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sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Desprezo no adeus a Gorbachev é um sinal do que deu errado na Rússia

Publicação copartilhada do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 2 de setembro de 2022

Desprezo no adeus a Gorbachev é um sinal do que deu errado na Rússia

Preservando seu caráter nacional único, o país poderia ter se tornado uma potência democrática, mas seguiu no caminho do autoritarismo. Vilma Gryzinski:

Vamos começar (e terminar) com uma piada sobre Mikhail Gorbachev. É provavelmente a mais conhecida do gênero:

“Um trabalhador russo está esperando na fila para comprar vodka. Depois de duas horas, fala para o sujeito atrás dele: ‘Não aguento mais. Segura meu lugar enquanto vou dar um tiro em Gorbachev’.

Volta duas horas depois e o homem que estava guardando seu lugar pergunta: ‘Deu o tiro?’

Responde o indignado: ‘Não, a fila para atirar nele estava maior ainda’.”

A piada resume o ressentimento que Mikhail Gorbachev continua a despertar entre os russos (e o fato, quase esquecido, de que ele começou querendo controlar os níveis de alcoolismo na Rússia). E também uma espécie de estado de espírito nacional que sempre provoca as mesmas dúvidas: Seriam os russos intrinsecamente incapazes de conviver com a democracia? Sempre vão preferir um homem forte no comando? Nunca conseguirão conciliar direitos individuais, liberdade econômica e império da lei?

Os 39 segundos que Vladimir Putin passou entre entrar na sala onde estava o caixão aberto de Gorbachev, deixar um maço de rosas vermelhas, encenar consternação, fazer o sinal da cruz (da direita para a esquerda, como fazem os ortodoxos) e ir embora resumem a má vontade no limite do desrespeito com que o homem que assinou o atestado de óbito da União Soviética foi tratado na morte, como na vida.

“Um comunista que enterrou a ideia do comunismo a sete palmos (muito provavelmente contra sua própria vontade) e o líder de um grande país cujo colapso assistiu imponentemente”, resumiu a agência Ria Novosti, que evidentemente reflete a opinião oficial.

A agência ironizou: não seria surpresa se Gorbachev tivesse dois enterros, um em Moscou e outro em Londres, com a participação dos “nossos emigrantes, convencidos que ele trouxe a liberdade à Rússia e ao mundo”. Enquanto isso, “nós ainda estamos desembaraçando os fios de seu governo catastrófico e continuaremos a corrigir as suas consequências por muito tempo”.

Todo mundo entende que por “catastrófico” Moscou quer dizer o desligamento dos países satélites que o império comunista mantinha sob seu domínio e das repúblicas soviéticas que declararam independência. A Ucrânia é o caso mais inaceitável e as consequências do repúdio à própria ideia de que os ucranianos possam seguir seu caminho de autonomia – aprovado em plebiscito por 92% da população – estão sendo vistas agora no campo de batalha.

Vale lembrar, para quem já esqueceu ou não viveu diretamente o momentoso período, a lista completa dos países, além da Ucrânia, que se desprenderam da mãe-madrasta Rússia: Armênia, Azerbaijão, Belarus, Casaquistão, Estonia, Georgia, Letônia, Lituânia, Moldova, Quirguistão, Tajiquistão, Turcomenistão e Usbequistão.

Mais de trinta anos depois, muitos russos continuam a achar que “perderam” não apenas território, população e recursos, mas a posição de potência dominante. E por culpa de Gorbachev.

Teria sido possível manter o império ou ele acabaria implodindo de qualquer maneira? A segunda hipótese é mais provável. Gorbachev era um reformista que queria melhorar a economia estatizada (estava também aberto a ousadias quase inacreditáveis, na época, como mandar soltar o dissidente Andrei Sakharov, suspender a censura, acabar com a lista de livros proibidos, promover eleições municipais com mais de um candidato).

Esta rajada siberiana de ar fresco coincidiu com um presidente americano, Ronald Reagan, que tinha princípios simples (“Como termina a Guerra Fria? Nós ganhamos, eles perdem”), um projeto militar ambicioso (o nunca realizado Guerra nas Estrelas) e ao mesmo tempo a disposição de “fazer negócio” sobre a limitação do arsenal nuclear das superpotências.

Sua parceira ideológica, Margaret Thatcher, havia detectado exatamente esse potencial em Gorbachev. Um papa polonês como João Paulo II completou o palco histórico ao endossar – cautelosamente, embora amparado pela firmeza da fé – a força moral da rebelião que havia colocado trabalhadores de um estaleiro e intelectuais sob a mesma bandeira do Solidariedade.

