. Infelizmente, a aposta feita foi a de manter a polarização entre partidos que se perpetuavam no poder. Agora, temos algo incomparavelmente pior. Não é mais uma polarização entre democratas e democratas. É uma polarização entre democratas e um autocrata, entre aqueles que acreditam que a sociedade deve escolher seus representantes e os que acham que devem ganhar o poder passando por cima da vontade soberana do povo. Essa polarização é destrutiva para a democracia e as instituições. Não basta derrotar o Bolsonaro, precisamos derrotar o bolsonarismo. Para isso, é necessário trabalhar. Quanto mais diálogo e disposição para entender que essa vitória não será apenas de um líder ou um partido, melhor.

Texto e imagem reproduzidos do site: istoe.com.br

sábado, 14 de maio de 2022

Concorrer à Câmara é fazer frente à “terra arrasada” deixada por Bolsonaro

Publicado originalmente no site APUBLICA.ORG, em 1 de abril de 2022

Marina Silva: concorrer à Câmara é fazer frente à “terra arrasada” deixada por Bolsonaro

Paula Cinquetti/Agência Pública

Avaliando candidatura como deputada federal por SP, ex-ministra diz que esforços depois do atual governo “serão de recuperação pós-guerra”, sobretudo na agenda socioambiental

Anna Beatriz Anjos

Aos 64 anos, Marina Silva se vê mais uma vez diante de um chamado para concorrer a um cargo legislativo. A ex-ministra do Meio Ambiente já foi eleita vereadora de Rio Branco, cidade onde nasceu, deputada estadual e senadora duas vezes pelo Acre. Em 2022, o desafio pode ter outro nome, Câmara dos Deputados, e também outro colégio eleitoral, São Paulo, em vez de seu estado de origem. 

Marina, que já concorreu três vezes à presidência, diz que se candidatar novamente ao Congresso Nacional não estava “em seu horizonte”. Mas diante da “guerra contra tudo que é de interesse estratégico do Brasil” promovida pelo presidente Jair Bolsonaro nos últimos quatro anos, ela agora reconsidera. “Derrotar Bolsonaro e o bolsonarismo é um ato de legítima defesa”, “um imperativo ético”, afirma. “Quando penso na questão de como encarar o desafio que está posto, de retornar para dar essa contribuição, esse não é um debate que está sendo feito só comigo; inclusive, venho estimulado esse debate para outras pessoas, e aí, de certa forma, ele foi devolvido para mim”, conta em entrevista à Agência Pública, sem confirmar se a decisão já está tomada.

Quando o assunto é a reaproximação com o ex-presidente Lula, o candidato mais bem colocado nas pesquisas, explica que há divergências a serem discutidas. “Na questão da política energética brasileira, não tem mais tempo para que fiquemos só fazendo apologia ao pré-sal, aos combustíveis fósseis, reeditando [a campanha] do ‘petróleo é nosso’. Agora é usar os meios que ainda temos a partir dessa fonte – que não tem como ser suprimida da noite para o dia – para investir recursos na transição energética”, cita. “Por exemplo, sou contra as hidrelétricas do Tapajós, elas vão ser feitas [num eventual governo Lula]? Essas questões todas têm que ser consideradas.”  

Motivo de críticas dentro do PT, ela vê com bons olhos a formação da chapa Lula-Alckmin e a enxerga como um “encontro tardio” entre seu ex-partido e o PSDB. “Em bases programáticas, mesmo sendo partidos da Social-democracia com origens e processos diferentes, PT e PSDB tinham muito mais espaço de conversa do que o PT com Sarney, Collor, Maluf e Renan; e da mesma forma, o PSDB em relação ao senador Antônio Carlos Magalhães”, afirma.

Para que o governo brasileiro esteja à altura do desafio de proteger seus biomas e cumprir sua meta climática, assumida no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), Marina considera que, caso Bolsonaro não se reeleja, o novo presidente deve chegar com as agendas de meio ambiente e clima “legitimadas e fortalecidas”. “Isso não significa apenas um capítulo, um tópico nas páginas fechadas de um programa de governo, por mais tecnicamente interessante que possa vir a ser”, aponta. “As pessoas não podem achar que essa é uma agenda da ecologia pela ecologia, essa é a agenda da economia do século XXI.”

Na última quarta-feira (30), o STF iniciou o julgamento do “pacote verde”, formado por sete ações que questionam o desmonte das políticas ambientais nos últimos anos. Diante de um governo antiambientalista e em meio à crise do clima, qual a importância do Judiciário e da Suprema Corte, especificamente, para garantir que o Brasil proteja minimamente a Amazônia e cumpra sua meta climática?

O que está acontecendo no Brasil é um verdadeiro desrespeito à Constituição. As ações avaliadas agora pelo Supremo se revestem de uma importância estratégica, porque é a única forma de fazer com que o governo [não leve a cabo] tudo aquilo que se constituirá em um processo irreversível para os interesses da proteção do meio ambiente, econômicos, sociais e culturais do Brasil.

O Supremo tem essa incumbência agora, e a forma de fazer isso é ou declarar que o procedimento governamental é inconstitucional, ou que a atitude omissa do governo fere igualmente a Constituição. Então, recorrer ao Supremo nesse momento é um ato de legítima defesa da sociedade para evitar que algo irreversível venha a nos trazer prejuízos igualmente irreparáveis.

As mudanças climáticas já estão acontecendo no mundo e suas consequências são sentidas em vários lugares, sobretudo no Brasil, seja nos acontecimentos que tivemos – como as enchentes no estado de Minas, da Bahia, em São Paulo, no Rio de Janeiro, a catástrofe de Petrópolis –, seja pelos grandes prejuízos econômicos que o próprio agronegócio está vivendo nesse momento em função da estiagem. Você tem aí várias razões para que a instância máxima das cortes brasileiras interdite a ação de alto prejuízo que o governo está praticando. Em relação ao meio ambiente, em relação à economia e em relação à própria sociedade.

Você acredita que esse julgamento é histórico, uma oportunidade do STF mostrar para o mundo que, apesar do governo Bolsonaro, a sociedade brasileira está comprometida com o enfrentamento às mudanças climáticas e com a preservação da Amazônia?

Ele é histórico e, ao mesmo tempo, paradigmático. Tem também o poder de provocar inflexões para além das decisões que estão sendo tomadas. Histórico porque estamos levando para a Corte a legítima defesa da Constituição Federal, porque traz para as instâncias judiciais os crimes que o governo está praticando, seja por desrespeito à Constituição, seja por omissão. Paradigmático porque, a partir daí, você abre precedentes para que o descumprimento do preceito constitucional, do direito a termos um ambiente saudável e equilibrado, não seja mais ferido quer por omissão, quer por descumprimento da lei ou da implementação de políticas públicas que nos levam a alcançar esse objetivo. E produz inflexões para além daquelas que estão sendo julgadas porque, ontem, o próprio governo já tomou a atitude de fazer uma espécie de recomposição do CONAMA, o Conselho Nacional de Meio Ambiente, reavendo a representação das organizações da sociedade, que tinham quatro lugares e agora têm oito [o decreto com a mudança foi assinado por Bolsonaro na quarta-feira, dia 30]. Isso é a demonstração de que o governo sabe que está errado, de que está agindo de forma inconstitucional e se omitindo. E isso é igualmente inconstitucional. [O governo] está assumindo publicamente, fazendo uma confissão de culpa e tentando reparar as violações que fez à nossa Constituição.

Em outras ocasiões, você afirmou que o problema das políticas ambientais e climáticas é que elas não sobrevivem ao vai e vem dos governos. A litigância climática é um caminho importante para se evitar que isso aconteça? Pode ser um recado aos governos de que, se não priorizarem essas agendas, a sociedade pode, via Judiciário, pressionar por providências? 

Acho que isso vai ser muito mais do que um recado, vai ser uma prática constante nas instâncias superiores das Cortes judiciais para mostrar que enfrentar as mudanças climáticas não é algo fácil e demandará uma ação combinada, de várias possibilidades de obrigar que governos e empresas cumpram seus compromissos assumidos no âmbito da Convenção do Clima.

Uma das coisas que devem começar a ser cobradas judicialmente são cronogramas dentro das metas estabelecidas por governos e empresas. É muito fácil um governo ou o presidente de uma empresa assumir metas altamente louváveis sem que exista um cronograma ou uma agenda de implementação. Como os governos e os presidentes das empresas mudam, vão deixando esses grandes anúncios para a gestão futura. E de gestão em gestão, você não tem ação efetiva para alcançar as metas estabelecidas, aí vira um greenwashing empresarial, governamental e assim por diante. O que vai acontecer em 2030 precisa ter resultados em 2020, 2025, até chegar 2030. Quais são as etapas? Quais são as ações? Qual é o cronograma para que se alcance esse resultado? Não tenho como atingir um resultado grandioso se medidas não são tomadas ao longo do tempo. 

Embora o ex-presidente Lula lidere as pesquisas há meses, Jair Bolsonaro conserva uma base eleitoral sólida e vem crescendo em intenções de votos nas últimas semanas. O que sua reeleição significaria para as pautas ambiental e climática no Brasil?

Costumo dizer que o Brasil não tem como suportar, sobretudo em algumas agendas como a socioambiental, mais quatro anos de governo Bolsonaro. Se hoje já estamos vivendo, no caso da Amazônia em específico, a ameaça de chegarmos a mais de 20% de desmatamento e entrarmos num processo de savanização, em um ponto de não retorno, com mais quatro anos de governo Bolsonaro essa catástrofe é líquida e certa. Em relação a políticas sociais de educação, ciência, tecnologia e inovação, e até mesmo políticas econômicas que consigam reverter o processo dramático de desemprego e inflação que estamos vivendo, de juros altos e toda essa situação que foi cada vez mais sendo agravada por inoperância, pelo contexto da pandemia e agora da guerra, o Brasil não tem condição de aguentar mais quatro anos de Bolsonaro.

E em relação às políticas de direitos humanos e tantas outras, como é o caso de políticas de proteção e garantia dos direitos das populações indígenas, o Brasil não tem como suportar mais quatro anos de Bolsonaro. Derrotar Bolsonaro e o bolsonarismo é um ato de legítima defesa. Os esforços que terão de ser feitos após o governo Bolsonaro serão de recuperação pós-guerra, porque Bolsonaro fez guerra contra o meio ambiente, contra a democracia, contra os povos indígenas, contra a saúde pública, contra a educação – fez guerra contra tudo que é de interesse estratégico do Brasil.

