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sexta-feira, 31 de maio de 2024

Ameaça nuclear: Putin é um grande perigo para o mundo.

Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 31 de maio de 2024

Ameaça nuclear: Putin é um grande perigo para o mundo.

A Ucrânia já parece perdida e o chefão russo eleva o tom das chantagens envolvendo a guerra do fim do mundo. Vilma Gryzinski:

Por que não levar a sério as ameaças cada vez mais radicais feitas por Vladimir Putin? Por que achar que é só um show e não uma declaração de intenções?

Nos últimos dias, as chantagens subiram de tom. Antes relegadas a seus subordinados, agora estão sendo feitas por Putin pessoalmente. Devem piorar considerando-se que Joe Biden, segundo o site Politico, autorizou o uso de armas americanas contra território russo próximo de Kharkiv, a cidade ucraniana na mira dos russos. Preparem-se para a reação.

E não são só palavras evocando a guerra do fim do mundo. No começo de maio, Putin mandou fazer um ostensivo exercício com armas nucleares táticas, os artefatos usados num campo de batalha específico, não para os grandes ataques estratégicos, como os mísseis que cruzariam o mundo para explodir nos Estados Unidos. E que campo de batalha existe hoje para os russos que não seja na Ucrânia?

O Ministério da Defesa, agora sob nova direção – Putin tirou o ex-amigo Serguei Shoigu e colocou em seu lugar o economista Andrei Belousov -, disse que as manobras era uma resposta a “declarações provocativas”. Leia-se Emmanuel Macron e suas ainda mal explicadas manifestações públicas sobre o possível envio de tropas de países da Otan para atuar diretamente na Ucrânia.

É o tipo de atitude que só pode ser tomada quando realmente existe a possibilidade de que a hipótese aconteça, não por uma obscura “ambiguidade estratégica”, como alega o governo francês.

“PAÍSES PEQUENOS”

Falar que vai fazer uma coisa impraticável é tolice. E abre um flanco a ameaças como a feita por Putin. “Representantes de países da Otan, especialmente na Europa, especialmente em países pequenos, devem ser conscientes de com que estão jogando. Devem recordar que, em princípio, se trata de países pequenos, mas densamente povoados”, disse ele, sem nenhum disfarce.

“Este é o fator que deveriam levar em conta antes de falar em ataques contra o território russo”.

Praticamente todos os países do mundo são pequenos e densamente povoados em comparação com a imensidão russa e não foi nada disfarçada a ameaça sobre os resultados de um ataque nuclear. Países densamente povoados seriam varridos do mapa.

“Essa escalada constante pode ter graves consequências e se essas graves consequências acontecem na Europa, como reagirão os Estados Unidos? Por acaso querem um ataque nuclear?”.

PESO GRAVÍSSIMO

Pronto, as palavras proibidas foram enunciadas.

Putin, obviamente, é um ator racional, não um incendiário que quer provocar um conflito com centenas de milhões de mortos e o fim da civilização. Mas qual a racionalidade da invasão da Ucrânia? Por que romper com todo o mundo ocidental para tomar um naco de um país que não precisa por nenhum motivo, nem pelos errados?

O que ele diz deve ser levado a sério: se o chefe do país com o maior número de armas nucleares do planeta passa a usar enunciados que mesmo no auge da guerra fria eram cautelosamente evitados pelos líderes soviéticos, suas palavras não podem ser relegadas a uma manobra da guerra da propaganda. Têm um peso gravíssimo.

Com estas ameaças, Putin se coloca na posição de homem mais perigoso do mundo, antes ocupada pelo desatinado Kim Jong Un na Coreia do Norte – um tanto em baixa depois do fracasso com o teste de um foguete que levava um satélite militar e com a tática de mandar balões comuns, cheios de saquinhos com lixo e excrementos humanos, em direção da Coreia do Sul.

EXPLOSÃO DEMONSTRATIVA

É óbvio que Putin quer “fechar a conta” da invasão da Ucrânia da forma mais vantajosa possível e o tom cada vez mais agressivo faz parte dessa grande estratégia. Se ele está falando desse jeito antes de eventuais ataques em território russo com armas americanas, a situação vai ficar muito pior.

Uma ameaça adicional foi feita por Dimitri Suslov, integrante do Conselho de Política Externa e de Defesa, levantando a possibilidade de uma explosão nuclear “demonstrativa” para “confirmar a seriedade das intenções da Rússia e convencer nossos oponentes da disposição de Moscou a escalar” o conflito na Ucrânia.

O que vem depois é mais assustador ainda. Se a aliança dos países ocidentais avançados vacilar, Putin se sentirá liberado para outras aventuras, mesmo contra integrantes da Otan. Estariam os Estados Unidos e seus aliados europeus dispostos a testar a Rússia por causa da Estônia ou de um pedaço da Moldávia, países que tantos não conseguem sequer localizar no mapa?

A associação maligna entre Putin e Xi Jinping está solapando gravemente a ordem internacional tal como traçada pelos Estados Unidos desde o fim da II Guerra Mundial e os tolos que se imaginam tirar vantagem disso, liderando da boca para fora o Sul Global, estão agora lidando com um chantagista nuclear e um comunista empenhado em invadir uma ilha vulnerável e ganhar o domínio sobre toda a Ásia. Nada que os Estados Unidos já fizeram ou venham a fazer se compara com isso.

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com

sexta-feira, 1 de março de 2024

'Seria a destruição da civilização’: é para valer a nova ameaça de Putin?

Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 1 de março de 2024

'Seria a destruição da civilização’: é para valer a nova ameaça de Putin?

A retórica apocalíptica da guerra nuclear já está incorporada ao discurso russo, uma tática usada para intimidar a opinião pública ocidental. Vilma Gryzinski:

Antes mesmo que descobríssemos onde fica no mapa a Transnítria, potencial nova frente de intervenção russa, Vladimir Putin já estava fazendo novas ameaças de guerra nuclear.

É possível que ele nunca tenha sido tão explícito quanto ao dizer: “Tudo o que o Ocidente faz cria a ameaça real de um conflito com o uso de armas nucleares e, portanto, da destruição da civilização”.

Normalmente, Putin deixa esse tipo de ameaça a um subordinado como o ex-presidente Dimitri Medvedev ou ao ministro das Relações Exteriores, Serguei Lavrov, aquele que já disse que Hitler “tinha sangue judeu”, uma barbaridade dentre tantas outras.

Putin e companhia sabem que a opinião pública dos países ocidentais fica fortemente impactada quando se fala em guerra nuclear, uma perspectiva apocalíptica que ronda a humanidade há quase oitenta anos.

ERRO DIPLOMÁTICO

Faz parte da propaganda russa usar esse tipo de tática para influenciar, acima de tudo, o debate nos Estados Unidos, onde tem tido um sucesso considerável.

Por isso, seria bom não alimentar a máquina russa como fez o presidente Emmanuel Macron ao dizer que nenhuma hipótese poderia ser excluída para impedir uma vitória putinista na Ucrânia, inclusive o envio de tropas. Foi um desatino diplomático do presidente francês que obrigou todos os aliados, da Polônia aos Estados Unidos, a dizer que a hipótese é fora de cogitação.

