Publicado originalmente no site da revista ISTOÉ, em 24/08/2018
Daniel Shapiro, Especialista em Negociação
"Saber negociar é tão decisivo quanto ter vontade política"
Por Luisa Purchio
Cofundador e diretor do Programa de Negociação Internacional
da Universidade Harvard, cujas técnicas são as mais utilizadas no mundo, Daniel
Shapiro já preparou desde líderes de empresas que estão entre as 500 maiores do
mundo até chefes de Estado de países assolados por guerras. Shapiro presidiu
por três anos o Conselho do Fórum Econômico Mundial sobre Resolução de
Conflitos e comandou negociações bem-sucedidas no Oriente Médio, Europa e Leste
Asiático. As experiências acumuladas nos âmbitos da diplomacia, dos negócios e
das relações governamentais são a base de seu último livro, “Negotiating the
nonnegotiable: how to resolve your most emotionally charged conflicts”, (em
tradução livre, “Negociando o inegociável: como resolver seus conflitos mais
carregados emocionalmente”), que traz ferramentas para superar os geradores de
conflitos em casa, no trabalho e na política. Antes de vir ao Brasil para
participar do Latam Retail Show, maior evento do varejo na América Latina,
Shapiro deu a seguinte entrevista à ISTOÉ, por telefone.
Como o senhor define a arte de negociar?
Grande parte do mundo ainda vê a negociação como um jogo de
adversários, ou seja, mais para mim significa menos para você, e vice-versa.
Nos últimos 30 anos eu venho pesquisando em Harvard e encontramos ferramentas
de negociação que trazem ganhos mútuos, bons resultados para todo mundo. Nós
podemos negociar de uma forma que nos divide, e isso trará mais violência e
problemas, ou podemos negociar de uma forma que une as pessoas, o que beneficia
a sustentabilidade e o desenvolvimento da economia, não apenas no curto, mas
também no longo prazo. A negociação pode ser usada para o bem e para o mal.
Está em nosso poder tomar essa decisão.
As pessoas têm conseguido negociar “para o bem”?
Certamente. Em alguns contextos mais que em outros. A base
da negociação ao longo da história tem sido posicional, ou seja, eu tenho uma
posição, você tem outra e nós brigamos. Vemos isso em todo o mundo, tanto em
nível político quanto empresarial, o que leva ao desperdício. Uma abordagem
alternativa é a negociação que foca nos desejos e interesses que realmente
importam. Dessa forma é possível iniciar diálogos que funcionam para todos. Não
existe conflito irrevogável quando se olha para os interesses subjacentes,
tanto na vida política quanto na vida cotidiana.
Poderia dar um exemplo desse desperdício?
Uma parte do meu trabalho é no Oriente Médio, em torno dos
conflitos entre palestinos e israelenses. Em 2009, um estudo analisou o custo
desse conflito e concluiu que, em vinte anos, ele havia sido de 12 trilhões de
dólares. Isso não é o custo para construir a paz e sim o do conflito. Eu
imagino como essa região poderia ser hoje se esse dinheiro tivesse sido
investido não em máquinas de guerra, mas em máquinas de colaboração,
tecnologia, ferramentas, educação, para ajudar as pessoas a trabalharem mais
eficientemente juntas.
Que concessões os palestinos e israelenses deveriam fazer
para chegar à paz?
Existem centenas de organizações diferentes trabalhando em
ideias para ajudar a avançar nesse conflito. Meu foco está no processo de
negociação. Há muitas ideias concretas em termos de concessões que eles podem
fazer, oportunidades para unir ganhos. Por que não se chegou a um acordo? Um
fator crucial é lidar com as áreas emocionais e de identidade que os dividem.
Palestinos, muitos, se não a maioria, sentem profunda humilhação, raiva,
ressentimento. Do lado israelense, eu acho que ainda há um grande medo de
segurança devido a fatores históricos.
Nelson Mandela era um negociador impressionante. Foi
implacável em seu ativismo político e na negociação para reconstruir seu país
Há alguma perspectiva para que esse conflito se resolva?
Há uma grande promessa para a próxima geração de palestinos
e israelenses. Trabalho com diplomatas de toda a região. Estamos treinando esses
diplomatas nas ferramentas de negociação, em como alcançar melhores resultados,
como lidar com as complexidades emocionais e, de forma construtiva, entender e
reconciliar as diferentes identidades. Esses líderes de todas as fronteiras
estão juntos no mesmo programa. São pessoas de culturas e origens políticas
muito diferentes, mas todos estão trabalhando e aprendendo lado a lado,
construindo relacionamentos. Minha crença é que, com essas relações e fortes
conjuntos de habilidades de negociação, você pode fazer muito.
Como avalia a abordagem de conflitos nas empresas?
As empresas geralmente veem o conflito como um item de linha
único em seu orçamento, como simplesmente o custo legal. Isso não é verdade, há
também custos indiretos de conflito. Se duas pessoas não se dão bem, sua
produtividade cai. Com o estresse, há mais probabilidade de doença e o custo do
seguro de saúde começa a subir. Eles deixam o trabalho cedo, falam mal da
organização e a reputação diminui. Se você tem conflitos nos níveis mais altos
da organização, em pouco tempo os executivos mais brilhantes pedem demissão.
Além de perder grandes profissionais, será necessário empregar recursos
tremendos para procurar alguém novo. Então sim, o conflito tem um custo
altíssimo tanto direto como indireto, para qualquer organização.