Não basta entrarmos na disputa agora com essa despolitização, como se fosse uma espécie de guerra santa, uma santa inquisição política entre o bem e o mal. É fundamental mudar o governo para mudar a realidade. Isso pressupõe, agora durante a campanha, que os candidatos do campo democrático, mais do que ficar com essa ansiedade tóxica de quem declara apoio a eles, comecem a declarar para a sociedade brasileira o que estão apoiando e com o que estão se comprometendo. O presidente Joe Biden conseguiu fazer isso na disputa contra Donald Trump, o que, em uma sociedade altamente polarizada, foi muito importante, porque ao final da eleição a sociedade sabia o que ele estava apoiando e com que estava se comprometendo, para ter legitimidade de implementar esses compromissos após a vitória. O debate sobre a Amazônia tem que ser nacionalizado, o debate sobre a proteção dos biomas brasileiros tem que ser nacionalizado. Os prejuízos econômicos, sociais e ambientais que estamos vivendo não podem passar à margem do debate pela lógica de que isso não rende votos. Você tem que sair legitimado para fazer o que precisa ser feito, e com isso, até conseguir uma espécie de carta de alforria do centrão. Todos ficam reféns do centrão e depois ainda se escondem atrás da ideia de que não tem como fazer, porque, afinal de contas, é o Congresso [quem manda].

Esse é o momento de mobilizar a sociedade brasileira e deixar muito claro que não irá fazer, por exemplo, as hidrelétricas no Tapajós, que não irá repetir Belo Monte, que não vai continuar colocando apenas 1% dos mais de 200 bilhões do plano Safra [de fomento ao desenvolvimento agropecuário em bases sustentáveis] para o programa de agricultura de baixo carbono [ABC]. De que não vai mais ficar com apologia ao combustível fóssil, e que vai investir todas as fichas em uma matriz energética limpa e diversificada para, aí sim, termos segurança energética, alternativas que a gente possa controlar e estabelecer preços. O país que já teve o programa do Proálcool e do biodiesel, se tivesse aprofundado a sua estratégia de segurança energética de base sustentável, não estaria vivendo as agruras que estamos vivendo em relação à dependência de combustível fóssil. Então, repito, mais do que declarar apoio vazio a candidatos, como se estivesse assinando um cheque em branco, vamos dar a eles a oportunidade de deixar muito claro qual o pacto, o acordo, o compromisso que estão apoiando. 

Os governos do PT trouxeram diversos avanços na área ambiental, como a queda drástica do desmatamento na Amazônia de 2004 a 2012 – na qual você teve papel fundamental –, mas também foram marcados por falhas importantes, como a baixa quantidade de homologações de terras indígenas e a construção da usina de Belo Monte, que você acaba de citar. O que esperar de um novo governo Lula – caso a liderança nas pesquisas se concretize – em termos de políticas públicas para o meio ambiente e mudanças climáticas?

Acho que a gente tem que focar no que esperamos de qualquer governo que assuma a presidência da República após a terra arrasada que o Bolsonaro vai deixar em relação a várias políticas públicas. O que se espera, em primeiro lugar, é que o novo presidente chegue com essa agenda legitimada e fortalecida. Isso não significa apenas um capítulo, um tópico nas páginas fechadas de um programa de governo, por mais tecnicamente interessante que possa vir a ser. Sair legitimado e fortalecido é colocar o debate para a sociedade. Obviamente, até agora os programas dos pré-candidatos [à presidência] e as falas que têm feito estão muito aquém da necessidade do país em relação aos desafios da mudança climática, da transição para o modelo sustentável de desenvolvimento, de como combater a desigualdade social, fazer a recuperação econômica já em base sustentáveis, como o mundo inteiro precisa fazer. As pessoas não podem achar que essa é uma agenda da ecologia pela ecologia, essa é a agenda da economia do século XXI.

Sem a proteção das florestas, o Brasil fica altamente vulnerável e os prejuízos de bilhões que já temos na agricultura só irão se agravar. Aqueles que pensam que há alguma vantagem com essa política repetida de exploração de madeira, pecuária de baixíssima produtividade e medidas provisórias [aprovadas] no Congresso Nacional para regularizar grilagem e roubo de terra, [para depois acontecer] a aquisição dessas áreas pelo agronegócio brasileiro estão pegando com uma mão e tirando com as duas. Cada vez mais os prejuízos serão aumentados na nossa realidade de muita vulnerabilidade climática – porque o Brasil é um país vulnerável climaticamente falando –, e no campo das políticas econômicas externas. O mundo não vai querer um país que pratica dumping ambiental [estratégia de redução dos custos empresariais devido a leis ambientais menos rígidas], e vai haver um processo que levará à taxação dos produtos de carbono intensivo. Já era para o Brasil ter feito seu dever de casa, tinha todas as condições de ser agora o endereço [mundial] da agricultura de baixo carbono e da produção de base sustentável por ser de fonte de energia limpa, renovável, diversificada e segura.

Em entrevista recente, você disse que está disposta a conversar com Lula sobre algumas “divergências políticas”. Quais são elas? Como e com quem estão ocorrendo essas conversas?

Em primeiro lugar, essas conversas aparecem nas redes sociais e nos jornais – comigo até hoje ninguém falou desse assunto –, e de forma que considero quase que uma segunda rodada da desconstrução, porque no lugar das pessoas debaterem ideias, o que aparece é uma questão de rancor e ressentimento. Essa é uma forma de se colocar, em quem tem uma posição diferente, uma pecha que desqualifica esse interlocutor, porque se você é incapaz de perceber o que está em jogo diante do que estamos vivendo na saúde, no meio ambiente, na ameaça à democracia, nos problemas graves de desemprego, de tudo que está acontecendo nesse país, e por uma questão de mágoa e rancor você não se coloca na posição do diálogo, então esse interlocutor já está a priori desqualificado e nem merece consideração. Se você de fato quer compreender esse interlocutor como alguém com uma visão em termos políticos, de propostas para mais do que mudar de governo, a gente mudar a realidade, aí já é outra coisa.

No campo da democracia, a gente conversa, a gente dialoga. Quando eu disse que há diferenças, há diferenças sim. Por exemplo, fui contra fazer Belo Monte, eu reencaminhei para estudos. Na questão da política energética brasileira, não tem mais tempo para que fiquemos só fazendo apologia ao pré-sal, aos combustíveis fósseis, reeditando [a campanha] do “petróleo é nosso”. Agora é usar os meios que ainda temos a partir dessa fonte – que não tem como ser suprimida da noite para o dia – para investir recursos na transição energética. É usar os recursos para recorrer menos ao combustível fóssil e a mais energia do vento, do sol, da biomassa, para mais energia que seja de base sustentável. Por exemplo, sou contra as hidrelétricas do Tapajós, elas vão ser feitas [num eventual governo Lula]? Essas questões todas têm que ser consideradas. Existe um projeto de Amazônia 4.0, da bioeconomia.

Vamos colocar o volume de recurso necessário em juntar o melhor do conhecimento moderno de biotecnologia ao saber tradicional dos povos originários e das comunidades locais para criar sistemas agroflorestais de indústria e processos que levem em conta a nossa biodiversidade, inclusive a possibilidade de criar novos produtos, materiais e cadeias de valor para alavancar uma nova economia na região? Vai realmente por fim nessa ideia de [fazer] regularização fundiária para, a partir daí, ser desmatamento zero? É uma espécie de enxugar gelo: você regulariza, aí novamente tem invasão e aliança perversa entre grileiros e agentes dentro do Congresso – e, às vezes, do governo de plantão – e se cria a certeza da impunidade, e [não só], mas o prêmio pela impunidade. 

Qual é a alternativa à regularização fundiária?

O que tem que fazer é ordenamento territorial e fundiário, que pressupõe demarcar as terras indígenas; isolar os povos originários que não podem ter contato, criando inclusive um cinturão de proteção; consolidar áreas que podem ser utilizadas para atividades produtivas agrícolas de base sustentável, fazendo transição para o programa ABC [de agricultura com baixas emissões de carbono], como o que foi desenvolvido pela Embrapa. Mas não vamos chegar a isso se continuar destinando 1% do plano Safra para agricultura de baixo carbono e 99% para a agricultura tradicional.

Se vai fazer ordenamento territorial e fundiário, vai ter que demarcar Unidade de Conservação de uso sustentável e proteção integral, vai criar infraestrutura para o desenvolvimento sustentável. Coisas boas que aconteceram nós temos que manter, como, por exemplo, o PPCDAm [Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal], que levou à queda do desmatamento por quase uma década. Em 2012 voltou a crescer, mas o plano ainda continuou – agora, com Bolsonaro, foi completamente abandonado, e é o centro de uma das ações julgadas pelo Supremo [no Pacote Verde]. Eu discuto propostas, ideias e projetos para o Brasil reconhecer erros. O PT e o PSDB foram os partidos que mais ficaram no poder após a reconquista democrática, será que não tem nada que possa ser percebido como erros que levaram, depois de tantos anos, a que a cena política, de forma deletéria, tenha sido assumida por Bolsonaro? 

Aproveitando esse gancho sobre PT e PSDB, recentemente você também afirmou à imprensa que “um dos grandes erros da nossa reconquista democrática” foi o PSDB ter preferido uma aliança com o ACM em vez do PT, e o PT ter se aproximado de José Sarney, Renan Calheiros, Fernando Collor e Paulo Maluf em vez de dialogar com Fernando Henrique Cardoso. Estamos perto de ver Geraldo Alckmin ser anunciado como vice de Lula na disputa presidencial. Avalia que essa aproximação deveria ter ocorrido mais cedo? Por quê?

Com certeza deveria ter ocorrido antes. O que está acontecendo agora, diante de todo o problema que o Brasil está vivendo com o governo Bolsonaro, é um encontro tardio e resvalado do Partido dos Trabalhadores com o PSDB e vice-versa. O Fernando Henrique fez uma síntese disso tudo, ele disse que “o PT e o PSDB ficam disputando para ver quem lidera o atraso” – o atraso que era comandado pelo Centrão no Congresso Nacional. Na verdade, em bases programáticas, mesmo sendo partidos da Social-democracia com origens e processos diferentes, PT e PSDB tinham muito mais espaço de conversa do que o PT com Sarney, Collor, Maluf e Renan; e da mesma forma, o PSDB em relação ao senador Antônio Carlos Magalhães.