“Muitas das pessoas que hoje dizem ‘nunca’ são as mesmas que, há dois anos, diziam ‘tanques nunca, aviões nunca, mísseis de longo alcance nunca'”, argumentou Macron.

Apesar do erro diplomático e político, Macron tem razão. Os mísseis fornecidos pelos aliados ocidentais estão causando um estrago impressionante. O Ministério da Defesa disse que ataques ucranianos derrubaram nada menos do que dez aviões russos na mesma quantidade de dias, sendo dois caças Su-34 na terça-feira passada. A maior perda foi de um avião tipo Awacs, que funciona como um centro de vigilância e comando aéreo. A Rússia ficou com só seis aviões do tipo. O Awacs russo foi derrubado com um míssil antigo, um S-200 da era soviética.

Ao contrário da frente em terra, onde os russos viraram o jogo contra a Ucrânia, o teatro naval também tem sido um desastre. A Rússia perdeu onze embarcações no Mar Negro, sendo obrigada a deslocar sua frota para portos mais protegidos.

XADREZ GEOESTRATÉGICO

São perdas graves, mas estão longe de definirem a guerra. Putin está se sentindo tão seguro que fez mais um movimento no grande tabuleiro geoestratégico de xadrez: acionou os separatistas russos da Transnítria, um território que pertence à Moldova e fica na fronteira com a Ucrânia, para pedir a “proteção” de Moscou.

A questão da pouco conhecida Transnítria remete aos grandes deslocamentos populacionais ocorridos durante o estalinismo e a II Guerra Mundial. O território de quase 500 mil habitantes tem uma população etnicamente russa de 30% e se declarou independente em 1990, nos estertores da União Soviética. Manteve, curiosamente, a bandeira com a foice e o martelo.

Ninguém reconhece a independência da Transnítria (o nome se refere ao rio Dniepber, também chamado de Nipro), mas o território secessionista é um instrumento considerável para Moscou, da mesma forma que as regiões separatistas da Ucrânia.

Putin e asseclas sabem muito bem que regiões complicadas e desconhecidas jogam a favor da Rússia. Por que arriscar uma guerra mundial pela Ucrânia é uma pergunta que a máquina russa conseguiu plantar nas redes. E pela Transnítria, então?

Acrescentar uma ameaça explícita de guerra nuclear aumenta a pressão. Putin sabe muito bem disso.

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com

sexta-feira, 12 de maio de 2023

Vladimir Putin é o tolo mais perigoso do mundo


Texto compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 12 de maio de 2023

Vladimir Putin é o tolo mais perigoso do mundo

A Rússia vai parar de atacar a Ucrânia, vencendo ou perdendo, somente quando Putin decidir parar. Thomas Friedman para o NYT, com tradução para o Estadão:

Não tenho escrito muito a respeito da guerra na Ucrânia ultimamente porque pouco mudou estrategicamente desde os primeiros meses deste conflito, quando três fatos gerais orientavam praticamente tudo — e ainda orientam.

Fato n.º 1: conforme escrevi no primeiro momento, quando uma guerra desta magnitude começa, a pergunta-chave que você se faz enquanto colunista de assuntos internacionais é muito simples: onde eu deveria estar? Em Kiev? No Donbas, na Crimeia, em Moscou, Varsóvia, Berlim, Bruxelas ou Washington?

E desde o início desta guerra há um único lugar onde é possível compreender seu timing e sua direção — dentro da cabeça de Vladimir Putin. Infelizmente, Putin não concede vistos de entrada ao seu cérebro.

O que é um baita problema, porque esta guerra emergiu completamente de lá — sem, agora nós sabemos, nenhum aporte de seu gabinete nem de seus comandantes militares — e certamente sem nenhum anseio massivo do povo russo. Portanto, a Rússia será impedida na Ucrânia, vencendo ou perdendo, somente quando Putin decidir parar.

O que leva ao fato n.º 2: Putin nunca teve um Plano B. Agora é óbvio que ele pensou que iria entrar em Kiev como quem baila uma valsa, capturá-la em uma semana, instaurar um lacaio como presidente, meter a Ucrânia no bolso e pôr fim a qualquer outra expansão da União Europeia, da Otan ou da cultura Ocidental na direção da Rússia. E depois faria sua sombra pairar sobre toda a Europa.

O que leva ao fato n.º 3: Putin se colocou em uma situação em que não consegue vencer, não pode perder e não pode parar. Ele não conseguirá mais tomar controle de toda a Ucrânia de nenhuma maneira. Mas, ao mesmo tempo, não pode permitir ser derrotado depois de todas as vidas russas perdidas e todo o dinheiro que gastou. Portanto, ele não pode parar.

Plano A x Plano B

Para colocar de outra maneira, já que Putin nunca teve um Plano B, ele adotou por padrão uma guerra de atrito punitiva, bombardeando com frequência e indiscriminadamente cidades e infraestruturas civis ucranianas na esperança de ser capaz de drenar, de qualquer maneira, sangue suficiente dos ucranianos e exaurir o suficiente os aliados ocidentais de Kiev até que lhe deem uma fatia grande o suficiente do russófono leste ucraniano que ele seja capaz de vender para o povo russo como uma grande vitória.

O Plano B de Putin é disfarçar o fracasso de seu Plano A. Se esta operação militar tivesse um nome honesto, poderia ser chamada de Operação Salvem Minha Reputação.

O que torna esta guerra um dos conflitos mais doentios e sem sentido dos tempos modernos — um líder destruindo a infraestrutura civil de um outro país até obter um subterfúgio para esconder o fato que foi um completo imbecil.

Pôde-se perceber no discurso de Putin no Dia da Vitória, pronunciado na terça-feira, em Moscou, que agora ele busca se agarrar a qualquer lógica para justificar uma guerra que ele iniciou com base na própria fantasia de que a Ucrânia não é um país verdadeiro, e sim parte da Rússia. Ele alegou que sua invasão foi provocada por “globalistas e elites” ocidentais que “falam a respeito de sua exclusividade, antagonizam as pessoas e dividem a sociedade, provocam conflitos sangrentos e insurreições, semeiam ódio, russofobia, nacionalismo agressivo e destroem valores familiares tradicionais que tornam as pessoas seres humanos”.

Uau. Putin invadiu a Ucrânia para preservar os valores da família russa. Quem poderia imaginar? Eis um líder com dificuldades para explicar para seu povo por que ele começou uma guerra com um vizinho fraco que, afirma ele, não é um país de verdade.

Soldados ucranianos preparam peça de artilharia em Donetsk 

O disfarce do ditador

Nós poderíamos perguntar por que um ditador como Putin precisa de disfarce. Ele não é capaz de fazer seu povo acreditar no que quiser?

Acho que não. Se analisarmos o comportamento de Putin, parece que ele está bastante assustado hoje com dois temas: aritmética e história russa.

Para entender por que esses temas o assustam, precisamos primeiro considerar o ambiente que o envolve — algo captado habilmente, à medida que transcorre, na letra da canção “Everybody Talks” (Todo mundo fala), de uma das minhas bandas de rock favoritas, Neon Trees. O refrão principal é:

Ei, amigo, você não vai olhar pra mim?