Gorbachev teve a grandeza de entender que só uma repressão em escala inominável – e talvez nem ela – conseguiria interromper a marcha da história. Nesse ponto, o que não fez foi mais importante do que fez: não chamou os tanques – e não deixou que os dirigentes comunistas chamassem.

O jornalista inglês Owen Matthews conta que Gorbachev continuava a usar os mesmos clichês do vocabulário comunista – “dialética histórica”, “processos sociais” – para tentar responder às críticas dos russos comuns, que viram o padrão de vida já bem limitado que tinham na era soviética despencar quando a URSS acabou em caos.

Matthews acompanhou, em 1996, o lançamento em Moscou do livro de memórias de Gorbachev. A livraria estava lotada de “pessoas que haviam ido lá só para dizer pessoalmente ao ex-líder soviético o quanto o odiavam”.

“Tive que deixar tudo o que tinha quando fugi do Casaquistão, todos os meus livros. Por que você deixou a União Soviética desabar?”, perguntou um senhor idoso. “Por que os bandidos conseguiram tomar nosso grande país?”, indignou-se uma senhora.

As perguntas ajudam a entender por que a dissolução da URSS, feita de cima para baixo, teve tanta rejeição, ao contrário dos processos nos países satélite.

Uma transição menos dolorosa teria aproximado a Rússia de um projeto verdadeiramente democrático? Gorbachev seria lembrado com mais respeito?

A piada de encerramento:

“Lênin, Stálin, Khrushchev, Brejnev e Gorbachev estão viajando no mesmo trem. Claro, o trem quebra. Lênin arenga os trabalhadores para se unirem e consertarem o estrago. Quando isso não dá certo, Stálin enfileira os trabalhadores e fuzila todos. Não funciona. Khrushchev tenta umas reformas para ressuscitar os trabalhadores. Como não adianta, Brejnev fecha a cortina e sugere que finjam que o trem está andando.

Depois de alguns momentos de trem parado e escuridão, Gorbachev diz: ‘Ei, alguém aqui vai querer que eu traga um McDonald’s?’.”

O enterro do falecido líder será amanhã, mas “a agenda de trabalho” de Putin não tem espaço para que ele compareça.

Texto e imagem reproduzidos do site: otambosi.blogspot.com

quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Mikhail Gorbachev, último líder da União Soviética, morre aos 91 anos

Legenda da foto: Mikhail Gorbachev em foto de 5 de junho de 1990, em San Francisco, nos EUA. — (Crédito da foto: AP Photo/David Longstreath)

Publicação compartilhada do site G1 GLOBO, de 30 de agosto de 2022  

Mikhail Gorbachev, último líder da União Soviética, morre aos 91 anos

Ex-comandante da URSS é conhecido por ter permitido que o regime comunista terminasse sem violência em seu país. Em 1990, ganhou o Nobel da Paz.

Por g1

Mikhail Gorbachev, último líder da União Soviética, morreu aos 91 anos em Moscou, informaram agências locais nesta terça-feira (30). Responsável por implantar o processo de abertura política na então potência comunista e por negociar com os Estados Unidos o fim da competição por armamento nuclear, ele recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1990.

“Mikhail Sergeevich Gorbachev morreu esta noite após uma doença grave e prolongada”, informou o Hospital Clínico Central da Academia Russa de Ciências.

Ele será enterrado no cemitério Novodevichy, em Moscou, em um túmulo familiar ao lado de sua esposa. De acordo com o portal local Mash, na véspera de sua morte, Gorbachev foi ao hospital para fazer hemodiálise.

Gorbachev é mundialmente conhecido como o homem que acabou com a Guerra Fria sem violência, mas muitos russos o condenavam por ter iniciado as ousadas reformas de abertura (Perestroika e Glasnost) que levaram ao colapso da URSS, dando início a um período economicamente difícil para os países que dela se desmembraram.

Um dos críticos mais contundentes do atual presidente Vladimir Putin, ele concorreu na eleição presidencial em 1996, mas se saiu muito mal.

O atual presidente da Rússia expressou seus pêsames pela morte de Gorbachev, segundo informações de um porta-voz do governo russo à agência Interfax.

Gorbachev lançou um livro de memórias em novembro de 2012 e lamentou na ocasião não ter levado a União Soviética a um “bom porto”.

Trajetória

Mikhail Sergeyevich Gorbachev nasceu em 2 de março de 1931 em Stravropol, na Rússia, filho de uma família de imigrantes russo-ucranianos.

Ele perdeu duas irmãs e um tio durante um período de fome no país em 1933. Seus pais eram agricultores e ele ajudou-os no sustento durante a adolescência.

Gorbachev se formou em direito na Universidade de Moscou em 1955 e estendeu a formação acadêmica em 1967, quando completou o curso de economia agrícola por meio de um curso por correspondência.