O Alckmin é um legado do PSDB, sua vida pública e seus governos em São Paulo ocorreram pelo PSDB. Ele não estar mais no PSDB e ter se filiado recentemente ao PSB não o transforma, da noite para o dia, em alguém que vem de um legado da tradição socialista. Mas nós estamos aqui para aprender e costumo dizer que em cima de princípios éticos e valores duradouros de defesa da democracia, dos direitos humanos, do meio ambiente, do desenvolvimento sustentável, da justiça social, é possível fazer alianças pontuais. Em cima desses princípios, a gente conversa, trabalha em uma base comum, mesmo tendo a consciência de que cada um pode seguir sua trajetória na sua respectiva direção.

Mas na democracia tem que haver um ecossistema político coerente, não dá para imaginar que você vai ser a flor do pântano, não posso achar que minha existência deve ser exclusiva. Aliás, a floresta mostra muito isso. A seringueira, por exemplo, na Amazônia, não tem como ocorrer em plantio homogêneo, porque as pragas atacam e não tem controle que consiga detê-las, agora, numa floresta completamente diversificada, com muitas espécies e barreiras naturais, temos a seringueira de forma exuberante como o clone mãe de todos os seringais de cultivo fora da Amazônia. Como diz o provérbio, “sábios são os que aprendem com os erros dos outros, estúpidos os que não aprendem nem com os próprios erros”. Não fomos sábios para aprender com os erros e os acertos dos outros nesses requisitos, então não temos o direito de ser estúpidos. Mas temos que reconhecer que não dá para estar unidos só já em situação extrema, em estado de legítima defesa. Poderíamos talvez ter evitado o Bolsonaro e os prejuízos que ele causa. Quantas coisas talvez pudessem ter sido evitadas? 

Você confirma que sairá candidata a deputada federal por São Paulo? 

Essa questão vem surgindo já há algum tempo, com muitas pessoas dizendo que, depois da terra arrasada que Bolsonaro promoveu contra as agendas que mencionamos aqui, era a hora de termos uma grande bancada de defesa da ciência, tecnologia, meio ambiente, povos originários, educação e agricultura de base sustentável no Congresso. O Congresso hoje tem um poder de decisão que é até maior do que o do Executivo em alguns aspectos.

Quando penso na questão de como encarar esse desafio que está posto, de retornar para dar essa contribuição, esse não é um debate que está sendo feito só comigo; inclusive, venho estimulado esse debate para outras pessoas, e aí, de certa forma, ele foi devolvido para mim. Cheguei a conversar com algumas pessoas que têm um trabalho muito relevante, na esperança de que elas pudessem vir, mas compreendo que muitas delas estão em frentes igualmente importantes na sociedade brasileira.

Conversei com o ex-presidente do Inpe, Ricardo Galvão, que aceitou o desafio de defender a ciência no Congresso Nacional; estou conversando com a ambientalista [João Paulo] Capobianco – que foi fundamental durante a minha gestão como secretária executiva de Biodiversidade e Floresta para os resultados alcançados no plano de combate ao desmatamento – para que ele também viesse para a cena política. Fiz um desafio ao Eduardo Jorge, uma das referências do SUS, para que, agora que a saúde está na lona, ele possa vir, seja como senador ou como deputado federal. Voltar para o Congresso não é algo que eu tenha colocado no meu horizonte, mas diante dessa situação, estou avaliando. Não é uma decisão fácil e, neste momento, não tenho ainda uma decisão tomada. 

Por que a mudança de estado? E por que a Câmara, em vez do Senado?

No programa da Rede Sustentabilidade, ficou estabelecido que somos contra a reeleição para o Executivo, e eu fui uma das pessoas que defenderam com muita ênfase que, para o Legislativo, bastariam duas eleições. Não fui completamente vitoriosa nesta tese porque se considerou que, em casos muito raros e excepcionais, se o partido fizer uma espécie de prévia e determinar que [uma pessoa] pode sair para reeleição no Parlamento por mais de dois mandatos, aí poderá.

Quando decidi, em 2006, que não seria candidata a um terceiro mandato no Senado, era coerente com isso que eu estou falando. Deputada federal nunca fui: fui vereadora, deputada estadual e senadora por dois mandatos, então tem aí uma questão de coerência. [Sobre decidir ir] por São Paulo: depois de participar de três eleições para presidente da República, você passa a ter domicílio eleitoral no país, não mais em um único lugar.

Na primeira campanha, eu pensava que estava visitando as várias Unidades da Federação do Brasil; depois de três campanhas, parece que tem todas as Unidades da Federação junto com você, porque tem um envolvimento. As pessoas acham que São Paulo é um lugar onde a questão ambiental pode ser alavancada, como São Paulo já alavancou tantas questões no Brasil – o país ser um país agrícola, como foi, transitar para a indústria e tantas outras transformações. Do ponto de vista político, estou fazendo uma reflexão que não é fácil, porque há toda a carga da causa, do momento, e eu estou com 64 anos. Tem todas essas nuances.

Em 2014, quando candidata à presidência pelo PSB, falava-se muito que você representava a “terceira via” em relação à polarização entre Dilma Rousseff, do PT, e Aécio Neves, do PSDB. Hoje, esse discurso da “terceira via” está ainda mais presente na campanha presidencial, com a diferença de que o pólo contrário a Lula e o PT é ocupado por Jair Bolsonaro. Por que então não concorrer novamente à presidência? 

Quando você participou por três vezes da campanha presidencial, já deu sua contribuição, e para continuar contribuindo não precisa ser necessariamente como candidato. Estou participando do debate da forma como me é possível, de acordo com os critérios que considero serem importantes. Derrotar o Bolsonaro é um ato de legítima defesa, um imperativo ético. Do que está aí, nada consegue ser pior do que Bolsonaro. Mas temos uma eleição em dois turnos que nos dá a oportunidade de fazer o debate no primeiro e no segundo turno. Infelizmente, a polarização criada no Brasil, essa cultura de um ecossistema praticamente homogêneo em termos políticos – PT e PSDB, Arena e MDB e assim vai – criou uma grande dificuldade para se ter um terceiro caminho. Costumo dizer que, quando só há duas possibilidades, não se tem escolha, se tem opção – optar é diferente de escolher.

Emergência Climática

O projeto Emergência Climática investiga a relação entre emissões de carbono e violações de direitos de povos e comunidades tradicionais

O terceiro [caminho] introduz a ideia da escolha, e muitas vezes, ele pode ser criado. Essa expectativa está posta, mas está muito pulverizada. E existe uma aposta histórica na polarização. Essa [eleição] não é uma guerra do bem contra o mal, uma santa inquisição política, é uma campanha que deve ser feita muito mais para marcar claramente à sociedade brasileira quais são os compromissos, qual é o novo pacto de sustentação, quais são as novas alianças em bases programáticas para romper com esse presidencialismo, que hoje já virou de esculhambação, não é mais nem de coalizão.

Isso só será possível se formos capazes de compreender que quem for para a presidência tem que se entender como um governo de transição: defendo que se faça uma mudança para um mandato de 5 anos sem direito à reeleição, e que isso valha não para quem ganhar em 2022, mas para o próximo. Quem entrasse lá iria apenas fazer essa transição de quatro anos para firmar, do ponto de vista das instituições democráticas, das políticas sociais, das políticas ambientais, de uma nova base de sustentação no Congresso, onde nós teríamos aí sim uma espécie de presidencialismo de proposição, em que você faz os alinhamentos políticos em cima de grandes eixos estratégicos. 

Nesta semana, o Psol aprovou a formação de uma federação partidária com a Rede. Os partidos se uniram por uma razão pragmática – a vencer as cláusulas de barreira – ou por afinidade de objetivos? 

A federação com o Psol tem a ver com uma compreensão da democracia que eu acho muito saudável. É preciso um ecossistema diversificado no campo democrático. A Rede é um partido muito jovem, uma busca por inovação política, de estruturas, processos, linguagem e formulação de novos paradigmas para o que seria uma espécie de utopia sustentabilista. O Psol é um partido socialista com definições históricas, que reivindica o socialismo democrático, o ecossocialismo e assim por diante. Somos diferentes, mas se você olhar as votações da Joênia [Wapichana, única deputada da Rede na Câmara] na defesa do meio ambiente, dos povos indígenas e as votações [da bancada] do Psol na prática, temos uma ação muito compatível dentro do Congresso Nacional.

Não estamos fazendo uma fusão com o Psol, é uma federação – a Rede tem seu programa e o Psol tem o dele. A saída que encontramos foi não nos tratarmos como [partidos] complementares. Pelo menos da minha parte, tentei ajudar com a ideia da suplementariedade: na complementaridade, falta um pedaço de um e de outro, então eles se complementam. Não é disso que se trata. O Psol é um real diferente, a Rede é um real diferente. Somos singulares e as nossas singularidades vão se encontrar de forma suplementar em defesa da democracia, do meio ambiente, dos povos indígenas, da educação e de tantas agendas fundamentais que temos em comum. 

Tem sido noticiado que a federação fechará apoio à candidatura de Lula, em vez de Ciro Gomes, de quem você está mais próxima e chegou a ser cotada como vice. Como você avalia essa questão? 

Em relação à eleição de 2022, no plano majoritário, o caminho foi trazer aquilo que é também a cultura da Rede nesse encontro com o Psol. Como o Psol é o partido com maior peso decisório dentro da federação, pelo seu tamanho como bancada, expressão de votação em termos eleitorais e uma série de questões, terá 60% da direção da federação, e a Rede, 40%. Foi estabelecido que, oficialmente, a federação irá apoiar a candidatura que o Psol tem maioria para fazer, mas serão liberados aqueles que não concordarem.