Eu posso ser seu próximo vício.

Ei, amigo, o que você tem para dizer?

Tudo o que você me traz é ficção.

Eu sou um tolo desprezível, e isso acontece o tempo todo.

Eu descubro que todo mundo fala.

Todo mundo fala, todo mundo fala.

Começa com um sussurro.

Uma das maiores lições que aprendi como repórter de assuntos internacionais trabalhando em países autocráticos é que não importa quão estritamente controlado seja o lugar nem quão brutal e autoritário seja seu ditador, TODO MUNDO FALA.

Todos sabem quem está roubando, quem está fraudando, quem está mentindo, quem está tendo algum caso extraconjugal e com quem. Começa com um sussurro e com frequência permanecem assim, mas todo mundo fala.

Putin claramente também sabe disso. Ele sabe que mesmo se tomar alguns quilômetros quadrados a mais no leste da Ucrânia e mantiver a Crimeia, assim que ele parar sua guerra todas as pessoas farão as contas cruéis sobre seu Plano B — começando por uma subtração.

Vladimir Putin discursa no Kremlin durante o aniversário da vitória soviética na 2ª Guerra

Prejuízos da guerra

A Casa Branca declarou na semana passada que estimados 100 mil combatentes russos morreram ou se feriram na Ucrânia somente nos cinco meses recentes e que aproximadamente 200 mil morreram ou se feriram desde que Putin começou esta guerra, em fevereiro de 2022.

Trata-se de um número grande de baixas — mesmo em um país grande — e podemos perceber que Putin está preocupado com a possibilidade de seu povo falar disso porque, além de criminalizar qualquer forma de dissenso, em abril ele se apressou em aplicar uma nova lei que reprime recrutas fujões. Agora qualquer um que não se apresente ao serviço militar sofrerá restrições sobre operações bancárias, vendas de propriedades e até para obter carteira de motorista.

Putin não agiria dessa maneira se não temesse que, apesar de seus melhores esforços, todos estivessem sussurrando a respeito de como a guerra está indo mal e como evitar combater por lá.

Leia o ensaio recente no Washington Post de Leon Aron, historiador dedicado a estudar a Rússia de Putin e pesquisador do American Enterprise Institute, a respeito da visita de Putin, em março, à cidade ucraniana de Mariupol, atualmente ocupada pela Rússia.

“Dois dias depois do Tribunal Penal Internacional acusar Putin de crimes de guerra e emitir um mandado para sua prisão”, escreveu Aron, “o presidente russo passou algumas horas em Mariupol. Ele foi filmado parando no ‘microdistrito Nevski’, inspecionando um novo apartamento e ouvindo por alguns minutos moradores efusivamente agradecidos. Conforme ele deixava o local, uma voz quase inaudível surge no vídeo, um grito à distância: ‘Eto vsio nepravda!’ — ‘É tudo mentira!’”.

Aron disse-me que os meios de comunicação russos apagaram posteriormente ‘É tudo mentira’ do áudio, mas o fato de ter sido deixada no vídeo pode ter sido um ato subversivo, de alguém posicionado na hierarquia da mídia russa. Todo mundo fala.

Casa da cidade de Malokaterinivka foi destruída por ataque de artilharia russo 

Mudança de regime?

O que leva a outra coisa que Putin sabe: “os deuses da história russa são extremamente impiedosos em relação a derrotas militares”, afirmou Aron. Na era moderna, “quando um líder russo termina uma guerra em derrota clara — ou sem nenhuma vitória — normalmente ocorre mudança de regime. Nós vimos isso após a Guerra da Crimeia, após a Guerra Russo-Japonesa, após os reveses da Rússia na 1.ª Guerra, após Krushchev recuar em Cuba, em 1962, e após o Brejnev e companhia se encrencarem no Afeganistão, o que apressou a revolução da Perestroika e Glasnost de Gorbachev. O povo russo, apesar de toda sua afamada paciência, perdoa muita coisa — mas não a derrota militar”.

É por essas razões que Aron, que acaba de finalizar um livro a respeito da Rússia de Putin, argumenta que este conflito na Ucrânia está longe de acabar e ainda pode piorar muito antes disso.

“Há agora duas maneiras para Putin acabar com esta guerra que ele não consegue nem vencer nem abandonar”, afirmou Aron. “Uma é continuar a sangrar a Ucrânia até o fim e/ou até a fadiga acometer o Ocidente.”

E a outra, argumentou ele, “é, de alguma maneira, forçar um confronto direto com os Estados Unidos — trazer-nos à beira de um bombardeio nuclear estratégico mútuo total — e depois dar um passo atrás e propor para um Ocidente amedrontado algum acordo-geral, que incluiria uma Ucrânia neutra e desarmada e a continuidade da Crimeia e do Donbas com os russos”.

É impossível entrar na cabeça de Putin e prever seu próximo movimento, mas mesmo assim eu me preocupo. Porque nós sabemos, sim, a partir das ações de Putin, que ele sabe bem que seu Plano A fracassou. E agora ele fará de tudo para produzir um Plano B que justifique as baixas terríveis que ele ocasionou em nome de um país em que todos falam e no qual líderes derrotados não se aposentam tranquilamente.

Texto reproduzido do blog: otambosi blogspot com

quarta-feira, 10 de maio de 2023

'Guerra na Ucrânia diz respeito a todos nós', por Manuela Kasper

Legenda da foto: Há meses ucranianos resistem em Bakhmut - (Crédito da foto: Marek M. Berezowski/AA/picture alliance)

Publicação compartilhada do site DW, de 23 de fevereiro de 2023

Guerra na Ucrânia diz respeito a todos nós
 Por Manuela Kasper-Claridge

Opinião

Há um ano se desenrola uma agressão brutal no meio da Europa. Somente o trabalho de jornalistas traz à tona o sofrimento dos ucranianos, opina a chefe de redação da DW, Manuela Kasper-Claridge.

Homem caminha na neve entre escombros de casas destruídas pelos combates em Bakhumt, na Ucrânia

A neve está manchada de sangue em Bakhmut. Há meses, as tropas russas tentam tomar a pequena cidade no leste da Ucrânia. Eles atacam de vários fronts com o apoio dos mercenários brutais do Grupo Wagner. Casas e ruas são bombardeadas impiedosamente, sem qualquer consideração por vítimas civis.

Antes da agressão russa, Bakhmut tinha cerca de 70 mil habitantes. Ninguém sabe quantos ainda estão lá. Mas aqueles que permaneceram não desistem. Com o apoio de tropas ucranianas, eles lutam pela liberdade. Eles não querem deixar Bakhmut para o inimigo. A pequena cidade é um símbolo de resistência e da coragem do desespero de ucranianos.

Horror em todas as cidades

Bakhmut diz respeito a todos nós. Não podemos fechar os olhos para o que está acontecendo em solo europeu. Assassinatos, tortura, estupros. A guerra não é abstrata. Na guerra, há mortes. Civis se tornam vítimas. Em Bakhmut, Bucha, Irpin ou Mariupol.