Qualquer conflito pode ser resolvido por meio de uma
negociação?
Não. Negociar é um processo, mas não é a única maneira de
lidar com as diferenças. É possível nem falar sobre o problema, apenas
ignorá-lo, permanecer no “status quo”. Também é possível recorrer à mediação,
trazer um terceiro para ajudar a conversar. Outra maneira é por meio de
arbitragem, um árbitro toma a decisão. Um tribunal oferece um juiz, essa é
outra maneira de lidar com as diferenças. Também é possível usar a violência, o
que seria uma má ideia. Eu penso que a negociação é a ferramenta mais poderosa,
porque você tem muito poder sobre o processo de sua conversa, sobre o que você
vai dizer, quando você vai dizer, e mais: se você quer se comprometer com o acordo
ou não.
Os conflitos internacionais não são resolvidos por falta de
boa vontade ou por desconhecimento das técnicas de negociação?
Os dois. Certamente para negociar acordos internacionais é
preciso vontade política da liderança, que muitas vezes se traduz no desafio da
negociação interna. As pessoas costumam ver a negociação entre países como
simplesmente uma negociação entre dois chefes de Estado, mas a mais dura
negociação tipicamente tenta ganhar apoio popular internamente. Ao mesmo tempo,
é muito necessário que as lideranças governamentais estejam equipadas nas novas
ferramentas de negociação. Tanto a vontade política quanto as habilidades de
negociação são decisivas e necessárias para se chegar a um resultado ideal.
Quem foi o melhor negociador da história?
Um dos negociadores mais impressionantes que eu testemunhei
em toda a minha vida foi Nelson Mandela. Eu acho que o mundo está certo em
considerá-lo como um negociador sábio e muito eficaz. De uma forma muito
agradável ele se tornou amigo dos guardas da prisão. Ele era carismático e
muito afetivo, sabia como construir relacionamentos em nível pessoal, ao mesmo
tempo em que, ampliando o quadro geral, era muito sofisticado e
estrategicamente sabia para onde queria levar o seu país. Ele foi implacável em
seu ativismo político e social e na negociação para seu país.
O Brasil passa por um momento político de polarização. Como
negociar pode ser útil nesse contexto?
O Brasil está em meio a negociações carregadas de emoções e
minha pesquisa mostra que a identidade é muito importante nesse tipo de
negociação. Quando sentimos que ela está ameaçada, muitas vezes nossa mente
começa a mudar a maneira como vemos nossa relação com outras pessoas. É uma
tendência entrarmos no que eu chamo de “Efeito Tríade”, uma mentalidade viciada
na qual entramos quando nossa identidade é atacada. Ela tem três
características básicas. A primeira é adversarial, ou seja, um ataca a
identidade do outro, mesmo pertencendo a uma mesma grande família, nesse caso,
o Brasil. A segunda é autojustificada, ou seja, eu estou certo e o meu ponto de
vista é o único legítimo. Há ainda a terceira característica, que é um sistema
cruel e insolente. Eu pego meu microfone e digo o quanto você é ruim e como sou
bom, você pega a sua mídia e faz exatamente a mesma coisa. O que acaba
acontecendo? Os dois lados ganham impulsos um contra o outro. É perigoso.
Isso também ocorre nos EUA?
Certamente vemos muito disso agora, com republicanos e
democratas, aqueles que apoiam Trump lutam contra os anti-Trump. É um problema,
porque certamente temos muitas questões em comum, como a falta de moradia,
sustentabilidade e desenvolvimento econômico. Apesar de interesses
compartilhados, não se criam relações cooperativas.
A abordagem de Trump à negociação certamente permitiu ganhar
alguma coisa: ele se tornou o presidente dos EUA
Como avalia os posicionamentos de Donald Trump?
Como homem de negócios, Trump aprendeu muito bem a fazer um
estilo particular de negociação, a posicional. Começa com uma demanda extrema,
concede depois de muito resistir e demonstra disposição para se afastar da mesa
de negociação. A abordagem de Trump à negociação certamente permitiu ganhar
alguma coisa: ele se tornou o presidente dos EUA.
A Venezuela passa por um momento crítico. Como a oposição poderia
negociar com o governo autoritário de Nicolás Maduro?
Movendo-se da Venezuela para o abstrato, a questão-chave é:
se alguém quiser negociar com um ditador, primeiro é preciso entender a
mentalidade dele. Por que essa pessoa está dizendo e fazendo o que faz? Que
plateias tenta apaziguar, que ideologias tenta promover? É um profundo
compromisso ideológico ou puramente oportunismo político? Voltando à sua
pergunta, acho que seria muito importante primeiro entender que comportamentos
esperamos de Maduro. Por que ele potencialmente vai dizer “não”. Então,
precisaremos reformular as pergunta de uma maneira que se torne mais fácil ele
dizer sim. Se um ditador sente que as pessoas estão se voltando contra ele, vai
empurrá-las de volta. É uma questão de autonomia.
Isso também vale para um conflito familiar?
Exatamente. E nem sempre é apenas sobre dinheiro e poder.
Eles são cruciais, motivadores em nosso mundo, mas não os únicos. Minhas
pesquisas descobriram todo um conjunto de motivações emocionais, muitas vezes
mais importantes que coisas como dinheiro, como o status.
Texto e imagem reproduzidos do site: istoe.com.br