Dentro da Rede, o caminho que se está seguindo é esse também. Temos o senador Randolfe que já antecipou sua posição de apoio ao presidente Lula, eu estou participando do debate interno com esse termo de referência – mais do que a gente declarar aos candidatos é fundamental que eles declarem o que estão apoiando e com que estão se comprometendo, e debater em termos dos compromissos, e falo isso no campo democrático. A senadora Heloísa Helena tem manifestado suas posições mais favoráveis à candidatura de Ciro Gomes, mas também ainda está fazendo o debate. De sorte, dentro da Rede, o que vai haver é uma liberação. Óbvio que Bolsonaro de jeito nenhum, do mesmo jeito que foi o segundo turno de 2018 – poderia votar em branco, nulo ou no Haddad, jamais Bolsonaro. Como eu disse, derrotá-lo é um ato de legítima defesa da civilização, da democracia, dos indígenas, da educação, de tudo que é constitutivo de avanços da dignidade humana. 

Temos observado grupos evangélicos se articulando em torno das pautas ambiental e climática, a exemplo da coalizão Evangélicos pelo Clima e da iniciativa Fé no Clima, do ISER. Você acredita que as igrejas são um espaço importante para fazer com que essas discussões se aproximem das pessoas que mais sofrem os efeitos da crise climática? Por que isso não acontece ainda, a seu ver?

No mundo inteiro está acontecendo. Esse é um debate que tem que atravessar todas as pessoas, religiões e segmentos. Não são apenas os cristãos que precisam de terra fértil, água potável e ar puro, os ateus, umbandistas e muçulmanos também. Se o capitalista precisa, o trabalhador também; se o jovem precisa, o adulto e o idoso também. É nesse lugar em que todos nos encontramos para buscar as respostas e encontrar a saída ou para continuar aprofundando o Armagedom ambiental que está diante de nós. Os cristãos não estarem preocupados com a biodiversidade, mudanças climáticas, recursos hídricos e todas essas agendas é uma grande contradição, porque quem acredita que Deus criou todas as coisas não pode amar o criador e destruir a sua criação – é uma grande incoerência. Isso em si já é uma grande base para revisitar essa visão que, entendo eu, é equivocada em relação ao Gênesis 1:28. “Dominai a Terra e tudo que nela há”: as pessoas acham que é para destruir e acabar. Mas lá na frente, no Gênesis 2:15, está dito que Deus colocou o homem no jardim para cultivar e guardar – é um domínio cuidadoso. As pessoas pegam fragmentos de um sistema que tem coerência em termos teológicos e derivam para interesses muito particulares e imediatistas de destruir recursos de milhares ou bilhões de anos pelo lucro de poucas décadas. Isso eu entendo que tem que ser tratado nas empresas, igrejas, escolas, teatro, televisão – em todos os lugares. As agendas ambiental e climática são transversais, são a base da vida no planeta, da sobrevivência das espécies – e não só da nossa, obviamente.

Apesar da necessidade de que as agendas ambiental e climática sejam discutidas em todos os ambientes que você citou, no Brasil ainda são muito ideologizadas, encaradas como de esquerda, o que pode ser um problema nas comunidades evangélicas. Como mudar isso?

Existe um cuidado com a agenda ambiental que vem a partir da experiência. Algumas experiências são de contemplação e de aprazimento, mas existe aquele que vem da experiência dolorosa. Uma boa parte das pessoas se mobiliza pela experiência do contato, da beleza, de compreender a importância da natureza, e existem aqueles que aprendem a sua importância nos momentos em que ela se manifesta já na forma de fúria ou que recebe as consequências.

Esse aprendizado das pessoas está sendo muito rápido, o problema é que não temos os governos e a maioria das empresas à altura para, com base nessa sensibilidade, fazer as mudanças necessárias. As pesquisas dão conta de que 80% dos brasileiros acham que a Amazônia é um tema importante para a campanha de 2022, no entanto, a gente não o vê sendo tratado como deveria até agora nas candidaturas a presidente da República. Mais de 80% também acham que já estamos vivendo sob os efeitos das mudanças climáticas e que essa é uma questão importante. Ou seja, a gente tem uma grande sensibilidade, agora, transformar essa sensibilidade em efetividade tem a ver também com a determinação de empresas e governos em fazer o que precisa ser feito. Como diz a música do Gil, “o povo sabe o que quer, mas também quer o que não sabe”. O que o povo sabe e quer, ele cobra agora, o que o povo quer e não sabe, ele cobra lá no futuro. E cobrará de forma altamente legítima, com muita severidade. 

Você cita um exemplo para isso?

Quando fui contra Belo Monte e reencaminhei para estudos, muita gente dizia que eu era a “ministra dos bagres” atrapalhando o desenvolvimento do Brasil, a política de energia etc. Hoje, quando a gente vê os maiores índices de violência, onde estão? Belo Monte. Baixíssima eficiência na produção de energia? Belo Monte. Altíssimos impactos ambientais negativos? Belo Monte. Ineficiência do ponto de vista econômico, porque nem viabilidade econômica teve? Belo Monte. As pessoas legitimamente cobram isso agora, mas nós já tínhamos condições de saber naquele momento, então caberia bancar, pagar o preço para não fazer. Acho que essas coisas nos ensinam, espero que ensinem em relação ao Tapajós, à transição energética, ao combate da violência para que nossa população preta, sobretudo os jovens, não seja todos os dias vitimada por uma guerra cuja única razão para ser alvo é ter a cor preta e ter vindo de uma ancestralidade que foi escravizada por um sistema perverso que avilta a dignidade humana. 

Os evangélicos constituem base importante de apoio ao presidente Bolsonaro, tanto no Congresso quanto eleitoralmente. O que o governo trouxe efetivamente de benefícios aos eleitores evangélicos? Há algo que justifique repetir o voto este ano?

Temos que olhar para essa realidade não como se 2018 tivesse sido congelado, essa realidade já mudou. Um terço está com Bolsonaro; um terço, com Lula; e o outro terço, buscando novas alternativas. Ou seja, dois terços desse segmento já não estão com Bolsonaro. E por quê? Com certeza, em função das péssimas políticas para saúde e educação, em função do desemprego, do problema grave da corrupção nas vacinas e no MEC. Mas uma parte também está saindo porque é muita incoerência alguém dizer que é Deus acima de tudo e não se preocupar com a saúde das pessoas.

Quando Jesus diz “eu estava doente e tu foste me visitar”, assume para ele o lugar de quem recebe a visita de alguém que se importa com quem está doente, preso, passando fome ou não tem liberdade. Esse governo desdenha da saúde e da morte das pessoas, não se importa com a educação, com a liberdade. Quer liberdade maior do que o livre arbítrio, em que você é senhor absoluto das suas decisões, e que mesmo no sistema de crenças, de quem acredita que tem um Deus criador, você está livre para não escolher Deus? Liberdade é algo fundamental, e [temos] um governo que pisoteia a Constituição no quesito da liberdade. Até o discurso hipócrita do combate à corrupção [cai por terra]: os vendilhões do templo agora viraram os vendilhões do MEC. Os valores que estão no Evangelho não têm nada a ver com você ter dentro do Ministério da Educação pessoas que se dizem pastores trocando a liberação de recursos públicos, que deve obedecer aos princípios da constitucionalidade, probabilidade e impessoalidade, por propina de ouro. Isso é um vitupério. Não tem como generalizar, essa realidade já mudou. 

É preciso olhar para o seguinte: o Estado é laico e ninguém vai impor a fé para o conjunto da sociedade, mudando a Constituição ou por leis do Congresso. Se isso fosse possível, nem precisava Jesus ter ido para cruz. Quando as pessoas acham que farão todo mundo viver de acordo com aquilo que acreditam que deve ser imposto como os valores da fé cristã, é como se tivessem revogando o sacrifício de Jesus. Você foi para a cruz do calvário porque quis, bastaria dizer para o centrão que, a partir de agora, todo mundo vai viver assim e aprova esse negócio que está aí no Congresso. Não é assim, o Estado é laico e as políticas públicas são para todas as pessoas, para quem crê, para quem não crê, independente da cor, condição social, orientação sexual. Isso é política pública e Estado laico, grandes contribuições da reforma protestante. As pessoas não podem esquecer que a separação entre igreja e Estado é uma contribuição do legado protestante, que está na raiz dos evangélicos no mundo.

O quanto as pessoas, de fato, entendem isso? Se olharmos para o Congresso, por exemplo, há uma bancada evangélica bastante expressiva…

Esse legado da reforma protestante sobre o Estado laico precisa ser trabalhado nas igrejas. Para alguns é importante deixá-lo no esquecimento, porque aí se tem essa expectativa que fica muito feliz em ouvir do presidente da República que quem vai mandar no governo são os pastores evangélicos. Para alguns, é conveniente, para outros – que não são poucos, mas que não fazem, digamos, o embate do dia a dia; estão fazendo o trabalho em suas igrejas e comunidades, com impactos positivos nas vidas das pessoas – é muito ruim esse tipo de atitude. Obviamente, não dá também para olhar para esse conservadorismo, essa instrumentalização da fé pela política e da política pela fé, apenas atribuindo unilateralmente ao segmento evangélico. Qual é o lugar em que você fortalece a interlocução com o cidadão, sabendo que ele tem uma fé, uma visão de mundo? É não tendo também nenhum tipo de preconceito em relação a isso. Eu, por exemplo, sempre fui cristã: primeiro católica – quase fui freira – e sou evangélica desde 1996. Antes [disso], nunca fui acusada de ser uma pessoa fundamentalista.

O que foi que mudou na minha trajetória que passaram a dizer que era fundamentalista, que ia acabar com o Estado laico, com o Sírio de Nazaré, que era uma pessoa homofóbica? Isso é um dado de realidade ou foi a lógica do poder pelo poder, que coloca todo mundo no lugar que lhe interessa, mesmo que não tenha nenhum compromisso com a verdade? Dois terços [dos evangélicos] não estão com o Bolsonaro e não podem ser rotulados de estar fazendo essa instrumentalização. Aqueles que até porventura possam estar têm que ser olhados como pessoas que podem mudar de opinião, não se pode desistir disso, até porque é bíblico – o apóstolo Paulo diz “não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento”. Muda o entendimento, tem que mudar a ação.   Histórias como essa precisam ser conhecidas e debatidas pela sociedade. A gente investiga para que elas não fiquem escondidas por trás de interesses escusos. Se você acredita que o jornalismo de qualidade é necessário para um mundo mais justo, nos ajude nessa missão. Seja nosso Aliado

*Esta reportagem faz parte do especial Emergência Climática, que investiga as violações socioambientais decorrentes das atividades emissoras de carbono – da pecuária à geração de energia. A cobertura completa está no site do projeto.