Nós, jornalistas, temos o dever de documentar esses horrores. Ao fazê-lo, precisamos decidir com zelo que imagens mostramos. A realidade brutal não deve ser atenuada. Ao mesmo tempo, precisamos resguardar a dignidade dos afetados. E também noticiar, é claro, sobre como a população civil nas regiões de conflito consegue superar os constantes bombardeios. E com uma vida, na qual nada é mais como antes. Uma vida que, no entanto, tem momentos de alegria e força.

Desmascarar informações falsas

O que é real e o que é mentira? Nem sempre é fácil descobrir. Ainda mais quando se trata de uma guerra. Nossos jornalistas que estão na Ucrânia não tem somente um dos trabalhos mais perigosos, mas também precisam analisar imagens e vídeos com sua redação, falar com testemunhas, verificar fatos, fornecer contextos e desmascarar informações falsas. E diariamente correm risco de ser tornarem vítimas desta guerra. Seu trabalho não pode ser suficientemente valorizado. Esse jornalismo independente causa medo em ditadores.

Por isso, a propaganda do presidente russo, Vladimir Putin, tenta com todos meios desinformar, impedir a divulgação da verdade sobre a agressão russa. Nem o mundo e nem a sua população deve descobrir o que realmente acontece na Ucrânia: quantas vítimas civis a guerra já custou, ou quão grandes são as perdas do exército russo. Há mentira, falsificações e silêncio sobre o que não cabe na propaganda.

A luta pela verdade

É árduo se impor contra os trolls russos. E dirigir a atenção ao que realmente ocorre. Mas cada esforço vale a pena, pois a verdade precisa aparecer. Muitos jornalistas da DW e também de colegas de outros veículos arriscam muito para isso. E eles recebem o apoio da população ucraniana, que quer que o mundo sabia os sacríficos que a invasão russa custou ao seu país e como eles se defendem. Que há uma resistência ativa contra as tropas russas nas regiões ocupadas da Ucrânia. Ou os crimes de guerra brutais cometidos pelos agressores. São informações que não aparecem na imprensa russa controlada pelo Estado.

Essa guerra é também uma luta pela verdade e pela soberania interpretativa. Um ano de invasão russa na Ucrânia significa para muitos ucranianos uma dramática luta pela defesa e liberdade do seu país. Uma luta que merece o apoio de todos os europeus.

Nós, jornalistas, fornecemos informações livres e independentes. Essa é nossa tarefa. Nós esclarecemos e fornecemos o contexto, além de sermos transparentes no trato com as nossas fontes para que todo o público possa formar sua própria opinião sobre a situação em Bakhmut e em toda a Ucrânia. E sobre o que é verdade e o que é propaganda pura.

Texto e imagem reproduzidos do site: dw com

Veja fotos da guerra na Ucrânia que venceram prêmio Pulitzer










 

Publicação compartilhada do site G1 GLOBO MUNDO, de 8 de maio de 2023 

Veja fotos da guerra na Ucrânia que venceram prêmio Pulitzer

Imagens mostram a morte e a destruição causadas na população pela guerra da Ucrânia.

Por g1

O Prêmio Pulitzer de fotografia de notícias foi entregue à agência AP nesta segunda-feira (8), em reconhecimento a um conjunto de imagens marcantes da guerra na Ucrânia.

O pacote vencedor de fotos incluía uma imagem de equipes de emergência carregando uma mulher grávida (que morreu mais tarde) através dos terrenos destruídos de uma maternidade na cidade ucraniana de Mariupol, após um ataque russo.

Outro mostrava a ocupação de Bucha durante um mês pela Rússia, em uma natureza morta: um cachorro parado ao lado do corpo de uma mulher idosa que foi morta.

E outro capturou uma idosa ajoelhada em agonia ao lado do caixão de seu filho no cemitério de Mykulychi, nos arredores de Kiev.

Texto e imagens reproduzidos do site: g1 globo com/mundo

terça-feira, 11 de abril de 2023

Um ano de Guerra na Ucrânia: origens e o que esperar após o conflito

Imagem reproduzida do site infomoney e postada pelo blog "Ideias & Lideranças" para ilustrar o presente artigo

Um ano de Guerra na Ucrânia: origens e o que esperar após o conflito

Texto publicado originalmente no blog GETEMPO/Infonet, em 30 de março de 2023 

 Por Andrey Augusto Ribeiro dos Santos

Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHC/UFRJ)

Integrante do Grupo de Pesquisa sobre Política Internacional (GPPI/UFRJ) e do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS)

Em 24 de fevereiro de 2023 fez um ano desde que tropas russas invadiram o território ucraniano. Ao longo desse período, são numerosas as consequências que a Guerra na Ucrânia tem causado ao cenário global. Além dos enormes custos materiais e humanitários para os dois países envolvidos, no caso da Rússia há também o peso das sanções internacionais, que golpearam fortemente sua economia. Já no cenário internacional, enxergou-se principalmente a crise de refugiados na Europa e o impacto econômico provocado pela diminuição da oferta de recursos energéticos por parte da Rússia e de alimentos por parte da Ucrânia.

Moscou apresentou uma série de justificativas para a invasão do território ucraniano. As principais delas consistiam num suposto genocídio empreendido por grupos neonazistas, envolvidos com o atual governo da Ucrânia, contra a população russa residente no leste do país invadido e uma questão de segurança nacional criada pelo desejo do governo ucraniano de integrar a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Porém, ao olharmos com mais atenção, podemos perceber que esse conflito é, em grande parte, resultado de questões mal resolvidas referentes às relações entre os dois países durante a Guerra Fria, período no qual integraram a União Soviética.

A Ucrânia teve grande importância para os soviéticos e se tornou independente em 1991, com a desagregação do bloco comunista. Desde então, observadores apontam que duas perspectivas entraram em rota de colisão. Uma russa, descontente com a perda de uma posição geopolítica de prestígio alcançada durante o século XX e que passou a ver como natural a necessidade de ter a Ucrânia como sua subordinada. A outra ucraniana, que viu na independência a concretização de uma autodeterminação política aguardada desde o fim da Primeira Guerra Mundial.     

 O choque entre essas duas visões fez com que ações russas contra a integridade e soberania dos ucranianos impulsionassem a aproximação destes últimos com o ocidente no decorrer do tempo. Tal aproximação se deu sobretudo com a OTAN, aliança militar criada no início da Guerra Fria para conter os soviéticos. Assim, com a decisão tomada pelos estadunidenses, em 1994, de expandir a aliança para o leste europeu, a questão entre russos e ucranianos se agravou. Além de uma perda geopolítica estratégica, Moscou também poderia ter que ver a organização ocidental se tornar uma alternativa de segurança para países da antiga zona de influência soviética, o que inflamou o seu senso de prejuízo e insegurança. 

A invasão da região da Criméia em 2014 e o apoio aos separatistas da região do Donbass, ambas na Ucrânia, acabaram fortalecendo o desejo ucraniano de se defender da Rússia, buscando apoio principalmente no ocidente. Assim, o pedido feito em 2021 por Volodymyr Zelensky, atual presidente da Ucrânia, para integrar a OTAN contribuiu fortemente para o aumento das tensões já presentes entre os dois países, que resultaram na invasão russa ao país.