Na universidade, Gorbachev conheceu Raisa Titarenko, com quem se casou em 1953. Raisa morreu em 1999 em decorrência de leucemia. Os dois tiveram a filha Irina Mikhailovna Virganskaya em 1957.

Trajetória política

Durante o período em que esteve na Universidade de Moscou, ingressou no Partido Comunista e se tornou membro ativo da legenda, escalando cargos mesmo jovem. Foi nomeado chefe de departamento em 1963 e, em 1970, chegou ao cargo de primeiro-secretário regional em Stavropol.

Gorbachev entrou no comitê central do Partido Comunista em 1971. Ele continuou a ascensão política e, em 1979, foi promovido ao Politburo, órgão que representava a maior autoridade da União Soviética.

Ele viajava constantemente pelo mundo, e na década de 1980 se encontrou com líderes como a premiê britânica Margaret Thatcher, o premiê canadense Pierre Trudeau e o presidente americano Ronald Reagan.

Em 1985, após a morte de Konstantin Chernenko, Gorbachev foi eleito secretário-geral do Politburo, mesmo sendo o mais jovem da organização.

Liderança da União Soviética

No ano seguinte, Gorbachev anunciou uma série de reformas que visavam revitalizar a União Soviética. Perestroika (reestruturação) e glasnost (abertura) são algumas das medidas que acarretaram maior abertura política e econômica do estado soviético.

Com a reorganização que incluiu um novo Congresso, a União Soviética teve em 1989 as primeiras eleições desde 1917. Gorbachev foi eleito presidente e tomou posse em 1990, ano seguinte à queda do muro de Berlim.

No mesmo ano, recebeu o Nobel da Paz por “seu papel no processo de paz que hoje caracteriza partes importantes da comunidade internacional”, segundo disse a entidade na ocasião. Ultimamente ele presidia a Fundação Gorbachev, dedicada a programas de caridade e à educação.

Durante seu governo, Gorbachev promoveu uma relação mais próxima com o Ocidente e, em uma série de encontros de alto nível, se reuniu com o então presidente norte-americano Ronald Reagan. Os dois acertaram acordos de desarmamento nuclear.

Em agosto de 1991, a ala dura do Partido Comunista promoveu um golpe dentro da própria legenda. Ele foi mantido refém por três dias e, ao ser libertado, se demitiu e dissolveu todos os partidos do governo - o que, na prática, acabou com o regime comunista da União Soviética.

Em 8 de dezembro, em Minsk, os presidentes de Belarus, Rússia e Ucrânia declaravam a dissolução da União Soviética e, no dia 25, Gorbachev deixava o cargo.

Seu rival Boris Yeltsin tornou-se presidente, e nações que compunham a URSS iniciaram o processo para ficar independente, começando pela Ucrânia.

Após a União Soviética

Gorbachev tentou voltar para a política, mas não conseguiu resultados expressivos. Ele concorreu à eleição presidencial em 1996 e fracassou.

Desde 1993, presidia a organização ecológica Cruz Verde Internacional e fazia, de maneira regular, conferências pelo mundo.

Em março de 2012, ele propôs relançar seu partido social democrata na esperança de unir os grupos de esquerda que se opõem a Vladimir Putin.

A legenda causou pouco impacto na formação anterior, quando não conseguiu obter nenhum assento na câmara baixa do Parlamento, antes de ser dissolvido em 2007.

Duas décadas após o colapso da URRS, em entrevista a agência de notícias BBC, Gorbachev disse que a Rússia ainda estava na “metade do caminho” para a democracia e sugeriu que a Perestroika e a Glasnost não estariam completas.

“Ainda temos cinco ou seis anos à frente para fazer essa modernização de forma significativa. Isso deve envolver não só a nossa economia, mas tudo, incluindo a nossa vida política, vida cultural, educação, tudo. O país deve ser diferente”, disse, em 2011.

Problemas de saúde

Devido a problemas de saúde, ele já não pôde comparecer ao enterro da ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, em abril de 2013.

Aos 75 anos, foi submetido a uma cirurgia na carótida em uma clínica de Munique, na Alemanha.

Em 2011, Gorbachev comemorou os seus 80 anos com uma noite de gala em Londres, no sofisticado Royal Albert Hall, com a presença de políticos, estrelas do mundo pop e cantores de ópera. A festa arrecadou verbas para o combate ao câncer.

Em agosto de 2013, hackers atacaram a versão em alemão da conta no Twitter da agência pública de notícias Ria Novosti e a de seu serviço de imprensa, nas quais publicaram mensagens falsas que anunciavam a morte de Gorbachev em um café de Ekaterinburgo.

Texto e imagem reproduzidos do site g1.globo.com