*Colaboraram: Laura Scofield e Raphaela Ribeiro

Testo e imagem reproduzidos do site: apublica.org

terça-feira, 18 de setembro de 2018

“As políticas sociais serão melhoradas e serão feitas sem roubo” (Marina Silva)

A candidata da Rede, Marina Silva. TONI PIRES

Eleições 2018 - São Paulo, 15 SET 2018 

Marina Silva a eleitor de Lula: “As políticas sociais serão melhoradas e serão feitas sem roubo”

Em entrevista ao EL PAÍS, candidata da Rede diz que vai revogar pontos da reforma trabalhista e que vai deixar teto de gastos sem efeito para poder investir em educação

 CARLA JIMÉNEZ e FLÁVIA MARREIRO

Marina Silva (Rio Branco, 1958) enfrenta sua terceira campanha eleitoral à presidência do Brasil com estoicismo. Com menos recursos e menos estrutura partidária do que em 2014 e com trajetória de queda nas pesquisas nesta semana (média de 11,5% agora), diz estar sendo oprimida pelas circunstâncias do sistema político. "É agora que o jogo vai começar", se anima, no entanto, ao falar a respeito da definição da candidatura de Fernando Haddad pelo PT. A escolha encerra, segundo ela, uma "blindagem pela ausência" de seu antigo partido.

A possibilidade de migração de votos lulistas para ela é uma principais fontes potenciais de crescimento para sua campanha. Se esse apoio vier, frisa ela, terá de vir sem concessões ou acenos de qualquer tipo. "Não posso ser conivente com erro do Lula ou de quem quer que seja para poder ganhar os votos."

A ambientalista da Rede conversou com o EL PAÍS em um restaurante do aeroporto de Congonhas, na quarta-feira, entre agendas pelo país, penosamente cumpridas em voos de carreira. Falou por pouco mais de uma hora –e conquistou ao menos três votos de funcionários do restaurante, que vieram cumprimentá-la ao final da entrevista. "No meu caso fica difícil apresentar as propostas porque eu só tenho 20 segundos, mas eu espero que dessa vez a consciência dos brasileiros seja maior do que a força do dinheiro."

Pergunta. A que você atribui a queda nas pesquisas, em especial entre as mulheres, para quem sua campanha tem direcionado o discurso nos últimos dias?

Resposta. Não é nos últimos dias. Meu compromisso com as mulheres é um compromisso da vida. Não é uma estratégia eleitoral. Essa é a primeira vez que tem uma oscilação e é muito interessante que, durante esse tempo todo, mesmo com um partido pequeno, mesmo sem estrutura de dinheiro, a gente venha mantendo uma disputa de igual para igual com os grandes partidos. Na primeira vez em que acontece uma oscilação, já vai se criando uma narrativa, como se isso tivesse já uma tendência estabilizada. Não é. É apenas um retrato de um momento. Até porque é agora que o jogo vai começar. Porque até então a candidatura do Partido dos Trabalhadores estava blindada pela ausência. Blindada dos debates, de ter que explicar para a sociedade brasileira os graves problemas de corrupção, porque nós deixamos de ser o país do pleno emprego para um de 13 milhões de desempregados. Todos os problemas que estamos vivenciando. E nós vamos continuar fazendo nosso trabalho. Dialogando com as pessoas, apresentando nossas ideias, viajando o Brasil inteiro. Mesmo que seja mais difícil, porque a gente faz nossa campanha em avião de carreira. Nossos adversários, com quase meio bilhão de reais, conseguem fazer 2, 3 Estados por dia, de jatinho. Então, há dificuldades de estrutura nesse processo. Como as mulheres estão sendo mais cautelosas, elas precisam ter contato com as propostas. E no meu caso fica difícil também apresentar as propostas porque eu só tenho 20 segundos. Esses fatores obviamente tem um peso, mas eu espero que dessa vez a consciência dos brasileiros seja maior do que a força do dinheiro.

Precisa mudar a cultura do "rouba, mas é de esquerda, do "rouba, mas faz reformas"

P. Faltam 25 dias de campanha. Com todas essas dificuldades, dá tempo de entregar essa mensagem e passar para o segundo turno? A essa altura, em 2014, você tinha 30% de apoio...

R. Eu não sei se dá tempo, eu só sei que eu tento de manhã, de tarde e de noite. Há uma tendência em transformar a eleição em um plebiscito baseado em pesquisa, que passam a ser um termômetro para influenciar a decisão do eleitor, sobretudo para jogar com o voto útil. Mas essa postura transformou os resultados políticos em algo muito inútil para a sociedade brasileira. A grande dificuldade é que, se em 2014 eu tive um bloqueio pela agressividade política, a violência, a desconstrução da campanha da Dilma, e pelo abuso do poder econômico do dinheiro da corrupção, agora esse bloqueio foi antecipado com uma mudança na legislação para que o dinheiro ficasse nas mãos dos grandes partidos e o tempo de televisão ficasse nas mãos dos grandes partidos. O meu esforço é provar que a consciência dos brasileiros é maior do que o dinheiro. É nisso que eu vou continuar persistindo, para que mais e mais pessoas possam se descolar dessa ideia de dar o seu voto em função de aderências cativas a esse ou aquele grupo independentemente dos feitos desse grupo e de suas lideranças.

P. Sem Lula, uma parte expressiva do eleitorado dele escolhe você. Por que essas pessoas devem escolher você e não Fernando Haddad? O que diria a esse eleitor lulista?

R. Não vamos tratar o povo brasileiro como se fosse propriedade do Lula. A gente não pode discutir uma eleição disputando os votos como se eles fossem privatizados por uma pessoa ou por um partido. Eu estou dialogando com os cidadãos.

P. Estou falando de escolha pragmática que leva ao voto, das pessoas que falam: "Escolho Lula porque minha vida era boa na época dele por isso e aquilo". O que senhora tem a dizer a esse lulista?

R. Eu tenho a dizer que as políticas sociais serão melhoradas e que serão feitas sem roubo. Porque quando não se rouba, é possível fazer mais e melhor. É isso que eu vou dizer e estou dizendo para a população brasileira. Talvez isso não tenha uma aderência fácil, mas isso que precisa mudar no Brasil. A cultura do "rouba, mas faz", do "rouba, mas é de direita", do "rouba, mas é de esquerda", do "rouba, mas faz reformas". Estão banalizando algo que não pode ser banalizado. Eu vou dizer para as pessoas que eu tenho compromisso com o Bolsa Família, mas o Bolsa Família como direito, não como favor. Eu tenho compromisso com as cotas, como um direito, não como um favor. Eu quero que os brasileiros sejam pessoas livres para dar seu voto a quem elas desejarem. Não posso ser conivente com erro do Lula ou de quem quer que seja para poder ganhar os votos. Eu quero que os votos venham a partir de uma visão crítica de tudo isso que levou o país para essa situação. Isso não é uma obra do Temer. Isso é uma obra dos Governos do PT, desde que a Dilma ganhou em 2010 esse processo de degradação das políticas vem acontecendo no Brasil. O Temer é uma continuidade do Governo da Dilma. Foi ela que o colocou na linha sucessória. O roubo na Petrobras, no Banco do Brasil, na Caixa Econômica, nos fundos de pensão, em Belo Monte isso é algo que não pode ser banalizado em troca de voto. Eu quero que o Brasil faça uma mudança e coloque esses partidos pelo menos de férias por quatro anos para a gente poder fazer uma transição para um outro patamar de governança.

Todo mundo sabe que, se esses grupos continuarem, a instabilidade política vai permanecer.

P. Você mencionou o desemprego. No seu projeto, vislumbra que voltaremos ao pleno emprego? Como vai trabalhar a recuperação de emprego?

R. A primeira coisa é recuperar a credibilidade. Hoje o Brasil não tem investimento interno nem externo. Tudo está parado no Brasil. Porque não há credibilidade e não há confiança. Com o Governo que está aí? Nem uma chance. Também há uma grande incerteza, porque se foi para uma polarização insana no país. Todo mundo sabe que, se esses grupos continuarem, a instabilidade política vai permanecer. A única forma de sair disso é ter uma transição de quatro anos com alguém que seja capaz de unir o Brasil, que seja capaz de recuperar o legado do Plano Real, o legado das políticas sociais, agregar a isso o desafio de um novo ciclo de prosperidade com sustentabilidade ambiental e poder levar o Brasil para um outro patamar político de governança. Não é mais a governança com base na compra do voto, do aliciamento. É um governo de proposição, e eu vou governar unindo o Brasil. Sei que estou pronta para isso. Estou dizendo isso desde 2010. Eu não tenho preconceito nem com o legado do PT na área social nem com o legado do PSDB na área econômica. Não acho que todas as pessoas desses partidos se corromperam. Existem pessoas boas e estou disposta a falar com todas elas, mas o parâmetro não vai ser mais a lógica do partido que corrompe, que põe os piores quadros para que sejam eles o operadores do sistema criminoso que a Lava Jato está desmontando e ou ao menos tentando desmontar.

P. Você fala em recuperar a credibilidade, mas, a partir daí, é infraestrutura, é agricultura? Quais setores são cruciais para a retomada econômica?

R. O Brasil tem a possibilidade de caminhar utilizando suas principais potencialidades. Nós temos uma grande capacidade de exportar serviços, de exportar produtos e commodities agrícolas e minério, desde que em bases sustentáveis. É com essas possibilidades que eu vou trabalhar para que o Brasil se integre cada vez mais às cadeias produtivas globais de valor. Nós temos um vício de uma indústria que foi se acostumando aos subsídios do governo, que não criou uma base competitiva para pode se firmar. Hoje, a própria indústria tem essa consciência. E o Governo não pode mais continuar fazendo isenções. Não pode continuar com a indústria do Refis, do perdão ou renegociação de dívidas. Nós estamos em crise. Precisamos cortar o dreno da corrupção, usar com eficiência o dinheiro público, fazer uma avaliação de desempenho de projetos, de programas, que na maioria das vezes só servem para ter meia dúzia de quadros fisiológicos para ficar utilizando esses recursos como base eleitoral ou como dinheiro para suas campanhas milionárias. Se o Brasil não chegar a isso, estamos hoje no fundo do poço e vamos para um poço sem fundo. Até porque todos esses partidos, PT, MDB, PSDB e DEM, todos têm o compromisso entre eles: quem ganhar vai tentar acabar com a Lava Jato. É por isso que eles fizeram um grande acordo para que o fundo partidário e eleitoral ficasse com eles, que o tempo de televisão ficasse com eles. Porque eles sabem que qualquer um deles que ganhar vai trabalhar com muita competência para acabar com a Lava Jato.