Atualmente a guerra se encontra num impasse. A força da resistência ucraniana tem surpreendido aqueles que tentaram fazer previsões sobre o conflito ainda no seu início, em boa parte graças ao apoio militar e financeiro dado por países europeus e pelos Estados Unidos. Mesmo assim, as condições de negociação da paz colocadas pelos dois beligerantes, mesmo após recuos em alguns requisitos colocados inicialmente, ainda se mostram incompatíveis em vários pontos, o que aponta para uma extensão aparentemente indefinida dos combates.

No mais, alguns analistas já apontam esse conflito como um divisor de águas nas relações internacionais do início do século XXI. Assim, fatores como uma divisão geopolítica bipolar no espaço europeu, semelhante à ocorrida na Guerra Fria; um aumento dos investimentos europeus na área militar e um acentuamento da desglobalização produtivo-financeira, que já vinha crescendo devido à pandemia de covid-19 e à disputa comercial entre EUA e China, são algumas das consequências esperadas para o cenário internacional pós-Guerra na Ucrânia e que trazem grandes mudanças para a política internacional.

Tudo isso aponta para um futuro cenário geopolítico de tensão e instabilidade na Europa, com consequências potencialmente graves para o resto do mundo. Se somarmos a isso outras questões que se apresentam à comunidade internacional, como o avanço do aquecimento global, o aumento das desigualdades sociais e financeiras e a crise das democracias liberais, o início do século XXI se torna bem mais desafiador e sombrio do que já vinha se mostrando.

Em 2022, o Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS) promoveu o minicurso “Para entender a Guerra na Ucrânia”, com quatro aulas de especialistas no assunto. Você pode acessar esse conteúdo online e gratuitamente no canal do grupo no Youtube, intitulado Tempo Presente UFS GE

Texto reproduzido do site: infonet com br/blogs/getempo

segunda-feira, 10 de abril de 2023

Quem ganha e quem perde com o vazamento de segredos da guerra

Publicação compartilhada do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 10 de abril de 2023

Quem ganha e quem perde com o vazamento de segredos da guerra

Todos têm algo a perder: reputação, informações vitais, poder e agentes infiltrados pelos americanos em serviços secretos russos. Vilma Gryzinski:

Os segredos do Pentágono vazados em plataformas sociais mostram, acima de tudo, dois fatos: os americanos sabem tudo, até os segredos sussurrados em recantos obscuros de qualquer palácio do mundo, mas não sabem mantê-los sob as sete chaves de sigilo que informações vitais exigem.

A revelação dos documentos sigilosos causa um estrago tremendo para as principais partes envolvidas, Estados Unidos, Rússia e Ucrânia.

Para os russos, são profundamente humilhantes, em especial por mostrar que a sua estrutura militar está infiltrada a ponto de dar aos americanos – e, portanto, aos ucranianos – todos os horários e meios usados em ataques de artilharia antes que acontecessem. A agência Sputnik, que é a voz do Kremlin, deu uma disfarçada, dizendo que a coisa toda não era digna de crédito, um modo de abrandar a humilhação.

Para os americanos, expõem a incapacidade de guardar segredos vitais, já demonstrada pelos grandes vazamentos de Julian Assange (preso na Inglaterra, sem ter nunca vazado nada sobre os russos), sua colaboradora Chelsea Manning (que virou mulher trans durante a pena de prisão e recebeu o perdão presidencial no apagar das luzes de Barack Obama) e Edward Snowden (morando na Rússia, sem nunca ter revelado nada sobre os seus atuais anfitriões e agora compatriotas). Isso para não voltarmos mais um pouco na história e chegarmos aos Papéis do Pentágono, revelados durante a Guerra do Vietnã.

As informações sigilosas também revelam os métodos da inteligência americana e, potencialmente, os informantes infiltrados que passavam as informações para elas. Nesse exato momento, muitos deles podem estar embarcando para a viagem sem volta que o Kremlin reserva aos que o traem.

Perder informantes no meio de uma guerra é um golpe tremendo – e quem mais vai sentir é a Ucrânia.

Os documentos vazados descrevem em detalhes a avaliação feita pela cúpula militar ucraniana sobre a situação nas frentes de combate, quantidade de armamento (sempre faltando) e de outros recursos, sistemas de defesa aérea e posições na linha de frente. Expõe também os problemas profundos da força aérea ucraniana, praticamente grudada no solo por impossibilidade de confrontar os russos (estes, com falhas inacreditáveis, deveriam ter desde o começo da guerra, o domínio do ar, mas não conseguem).

As revelações explicam o interesse dos ucranianos em também desacreditar os segredos vazados. Mikhailo Podoliak, um dos principais assessores de Volodimir Zelenski, disse que tudo é uma “jogada típica” dos serviços secretos russos.

“O objetivo do ‘vazamento’ de dados secretos é óbvio: desviar atenções, lançar dúvidas e suspeitas mútuas, semear discórdia”, afirmou.

Isso é exatamente o que o vazamento está fazendo. Antes mesmo que esse avassalador número de informações secretas – cerca de 100 páginas de documentos – aparecesse no Telegram e numa obscura plataforma de chats usada principalmente pela turma dos games, a Ucrânia já relutava em partilhar informações militares com os Estados Unidos.

Motivo número um: medo de vazamento – agora plenamente justificado. Número dois: qualquer militar da face da Terra não gosta de dividir segredos em circunstância alguma, muito menos durante uma guerra. Número três: os serviços de inteligência ucranianos se originaram justamente da escola russa de desinformação e infinitas camadas de sigilo.

“Os Estados Unidos têm uma compreensão mais clara das operações militares russas do que do planejamento ucraniano”, comparou o New York Times. Alguma dúvida de que agora os ucranianos tornar-se-ão mais fechados ainda?

Uma das informações que tanto russos quanto ucranianos sempre se esforçam para manter em sigilo total é o número de baixas em cada campo. Os documentos entram em detalhe sobre a informação que todo mundo quer saber. Do lado dos russos, o número de baixas é calculado entre 189,5 mil e 223 mil, dos quais 43 mil mortos – um número gigantesco, que bate com os cálculos mais realistas de outros especialistas. As baixas ucranianas são de 124,5 mil a 131 mil, entre os quais 17,5 mil mortos em combate.

Quem vazou os documentos? Centenas e até milhares de pessoas credenciadas poderiam ter acesso a eles, diz o Times. A porta agora está em “lockdown”, segundo o Pentágono, para evitar novos constrangimentos. As informações secretas foram preparadas por múltiplas agências de inteligência, incluindo a CIA e a Agência de Segurança Nacional, com base em informações dadas por agentes infiltrados e pelo vasto sistema de escuta eletrônica capaz de capturar praticamente tudo que não esteja protegido pelos mais altos níveis de despistamento. O destinatário era o general Mark Milley, chefe do Estado Maior das Forças Armadas, posto máximo da hierarquia militar.

O momento do vazamento é especialmente sensível porque a Ucrânia está prestes a lançar uma ofensiva –com “nove brigadas das Forças Armadas Ucranianas preparadas e equipadas pelos Estados Unidos e a Otan”, entregam os documentos – para tentar virar a dinâmica da guerra, atualmente quase que empatada, com forças equilibradas em lugares menos estratégicos como Bakhmut.

Obviamente, os russos têm seus próprios agentes infiltrados na Ucrânia, um campo vasto, considerando-se que uma pequena parte da população é de russos étnicos que preferem se alinhar com Moscou.

Os serviços russos são mais do que agências de inteligência. É neles que está fincada a mais importante base de sustentação de Vladimir Putin que, famosamente, foi da KGB e criou com seus aliados mais próximos o capítulo seguinte. Existe até uma palavra em especial para designar o tipo de gente que integra a FSB e o GRU, os dois principais serviços: silovik.

Qualquer coisa que atinja os serviços secretos atinge Putin diretamente. É contra esse fato que devem ser medidos os apuros que os americanos estão passando no momento. E é isso que certamente está tirando o sono de qualquer silovik, imaginando a famosa batida na porta que anuncia a desgraça.

Quem mais Putin vai culpar pela penetração sem precedentes em círculos criados para ser inexpugnáveis? E quem, mais do que Putin, está sibilando de raiva e vergonha?

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi.blogspot.com

terça-feira, 28 de março de 2023

O primeiro ano da guerra na Ucrânia

Publicação compartilhada do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 27 de março de 2023

O primeiro ano da guerra na Ucrânia

Nas guerras, há mais do que apenas vitórias e derrotas totais. Há também negociação e busca de compromisso. Deve haver, pelo menos, um esforço para procurar um cessar-fogo. Václav Klaus para o Observador:

Passou mais de um ano desde o momento que todos pensávamos que nunca mais voltaria: o momento em que uma grande guerra irrompe na Europa – embora na sua parte mais oriental – envolvendo exércitos de centenas de milhar de pessoas, cujo confronto já causou a morte de dezenas de milhar (se não centenas de milhar) de homens, mulheres e crianças. Um evento deste tipo suscita sempre muitas declarações conflitantes – tanto racionais como irracionais, pensadas e irrefletidas inteligentes e absurdas, justas e injustas. Tanto condenações resolutas como afirmações estruturadas e, portanto, mais conceptuais.

Tenho certeza de que expresso a atitude de um número não pequeno de pessoas quando digo que nós, na esfera pública, testemunhamos uma sub-representação totalmente indesculpável de tristeza, de genuína indignação, de incompreensão sobre como se permitiu tal coisa acontecer, do desespero de nada poder fazer, da sensação de impotência perante líderes mundiais que falam, mas não agem.

Estes são certamente os sentimentos de quem realmente sofre, de quem está gravemente ferido, de quem está a morrer. Mas não têm, no entanto, nenhuma maneira de influenciar a situação. O mundo, ou pelo menos o mundo ocidental com o qual nos identificamos, está à espera. Os políticos fazem declarações contundentes (sobretudo pensando na opinião pública interna ou na próxima eleição), mas nada fazem para impedir a guerra.

A desculpa de que nada pode ser feito não é sustentável. Parece ser mais uma espera de que as coisas se resolvam por si e, ao mesmo tempo, uma crença de quem aguarda que o agressor – se enviarmos mais e mais armas para a Ucrânia – venha a perder. Será horrível, destrutivo, totalmente inaceitável e injustificável, mas, ainda assim, apenas uma guerra relativamente “pequena” e imparável por ser principalmente parte de algo muito maior? Será algo que realmente não pode ser parado?

Não será parte de uma luta pela hegemonia no mundo de hoje, da qual a parte oriental e predominantemente russa da Ucrânia é talvez uma vítima acidental? No século passado, a luta pela hegemonia mundial era em grande parte movida pela ideologia, pela competição entre comunismo e capitalismo (palavra que muitos actualmente pronunciam com um sentimento de constrangimento), mas isso não acontece agora. Hoje trata-se mais de “meros” interesses hegemónicos.

Está longe de ser a primeira vez que isto acontece na história. Foi descrito por vários historiadores, e mais recentemente por um bom amigo meu, o professor de Harvard, Graham Allison no seu livro Destined for War: Can America and China Escape Thucydides’s Trap?. Esta “aula” a partir do seu relato da Guerra do Peloponeso entre uma Atenas em ascensão e a antiga hegemónica Esparta tem certamente algo a nos dizer hoje.

Nas guerras, há mais do que apenas vitórias e derrotas totais. Há também negociação e busca de compromisso. E se não há força e coragem suficientes para tal negociação, há – e deve haver – pelo menos um esforço para parar os combates, para procurar um cessar-fogo. Por que razão a expressão “cessar-fogo” está ainda completamente ausente? Porque é o “cessar-fogo” retratado (e, portanto, caricaturado) como apaziguamento, como algo errado a priori? Por que razão a forte declaração de Churchill contra Hitler é tão levianamente usada na argumentação de hoje? Costumo citar Stefan Zweig. É relevante ainda agora: “Aqueles que correm mais furiosamente para a guerra são desertores por sua própria responsabilidade, não heróis por um sentido de dever” (da sua Impaciência do Coração).

As gerações dos meus pais e avós também levantaram as mesmas questões há oito ou nove décadas. Devemos, no entanto, parar por um momento e perguntar se estamos hoje na mesma situação.

Não poderia imaginar – como Zweig – que viveria para ver uma época em que carregar canhões e disparar as suas munições seria outra vez a mais comum imagem mediática exibida quase continuamente em todos os canais de TV. Existirá alguma maneira de parar esta situação? Estou convencido de que deve ser interrompida.

Nota editorial: Václav Klaus é Economista e Professor de Finanças. Foi presidente da República Checa de 2003 até 2013 e primeiro-ministro entre 1992 e 1997. Intelectual de reconhecida craveira internacional, é um dos mais importantes políticos europeus desde a queda do comunismo.

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi.blogspot.com

quinta-feira, 16 de março de 2023

Ucrânia: Relatos horripilantes de estupros cometidos por militares russos

Publicação compartilhada do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 15 de março de 2023

Ucrânia: Relatos horripilantes de estupros cometidos por militares russos.

Vítimas ainda têm medo de fazer denúncias e, pior ainda, de que os invasores voltem e se vinguem de moradores cujos crimes contaram. Vilma Gryzinski:

“Olhe o que sua mãe está fazendo”. A frase inominável foi dita por um dos soldados russos bêbados que estupraram a mãe de um jovem de 20 anos, colocado de joelhos, com um fuzil apontado para a cabeça e obrigado a assistir tudo.

Além da mãe, a namorada também foi estuprada na sua frente. A violência contra as duas mulheres e a humilhação do jovem, que se sente fracassado por não tê-las defendido, foram relatadas à psicóloga Natalia Potseluieva, mas não denunciado oficialmente.