P. Você elogia a Lava Jato, mas a operação demonstrou também ter limites. Atingiu alguns grupos mais que o outros. Com o apoio do Congresso, Temer se protegeu.

R. Mas isso não é a Lava Jato. Isso é um problema do foro privilegiado. Quem blindou o Temer foi o Congresso e a Lava Jato não manda no Congresso. Vou acabar com o foro privilegiado.

P. Mas para acabá-lo terá que passar pelo Congresso. A previsão de analistas é que o próximo Congresso não será muito diferente do atual, especialmente pelos motivos que você falou: concentração de recursos na mão dos partidos, etc.

R. Você acha, então, que, nesse caso, a gente deve se conformar, cruzar os braços? Ninguém pode fazer nada? Eu não acredito nisso. Eu luto contra isso. A Lava Jato vem fazendo seu trabalho. Ela vinha sendo sabotada pelo Governo do PT e no Governo do Temer e, se um desses ganhar, vai continuar sendo sabotada. O que nós defendemos, nós da Rede, é o fim do foro privilegiado.  É isso que se faz com que não se tenha a situação dos que não têm foro –sejam empresários ou políticos– estejam sendo punidos, os que têm estão sendo protegidos. E, por incrível que pareça, uns apoiando os outros. Por exemplo, quando o Supremo encaminhou o afastamento do Aécio Neves, quem fez uma carta contra o afastamento do Aécio? Vocês sabem? O Partido dos Trabalhadores. Por quê? Porque eles se protegem nesse quesito.

Nós temos um vício de uma indústria que foi se acostumando aos subsídios do governo, que não criou uma base competitiva para pode se firmar

P. Mas, concretamente, qual sua expectativa sobre a eleição do Congresso?

R. Eu aposto que a sociedade brasileira tem uma chance de melhorar muito esse Congresso e se eleger um Governo que não seja conivente com os 200 investigados que ali estão a gente pode alterar significativamente o quadro. Agora, se eleger um representante dos partidos que são coniventes, aí sim, o problema será aprofundado. É preciso ir progressivamente quebrando a coluna vertebral da corrupção institucional. A corrupção no Brasil foi institucionalizada. Ela é operada de dentro das instituições. É por isso que a maioria dos candidatos investigados são candidatos à reeleição. Uma boa dos que eram senadores estão saindo como deputados só para não perder o foro privilegiado e eles torcem para que o Governo esteja na mesma situação que eles para poderem serem cúmplices no combate das medidas que estão ajudando a desvendar os casos de corrupção. Até estão com leis para facilitar a corrupção: por exemplo, a anistia do caixa 2. Caixa 2 deve ser criminalizado. Lei de abuso de autoridade para intimidar o Ministério Público, a Polícia Federal, que são autônomos como uma conquista da Constituição de 1988. A maioria dos partidos que estão sendo investigados lutaram para que isso acontecesse. Agora que eles estão sendo investigados, eles estão ameaçando tirar autonomias dos órgãos de controle.

P. A senhora acha que há exageros na Lava Jato, como apontam alguns especialistas e juristas?

R. Se você me der alguns exemplos, talvez me ajude a raciocinar.

P. A crucial divulgação dos áudios de Lula e Dilma pelo juiz Sérgio Moro, por exemplo, recebeu críticas até do então ministro do Teori Zavascki , e por parte da comunidade jurídica. Além de tudo, havia trechos de conversas privadas, por exemplo. A própria chicana solta ou não Lula. analistas apontam falhas não só na atuação do desembargador que deu o habeas corpus para Lula, mas de outros.

P. Não é uma questão que concerne apenas ao PT. O Judiciário também perdeu credibilidade perante uma parcela da sociedade. A senhora concorda ou não com as críticas à Lava Jato?

R. A Justiça tem seus mecanismos de controle. A Operação Lava Jato acertou em todos os casos que ela foi dizendo que tinha casos de corrupção. É um trabalho primoroso que vem sendo feito, mesmo sendo bloqueado pelas forças mais poderosas do ponto de vista econômico, político e do ponto de vista da capacidade de influenciar a opinião pública. Eu fico imaginando porque as pessoas não se atém aos conteúdos que foram revelados. Eu fico imaginando se as pessoas não soubessem de nada disso, que isso tivesse sendo feito e a gente não tivesse nenhuma informação, que a imprensa livre não tivesse dando informação para as pessoas. As pessoas ficam vendo as maiores lideranças da República avisando aos investigados. A presidenta Dilma falando para alguém que avisasse à Mônica (Santana), para que se avisasse ao João Santana (segundo a delação dos marqueteiros). Quando se está num cargo da República não é para sabotar a República. É para proteger a República.

P. A senhora falou que o presidente Lula é corrupto. A senhora crê, portanto, que há provas suficientes e claras contra ele na Lava Jato para essa afirmação.

Eu gostaria de ter sido beneficiada pelas cotas. Tive que abrir uma pequena fresta em um muro feito de pedra

R. Houve uma condenação em segunda instância. O presidente Lula teve acesso aos melhores advogados desse país. Recorreu em todas as instâncias e há uma condenação de segunda instância. Não posso ter dois pesos e duas medidas. Se você me perguntar se eu desejo que essas lideranças políticas tivessem se envolvido em corrupção? Eu gostaria que nada disso tivesse acontecido. Se cometeu erro, se está comprovado, se teve a mais ampla defesa, nós não podemos criar uma situação que alguns estão acima da lei.

P. E sobre seus concorrentes atuais, o que a senhora diz em relação a corrupção?

R. Dos concorrentes atuais, há pelo menos dois que não foram pegas na Lava Jato, o Alvaro Dias (citado em delações) e Ciro Gomes. E eu não vou mentir sobre ninguém. Não faço campanha desconstruindo a biografia de ninguém, mesmo dos meus mais ferozes adversários.

P. Caso do reitor da Universidade de Santa Catarina que se matou após ser detido acusado de obstruir uma investigação (que depois acabaria rejeitada pela Justiça) se tornou emblemática das críticas sobre os supostos excessos. Isso não chama sua atenção?

R. Com certeza. Por isso existe o Conselho Nacional de Justiça para poder fazer todas as correções de rumo. Não vejo Justiça como vingança, é um ato necessário de reparação. É por isso que eu não fico tripudiando de quem está preso. Nem empresário nem político. Em uma democracia civilizada você não ficar tripudiando de presos. Eles já estão entregues ao Estado. A gente tem que ter todo o zelo para que não haja nenhuma extrapolação nem para inocentar culpados ao arrepio dos autos, nem para condená-los ao arrepio dos autos. Os mecanismos de controle estão aí para isso e devem ser cobrados para que façam isso. Não se pode ter dois pesos e duas medidas. Quem é rico demais? Acima da lei. Quem é poderoso demais? Acima da lei. Popular demais? Acima da lei. Ninguém está acima da lei.

P. Recentemente um colaborador proeminente seu, Eduardo Gianetti, foi falar a estudantes em nome da campanha e disse que o país não deve "macaquear" políticas estrangeiras de cotas raciais. A senhora está comprometida com as cotas? Não causa ruído?

R. Estou totalmente comprometida. Essa é uma opinião pessoal dele. Na minha campanha tenho colaboradores e, como eu disse, as pessoas têm pensamento livre. É a posição dele. O meu programa de Governo claramente defende as cotas, porque elas são uma forma de reparar injustiças históricas cometidas contra negros, contra índios e pessoas em situação de fragilidade. Elas são um direito e serão mantidas. Criaremos condições para viabilizar aos beneficiários das cotas para estudar e desenvolver suas capacidades. Eu mesma gostaria de ter sido beneficiada pelas cotas. Tive que abrir uma pequena fresta em um muro feito de pedra, de metros e metros de pedras, e passar por elas. Se eu for presidente da República, quero ajudar para que nenhuma pessoa tenha que passar por frestas. Nem pelas frestas das Justiça, nem da educação, nem pelas frestas do respeito à sua condição humana, independentemente de ser negro, de ser mulher, da sua religião ou da sua orientação sexual. É claro que fazer política pensando não apenas em propostas, mas em propósito é mais difícil. Sendo mulher, sendo negra, sendo de origem pobre, sendo evangélica, dá mais trabalho. É mais difícil porque o preconceito é bem maior. Ainda bem que 2010 foram 19 milhões de brasileiros que não se renderam  a esse preconceito. Em 2014, mesmo tendo sido agredida, desconstruída, infelizmente por uma outra mulher, que não tinha o direito de tisnar minha biografia, porque ela sabia que estava mentindo.

P. Você menciona sua biografia, no Jornal Nacional lembrou que foi empregada doméstica, e há analistas que defendem que isso deveria ser um discurso mais frequente na sua campanha para provocar uma identificação mais imediata com o Brasil negro e pobre. O que diz?

“Tem que ter o Centrão", “não, o Congresso é assim”. Não é assim. Enquanto a gente achar que é assim vai ficar assim. Estou nessa campanha para dizer que não é assim

R. Esse discurso faz parte da minha vida. Não é estratégia eleitoral.

P. Mas esse aspecto não pode ser mais explorado?

R. Essa instrumentalização grosseira que é feita… É muito difícil fazer política com decência porque tudo vira estratégia, instrumentalização. A minha identidade, o ser negra, é da minha condição. E esse discurso aflora como um processo vivo da própria dinâmica. E essa identidade é natural.

P. Não existe pressão dos próprios apoiadores por uma maior dose de pragmatismo, candidata? Não digo instrumentalização, mas pragmatismo. A senhora tem 21 segundos de tempo na TV… Como a pessoa do interior do Ceará vai saber a trajetória que a senhora tem?