Em declarações ao jornal The Telegraph, a psicóloga resumiu os horrores que chegam a ela — e o medo e a vergonha de muitas vítimas. Natalia trabalha com 17 pessoas violentadas nos arredores de Kiev, em localidades ocupadas no início da invasão. O sofrimento psicológico persiste e muitos também temem uma revanche caso a guerra mais uma vez tenha uma virada, trazendo de volta os russos para suas cidades. De 24 mulheres que denunciaram ter sido estupradas em Bucha, a cidade que virou símbolo dos atos hediondos praticados pelos russos, nenhuma apresentou uma queixa formal.

“Eu trabalho com uma mãe e uma filha de treze anos que foram estupradas por três soldados e uma menina de cinco anos estuprada na frente do pai”, disse a psicóloga Natalia.

É quase insuportável ouvir o que ela tem a contar.

“E não foram só mulheres. Em Kherson, num centro de tortura, um homem de 24 anos foi espancado, torturado e violentado. Os homens são estuprados por outros homens ou com objetos. Pedaços de pau, porretes, cassetetes”.

No caso relatado, a vítima disse que seus agressores eram da FSB, a polícia secreta. Ele também relatou que outro preso, um homem mais velho, não suportou a violência e se suicidou.

Um mecânico de 56 anos contou ao Telegraph que sofreu choques nos testículos: “Desmaiei e urinei. Eles fizeram isso para me humilhar, para mostrar que sou um verme, um nada”.

A humilhação e o medo fizeram com que um número relativamente baixo, de 154 casos, tenha se transformado em processos abertos por uma promotora especial, encarregada da inédita investigação dos crimes cometidos enquanto a guerra ainda continua. Nas abordagens iniciais, os investigadores começam com uma pergunta neutra: “Como os russos se comportaram?”.

Todos os envolvidos, ucranianos e estrangeiros, têm certeza absoluta de que o número de casos foi muito maior.

A promotora Irina Didenko relata um modus operandi, um comportamento identificado em todas as localidades investigadas: nos dois primeiros dias, os russos chegavam, escolhiam onde queriam se instalar, checavam os celulares de moradores para ver se tinham parentes nas forças de segurança. “No terceiro dia, começavam a estuprar”.

Uma mulher identificada apenas como Marina, de 47 anos, contou que foi parada na rua por três soldados quando chegava à casa dos pais, levada para um local vazio e obrigada a tirar a roupa. Os russos atiraram a centímetros de sua cabeça. Quando ela pediu que não fizessem nada, um deles respondeu: “Seus soldados estão nos matando”. Sem atentar para a ironia de que eram eles os invasores. Marina foi estuprada.

Esta semana, foi fechado mais um caso, o de dois soldados que estupraram uma menina de quatro anos e a mãe dela na frente do pai e marido.

Pelo menos uma notícia boa: os dois foram mortos em combate.

Texto e imagem repoduzidos do blog: otambosi.blogspot.com

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Um ano de guerra de conquista: fim incerto, impacto certo

Publicação compartilhada do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 23 de fevereiro de 2023

Um ano de guerra de conquista: fim incerto, impacto certo.

24 fevereiro de 2022 será um marco em futuros livros de História pelo impacto que já teve na ordem regional e global. Vivemos num Mundo mais imprevisível e perigoso. Ensaio de Bruno Cardoso Reis, publicado pelo Observador:

Em janeiro de 2022 deixei claro que seria perigoso ignorar o risco real de uma invasão russa em grande escala da Ucrânia. Infelizmente, a previsão confirmou-se, desmentindo os muitos que previam, confiantes, que tudo não passava de propaganda americana. Que balanço podemos fazer hoje, um ano depois do início da guerra?

Vamos olhar para alguns números que concretizam a realidade da guerra. Depois, iremos focar-nos nos grandes objetivos dos beligerantes, bem como na evolução da dimensão militar mais operacional. Concluiremos com o impacto do conflito na evolução da ordem global e o seu possível desfecho.

Uma terrível contagem

Depois de um ano, a invasão russa da Ucrânia arrisca-se a transformar-se numa guerra prolongada, com uma linha da frente muito longa, de mais de 1500 quilómetros. Os principais combates centram-se, agora, no Donbas. Faz sentido que numa frente tão ampla, e com as condições atmosféricas adversas do outono e inverno, tenha prevalecido nos últimos meses uma guerra predominantemente defensiva, de trincheiras, no modelo da Primeira Guerra Mundial.

Esta é uma guerra de intensidade mais elevada do que tem sido habitual nas últimas duas décadas. O critério para um conflito armado ser suficientemente intenso para ser considerado uma guerra é provocar mais de mil mortos em combate por ano. O conflito no Donbas, provocado pelo separatismo pró-russo no leste da Ucrânia, patrocinado e apoiado militarmente pela Rússia, terá resultado em 14 mil baixas e talvez 3000 mortos, entre 2014-21, a maioria dos quais na Ucrânia livre e nos dois primeiros anos. No ano de 2021, segundo as autoridades separatistas do Donbas, teriam sido mortos oito civis nessa região.

Todas as mortes de civis num conflito são trágicas, mas o conflito no Donbas não era uma guerra e muito menos era o genocídio alegado pela desinformação do Kremlin para tentar justificar a agressão russa. Desde 24 fevereiro de 2022 e até janeiro da 2023 verificaram-se 18.483 baixas civis, entre as quais 7.068 mortos devidamente identificados, segundo a ONU. Mas este é o limiar mínimo, são apenas os civis devidamente identificados. Estima-se que o total de baixas civis poderá chegar às 30 mil ou até às 40 mil, e este número continua a crescer.

O número exato de baixas militares — tropas mortas ou seriamente feridas, ficando incapacitadas para o combate — é um segredo bem guardado pelos dois lados. Mas, dada a intensidade do combate, parecem credíveis as referências a entre 150 mil e 200 mil baixas entre as tropas russas — mortos e feridos graves, incapacitados para o combate. E, destes, talvez cerca de 60 mil mortos. Entre os ucranianos, o custo em termos relativos é maior, embora o número total seja menor, estimando-se em 100 mil/150 mil baixas. E também se estima que terá menos mortos, talvez 30 mil, graças a uma medicina de combate ucraniana muito mais eficaz do que do lado russo, que trata os soldados como carne para canhão. Sublinho que são estimativas.

O que é claro é que as baixas russas excederam em muito as expectativas da liderança russa. Daí que Putin tenha sido forçado a voltar atrás na promessa que fez publicamente no início da invasão, de que ela seria feita apenas com base em voluntários, decretando uma mobilização parcial de mais 300 mil soldados, em setembro de 2022, que gerou um raro momento de alguma contestação na sociedade russa. Por comparação, em 10 anos da guerra soviética no Afeganistão, entre 1979-89, o total de mortos russo-soviéticos foram 15 mil, num total de 45 mil baixas. No entanto, desta vez não há sinais de abalos relevantes na lealdade da elite política e securitária.