R. Mas isso é feito o tempo todo. Só não tenho é muito espaço para fazê-lo. Aliás, as pessoas reclamam que eu estou sumida. Eu fico pensando: Meu Deus, o que eu posso fazer para aparecer? Eu não parei de trabalhar, fiz quase 200 palestras. Conversei com mais de 150.000 pessoas olhando diretamente. Com muito cuidado. Eu ajudei a construir um por partido de forma voluntária, me posicionei sobre todos os temas relevantes da sociedade brasileira, e as pessoas dizem “você está sumida“, porque eu não apareço com frequência nos meios de comunicação? Porque eu não tenho mandato?  Carreguei a bandeira das Olimpíadas de Londres em 2012 isso não foi manchete. Eu fui convidada pelo presidente Macron para ajudar numa iniciativa global de meio ambiente e isso também não foi manchete dos jornais. O que eu preciso fazer para mostrar que não estou sumida? Isso não depende de mim. Depende de quem acha que meu trabalho é relevante ou não. Aqui nós temos um poeta que diz “do rio que tudo arrasta se diz violento. Porém, não se diz violento das margens que o oprimem”. Isso me consola bastante. Às vezes eu sou acusada até por não reagir à altura. Mas como reagir à altura com 20 segundos? É a mesma coisa que dizer para uma pessoa pobre que ela é pobre porque não se esforçou para ser rica.

P. Mas a senhora está concorrendo com um candidato que tem oito segundos e que está liderando. Que também não tem partido, que também viajou pelo país, e tem 5 milhões de pessoas nas redes sociais. Não estamos falando do MDB ou PSDB. E a senhora sempre focou nas redes sociais desde 2010.

R. Mas sempre com a verdade. Ninguém nunca me viu distribuindo fake news, nem distribuindo agressões. Me vê sempre fazendo este discurso difícil de tentar sustentar uma posição de que é possível fazer política com ética.

P. Mas então por que o Brasil está mais pendente a apoiar um candidato que já mentiu, como no caso do livro de educação sexual que não foi comprado pelo MEC como ele chegou a afirmar,  e não está aberto a uma mensagem de ética, da verdade?

As pessoas querem revogar o debate e depois reclamam que tendências autoritárias estão prosperando no Brasil

R. Estamos vivendo um momento em que as mentiras têm ganhado muita força. Tem os que mentem dessa forma, dizendo que violência se combate com mais violência, tem outros que mentem dizendo que combater a corrupção é ser conservador e, infelizmente, isso tem prosperado. Mas, eu sinto que a população brasileira está muito indignada e ao mesmo tempo decepcionada. Uma parte muito decepcionada com os erros do PSDB, outra parte muito decepcionada com os erros do PT e é nesse momento que os que fazem o discurso fácil da violência, do justiçamento, parece que têm maior aderência, a história mostra isso. Agora, fazer o discurso de “vamos ser cautelosos”, “não podemos ter dois pesos e duas medidas”, “uma pessoa que está presa não é para ser execrada”... Não é fácil ter aderência para esse tipo de discurso.

P. A senhora não faz nenhum tipo de mea culpa? A Rede é um partido frágil. Tem críticas internas sobre processos de decisão, de desagregação. Pensa que poderia ter feito algo diferente nos últimos quatro anos?

R. A Rede é um partido que tem três anos. Quantos anos levou o MDB para ser o MDB? Quantos anos levou PT, que eu ajudei a fundar há mais de 20 anos, para ser o PT? Quanto tempo levou para o PSDB ser o PSDB? Não entendo porque as pessoas esperam que a Rede já seja um partido grande, poderoso. Nós fizemos uma escolha, com base em qualidade. Cheguei a conversar com mais de 20 parlamentares. Se eu tivesse feito uma escolha puramente pragmática, poderia ter um partido grande. Só que eu teria que ter entrado numa lógica de dizer que a Rede naquele Estado seria daquele deputado, que não tinha nenhuma identidade política e ideológica com a Rede com a questão da sustentabilidade. Fizemos uma escolha. Algumas pessoas saíram? Paciência, é da democracia. E eu as respeito. Na Rede, diferentemente dos outros partidos, as pessoas não saem para serem inimigos e serem destruídos. Eu mantenho minha relação de respeito com o deputado Ariel (Machado), com o deputado Alessandro Molon. Aliás, eu torço para que eles vençam pois são excelentes deputados. Política a gente deve fazer não é achando que você é o dono da verdade. Eu concordo com um grande humanista que diz que a verdade não está em nenhum de nós, ela está entre nós. Na política é assim que a gente tem de fazer. Às vezes não dá certo morando junto, mas dá certo sendo vizinhos. Não dá certo em alguns pontos, mas nos duradouros a gente pode fazer alianças.

P. A senhora cita o PT um partido que levou 20 anos para ser o PT, e falamos da Rede ter três anos. Existe a possibilidade de que não seja desta vez a presidência? Lula levou quatro eleições para chegar ao Planalto. Esta é sua terceira eleição. A senhora põe isso na conta?

R. Eu vejo a história como um processo dinâmico, nada é pré-determinado. Não é porque o Lula teve de tentar três vezes [antes de ganhar] que outros pessoas terão de disputar três vezes. A sociedade é soberana, ela vai fazer sua escolha. Infelizmente, no Brasil ela não tem conseguido os meios para fazer essa escolha. Em 2014 foi o dinheiro da corrupção, foi uma fraude eleitoral. Os bilhões que foram roubados da Petrobras fraudaram a eleição. Agora é tirado do próprio orçamento público. O PT, juntando fundo eleitoral com fundo partidário, vai ter quase meio bilhão de reais. Alckmin, que está com mesmo condomínio da Dilma, o Centrão — praticamente todos os que estavam com a Dilma vão estar com Alckmin — tem mais de meio bilhão de reais. Eu vou ter o dinheiro, lícito, das contribuições e um pouquinho do fundo, mas é isso que eu tenho pra fazer a campanha. Paciência. Vai ser o resultado que o povo brasileiro quiser. Eu não vou me corromper, eu não vou fazer absolutamente nada que não me leve a um resultado que é o lugar que eu quero chegar, que é passar o Brasil a limpo, fazer com que o Brasil seja um país republicano.

P.  Você faz soar que o Brasil não está preparado para você.

R. Não, não faço soar nada disso. Eu só digo que estou lutando para o que o Brasil seja isso. Eu lá no Acre lutei muito para poder melhorar um pouquinho a política. E eu encontrei muito descrédito, muita gente dizendo que não dava, que isso e que aquilo outro. Graças a Deus eu nunca acreditei nisso, e continuei. É assim que a vida é. Se o Luther King fosse acreditar nos que diziam a ele que não dava, nada teria acontecido. Se o Gandhi, ou Mandela acreditasse no que diziam que não dava, nada teria acontecido. As pessoas se conformam. Muito fácil dizendo que é assim mesmo. Este país passou por um trauma, o trauma da ditadura. Se não houvesse pessoas que tivessem resistido, [dizendo] que não pode haver censura, que os governos devem ser democráticos, até hoje era ditadura. Eu vejo as pessoas se conformando muito fácil. “Tem que ter o Centrão", “não, o Congresso é assim”. Não é assim. Por não me conformar de que é assim posso dizer hoje que me alfabetizei aos 16 anos, porque no seringal onde eu cresci num regime de semiescravidão, ser analfabeto era assim. Não ter médico era assim. Não ter justiça era assim. Ser mulher era assim mesmo, quem mandava era o marido. Não na minha casa, pois a minha casa era de matriarcas. Enquanto a gente achar que é assim vai ficar assim. Eu estou nessa campanha para dizer que não é assim para que a população diga que não é assim.

P. Geraldo Alckmin tem falado com alguma frequência que a senhora “é o PT”. O que a senhora entende quando ele fala isso e o que a senhora tira de bom dos tempos que trabalhou para o PT?

Vou controlar gasto público, mas eu vou investir em educação, saúde, segurança pública. Não vou deixar congelada essa segurança, saúde e educação que temos.

R. É meu legado, minha trajetória. Talvez a pergunta fosse “o que a senhora contribuiu de bom para o PT?”. É um processo de retroalimentação. Infelizmente o PT se perdeu – não todas as pessoas do PT – no caminho. Eu dei uma grande contribuição levando a causa da sustentabilidade que era muito incompreendida dentro do Governo, e por isso eu saí do Governo. Se eu tivesse uma visão instrumentalista da política, carreirista, eu teria ficado no Governo. Mas quando eu vi que havia um complô de dentro do Governo para revogar as medidas de combate ao desmatamento, eu pedi para sair. E foi a única forma de ajudar a preservar as medidas, e o próprio Governo. Porque teria sido um desastre se o Governo tivesse revogado as medidas, como queriam induzir o presidente Lula a revogá-lo. A minha saída impediu que ele cometesse um desastre político, um desastre ambiental. Porque é assim que se faz quando a gente se orienta por valores e princípios. Eu lamento que o PT tenha se perdido por projeto de poder pelo poder. Lamento profundamente. Gostaria que continuasse um partido que não tivesse ido pelos caminhos que tanto criticou, mas eu espero que seja tempo de se corrigir. Mas para corrigir erros é preciso se reconhecer que houve erros. E infelizmente parece que isso não aconteceu até agora. Aliás, é uma negação da realidade, apesar dos fatos, dos atos.

P. A senhora já falou sobre a revisão da reforma trabalhista. O que isso quer dizer?

R. Revogar todos os pontos errados que foram aprovados na reforma trabalhista. Há um discurso de que é para modernizar, mas estão indo para relações pré-modernas em alguns aspectos. Uma pessoa não ter sequer uma hora de descanso para se alimentar é uma relação pré-moderna de trabalho. Uma mulher (grávida) em situação de insalubridade com risco para ela e uma criança é pré-moderno. A pessoa pobre ter de pagar uma perícia técnica para poder ter acesso à Justiça é uma relação de crueldade. Como uma pessoa vítima de trabalho escravo vai fazer para pagar uma perícia técnica para mostrar que ela é vítima de trabalho escravo? Todas essas atrocidades eu vou corrigir, sim.

P. A senhora disse que é preciso refazer o debate da Previdência. Mas há uma pressão muito grande dos investidores de mercado para que haja uma claridade quanto a isso. A senhora tem um prazo? Em seu governo, quando teremos esse projeto? Pode se dizer no primeiro semestre?

R. Dizem que sábios são os que aprendem com os erros dos outros e estúpidos os que não aprendem nem com os próprios erros. Temer entrou no Governo com a urgência, dizendo claramente o que ele ia fazer. Conversou só com os empresários. Aprovou a reforma? As pessoas querem revogar o debate e depois reclamam que tendências autoritárias estão prosperando no Brasil. Mas, quando se fala em debater, parece que isso é uma blasfêmia. Eu não tenho preconceito com debater vou debater com especialista, vou debater com trabalhadores, vou debater com empresários. A reforma da Previdência é necessária porque nós temos um déficit público enorme, um déficit na Previdência enorme, temos de enfrentar a questão da idade mínima. Mas as mulheres vão continuar se aposentando primeiro, porque as mulheres trabalham mais, elas são submetidas a um trabalho extenuante doméstico, mais de 80% das mulheres ainda são responsáveis sozinhas, praticamente, pelo trabalho doméstico, e enquanto isso existir na nossa cultura, elas têm de se aposentar primeiro. Vamos debater. Eu fui ministra do Meio Ambiente, tive os melhores resultados da história do ministério, os melhores prêmios. O Brasil foi o primeiro país assumir meta de redução de desmatamento e eu fiz tudo isso debatendo. Consegui aprovar a lei de concessões de florestas públicas debatendo. O Instituto Chico Mendes debatendo. Consegui debatendo fazer a transposição do rio São Francisco, com uma licença bem feita.

P. A senhora diz que desde 2010 tem as mulheres como foco….

R. É a minha vida. Eu sou mulher, batalhadora, na vida, no Congresso Nacional. Claro qu, quando você vai concorrer à presidência da República, você vai olhar o todo conjunto da obra, o que pode acabar com a discriminação contra as mulheres, o que pode acabar com a discriminação racial, aí é outra quadratura.

P. Mas em 2018 o assunto mulheres ganhou uma urgência maior ainda. E aí entram temas espinhosos, como aborto, por exemplo. Qual é a sua posição em relação a isso?

R. Eu sou contra.

P. Sim, mas e para o Brasil? A senhora não mexeria na questão do aborto?

R. Eu sou contra o aborto, se for para ir além das formas que já estão previstas em lei, no Brasil, que são casos de estupro, crianças sem cérebro e risco da mãe.

P. O deputado Jean Wyllys tem um projeto, o mesmo apresentado na Argentina, de interrupção na 12 segunda semana.

R. Sou contra que seja pelo Congresso. Acho que deve ser feito um plebiscito como é feito em outras democracias.

P. E a senhora se comprometeria a colocar isso em debate?

R. Eu não vou convocar o plebiscito. Mas, se alguém quiser ampliar para além do que já existe, não acho que os 513 deputados devam substituir os 200 milhões de brasileiros.

P. Ou seja, se houvesse um movimento da sociedade...

R. Quem convoca um plebiscito é o Congresso Nacional. O que eu não gostaria de ver é 513 deputados, 81 senadores...

P. A maioria homens...

R. Substituindo 200 milhões de brasileiros. E entre esses milhões, estão as mulheres que são maioria. Nas democracias mais evoluídas, é assim que se decidem temas complexos como o aborto, ou liberação das drogas. Eu defendo que se for para ampliar – e nãoo estou dizendo que eu vou convocar –, se o debate for para o Congresso, eu vou defender que seja um plebiscito. Acho mais democrático, leva a um debate mais amplo com a sociedade, pois envolve questões de natureza ética, filosófica e religiosa. As pessoas têm o direito de debater. O Estado é laico, nós somos uma democracia, e nossa Constituição prevê plebiscito, referendo, para determinadas situações. Nesse caso, entendo que é inteiramente pertinente.

P. Mas eu lamento que não debatemos questões importantes. As pessoas só me perguntam sobre política, sobre o Lula, sobre isso, sobre aquilo.

P. Nós perguntamos sobre pleno emprego, sobre Justiça, sobre reforma da Previdência, trabalhista. De qual proposta quer falar?

R. Sobre educação, por exemplo. Posso falar sobre a minha proposta?

P. Claro, com todo espaço que queira.

R. É o projeto de educação com qualidade. É o que cria igualdade de oportunidades. Todas as crianças na escola. Temos 500.000 crianças fora da escola. Nós ainda temos 11 milhões de analfabetos no Brasil. Temos uma educação em que, de cada 10 jovens, somente três tem alguma proficiência em língua portuguesa e algum conhecimento de matemática. Eu vou implementar o Plano Nacional de Educação, trabalhar para que se tenha um sistema nacional de educação, governo estadual, municipal e federal. Remunerar os professores com dignidade, a formação continuada desses professores. Trabalhar para viabilizar o plano de carreira dos professores nos municípios. Ampliar significativamente a educação em tempo integral com contraturno onde as crianças possam aprender artes, possam aprender atividade desportiva, possam ter algum projeto de iniciação científica na escola, pois isso ajuda aprender.

P. Isso seria universal? Tem um número a alcançar?

R. É claro que você não consegue em quatro anos atender um desafio de 20, de 30 anos. E eu não vou pelo caminho do promessômetro que e da demagogia para ganhar a eleição. Durante os quatro anos eu vou fazer vou fazer o quanto for possível desse desafio, mas vou fazer de forma estruturante, para que se tenha um percurso em relação à educação brasileira. Prioridade: educação infantil e a gente tem o compromisso de ampliar em 50% as vagas nas creches para crianças de zero a quatro anos. Fiquei nas creches pois é a fase que a criança mais precisa de estímulos e atendimento, de uma alimentação correta. É ali que a criança tem a sua estrutura de aprendizagem. Se ela não é estimulada e acolhida na idade certa, ela terá prejuízo em relação a outras crianças. Vamos trabalhar para que ensino médio não tenha a evasão que tem. Para isso é fundamental que os jovens tenham acesso ao ensino profissionalizante e à melhoria dos conteúdos, porque boa parte deles sai da escola porque os conteúdos que estão sendo dados não são os conteúdos que eles querem. Nós estamos formando para profissões que vão desaparecer e temos que nos capacitar para formar para as profissões que existem agora e para aquelas que ainda vão existir. As crianças tem de aprender a aprender.

P. A reforma proposta opor Temer para o ensino médio serve de ponto de partida ou não?

R.: Essa reforma é do Temer só pelo oportunismo dele, que fez o projeto por uma medida provisória. Era um debate que já vinha acontecendo, era o relatório de um deputado do PT de Minas Gerais. Mas, no Brasil, infelizmente, como as pessoas fazem oposição por oposição as pessoas esqueceram que era o relatório do deputado do PT e colocaram o carimbo do Temer, porque ele apresentou de maneira oportunista como medida provisória. Poderia ter dado continuidade ao projeto de lei. E que nós vamos fazer? Sobre o ensino médio, diz que você pode escolher o seu percurso escolar. Mas na maioria das cidades com até 55 mil habitantes você não tem mais do que uma escola de ensino médio. Então, é difícil dizer que o aluno vai fazer a escolha das matérias para um percurso do ensino médio. Vamos ajudar para que isso de fato não seja um discurso, mas seja uma prática. Nós faremos o sistema de credenciamento, de validação das várias etapas pelas quais um jovem passar. Se você vai, por exemplo, fazer um curso profissionalizante na área de informática e depois você quer fazer uma faculdade de informática, você começa tudo do zero. Nós vamos validar as etapas para que ao longo de um percurso ele possa concluir o ensino superior, garantindo a validação dos créditos anteriores que ele já tem, por exemplo, no caso de quem tem curso técnico. Isso ajudará aqueles obrigados a ter ensino profissionalizante, para que possa sobreviver, a lá na frente, quando estiverem trabalhando, poderem ir a uma faculdade e ter seus créditos validados. Isso vai ajudar muito. A grande evasão tem a ver, além da qualidade, com a situação de vida, viver num lugar insalubre, com violência, sem transporte público. Isso faz as pessoas deixarem de ir para escola. Boa parte das famílias estão desestruturadas.

P. A senhora não teme que o atual teto de gastos amarre seus planos, já que se trata de um projeto ambicioso?

R. Nós gastamos 6% do PIB em educação. Com eficiência, dá para fazer muita coisa. Nós desviamos com a corrupção mais de 200 bilhões de reais. Imagine esse dinheiro na educação?

P. Inclusive nas prefeituras há desvios que fazem a verba não chegar à educação.

R. Por isso existe a necessidade do plano nacional de educação, de um sistema para que possa haver acompanhamento, qualidade do ensino. Boa parte da corrupção não é por causa dos professores ou diretores. É da politicagem, dentro dos ministérios.

P. Você é contra o teto de gastos, certo?

R. Sou a favor do controle do gasto público, e eu farei isso por lei orçamentaria. O TCU esta dizendo que Estado vai entrar em colapso se não controlar o gasto público.

P. Proporia a queda do teto?

R. Eu vou controlar gasto público, mas eu vou investir em educação, saúde, segurança pública. Não vou deixar congelada essa segurança, saúde e educação que temos.

P. O economista Ricardo Paes de Barros seria um bom ministro da Educação?

R. Tenho a alegria de tê-lo na minha equipe. Ele é um dos idealizadores do Bolsa Família, hoje uma das pessoas que mais têm estudado sobre inclusão produtiva, sobre como ter politicas sociais para situações de risco e, ao mesmo tempo, como incluir pessoas de forma estruturada na dinâmica produtiva. A educação é a base de tudo isso. Tenho um dos idealizadores do SUS, que é o Eduardo Jorge (candidato a vice), um dos idealizadores do Plano Real, André Lara Resende.

P. Mas Paes de Barros seria um bom ministro da Educação?

R. Dizem que não dá sorte ficar nomeando ministro antes. Quem faz isso precisa se ancorar no trabalho dos outros porque não confia muito no trabalho que propõe. Confio na minha equipe, graças a Deus tenho muita gente competente. Eu sempre digo que meu problema não será governar. Porque vou governar com os melhores da sociedade, da academia, dos movimentos sociais, do empresariado, e com os melhores dos partidos. Não irei apenas com os partidos. Eles não substituem 200 milhões.

Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com