O que poderá explicar esta resiliência do regime de Putin? As sanções demoram tempo a produzir efeito, até porque há muitos incentivos para as contornar, mesmo que resultem em piores produtos e mais caros. A recessão económica russa foi menor do que esperado e mais apoios e subsídios estatais têm sido prometidos. Depois, há que contar com a crescente censura e repressão — penas de até 15 anos para quem mencionar a guerra. Há também que contar com o peso na cultura política russa da nostalgia imperial e da ideia de que a alternativa é: autocracia ou anarquia, um poder forte ou o regresso aos caos, como em 1991, em 1917, ou no início do século XVII. É relevante que muitas destas baixas são jovens soldados pobres de regiões ultraperiféricas como Tuva ou Buriácia, ou entre os milhares de criminosos recrutados pelo grupo Wagner. O facto de — até por imposição ocidental — a Ucrânia não atacar grande parte do território da Rússia permite a muitos o luxo de ignorar a guerra.

É também fundamental não haver uma alternativa viável a Putin. O Presidente russo garantiu isso prendendo, exilando ou assassinado os líderes oposicionistas. Organizando teatros televisivos que deixaram toda a elite governativa publicamente comprometida com o apoio à invasão. Claro que essa elite já está comprometida por décadas de acumulação cleptocrática que torna qualquer mudança de regime muito arriscada para muita gente com muito a perder. Putin também não tem um parlamento ou um partido a que tenha de prestar contas. O partido Rússia Unida, que domina a Duma, é um instrumento de Putin. E não há verdadeiros partidos de oposição, o Partido Comunista da Rússia ou o do falecido Zhirinovsky são igualmente nacionalistas e belicistas. Por fim, um outro número importante é o do autoexílio de 500 mil a um milhão de russos, opostos à guerra ou simplesmente indisponível para serem mobilizados. A saída desta população, a maior parte jovem, dinâmica e educada é péssima para a Rússia — que já é o país da Europa com maior redução da população prevista até 2050 —, mas serviu como uma válvula de escape para o regime, privando a oposição de potenciais recrutas.

Outro número que não podemos ignorar é que desta guerra resulta a maior crise de refugiados da Europa desde o final da Segunda Guerra Mundial. São pelo menos oito milhões de refugiados ucranianos que fugiram para o resto da Europa, e cinco milhões deslocados no interior do país para zonas mais seguras. E talvez três milhões que se deslocaram para Rússia, muitos alegadamente deportados, inclusive milhares de crianças separadas das suas famílias. O que é certo é que estes ucranianos não teriam abandonado a sua casa, a sua terra, se não fossem forçados a isso por esta guerra de conquista, em que a Rússia chegou a ocupar 25% do território ucraniano, e neste momento ainda ocupa 15%.

O número que torna esta invasão russa da Ucrânia mais excecional é que ela faz parte de uma pequena percentagem de menos de 20% das guerras entre Estados, desde 1945. Mais de 80% das guerras dos últimos 80 anos aconteceram no interior de um Estado — guerras intraestatais ou civis, mesmo que internacionalizadas. Estas guerras civis podem ser muito sangrentas, mas, pelo menos, não afetam um dos pilares da ordem internacional: o respeito pelas fronteiras exteriores dos Estados e a regra de essas fronteiras não poderem ser alteradas pela força.

Por fim, esta guerra é absolutamente excecional porque é a primeira guerra de conquista por uma grande potência desde o final da Segunda Guerra Mundial. Desde então, por via da Carta das Nações Unidas de 1945, o direito internacional deixou de aceitar o direito de conquista e a guerra deixou de ser considerada um instrumento normal de ação dos Estados. Podemos criticar muitas intervenções militares dos EUA nas últimas décadas, mas elas nunca resultaram na anexação de qualquer território ocupado. Saddam Hussein tentou conquistar o Kuwait em 1991, mas a sua derrota reforçou a norma que proíbe guerras de conquista. Este facto faz desta guerra o maior desafio à paz e à ordem internacional em muitas décadas.

Os objetivos de guerra

As Forças Armadas não existem para si mesmas, menos ainda em tempo de guerra. Como terá dito o líder que levou França à vitória em 1918, Georges Clemenceau: “A guerra é demasiado importante para ser deixada apenas aos generais.” Capacidades e objetivos militares são meios para atingir um fim maior. É por isso que a guerra é definida pelo famoso general e estrategista Carl von Clausewitz como a “continuação da política por outros meios”. É fundamental, portanto, olhar para os objetivos declarados dos beligerantes e dos seus principais aliados.

Putin anunciou uma “operação militar especial” com uma série de objetivos incríveis, mas dois que devemos levar a sério, depois de devidamente descodificados: “Desnazificar” e “desmilitarizar” a Ucrânia. Traduzindo da novilíngua putinista: nazi significa todo aquele que se opõe ao Kremlin; desmilitarizar significa privar a Ucrânia dos meios para se defender da coerção russa. O verdadeiro objetivo estratégico de Putin era, portanto, acabar com uma Ucrânia verdadeiramente independente, derrubar o governo livremente eleito em 2019, colocar no poder um fantoche pró-russo, como o seu compadre Medvedchuk, que acabasse com qualquer aproximação ao Ocidente e estivesse disposto a formalizar a cedência de território estratégico à Rússia.

O objetivo acessório de Putin é demonstrar que a Ucrânia não existia, e que o Ocidente estava decadente, dividido e era incapaz de ajudar. Putin é um nacionalista de velha guarda, obcecado pelo velho império russo-soviético. Uma Ucrânia democrática, próspera e pró-ocidental é um constante desafio ao seu regime cada vez mais repressivo, mostrando que há alternativas no espaço pós-soviético.

Desse ponto de vista, a Rússia já perdeu esta guerra. Não conseguiu a vitória rápida que provaria que a Ucrânia não era uma verdadeira nação. E, pelo contrário, reforçou o nacionalismo ucraniano e tornou-o mais hostil à Rússia. Uniu grande parte da Europa e os EUA no seio da NATO e da União Europeia (UE) em oposição à Rússia. A Rússia queria uma demonstração espetacular da sua força e acabou por demonstrar uma enorme fraqueza, desde logo no campo militar.

Quais são os objetivos estratégicos da Ucrânia? O principal é provar que existe e resiste. Esse objetivo foi alcançado apesar da enorme assimetria em poder estrutural, seja em termos de dimensão do território, da população ou de meios militares em comparação com a Rússia. Um segundo objetivo, não menos fundamental, é mostrar que a Ucrânia merece o apoio dos países ocidentais, desde logo através de uma resistência eficaz, mas também do combate à corrupção. Sem esse apoio ocidental, uma resistência prolongada seria muito mais difícil, se não impossível. Também isso tem sido alcançado. Até ao ano passado, a Ucrânia não era vista como uma candidata viável à adesão à União Europeia. Hoje, é formalmente país candidato. Talvez seja um entusiasmo do momento, e a adesão não será fácil, mas, para já é um ganho claro dos ucranianos.

Para os países ocidentais, em particular os EUA e a maioria dos países europeus — sobretudo, os mais próximos ou vizinhos da Rússia —, o objetivo estratégico inicial era fazer pagar um preço elevado pela invasão russa. E, assim, evitar a normalização do regresso do direito de conquista e das guerras de agressão pelas grandes potências, criando um perigoso precedente gerador de desordem regional e global. Para os países europeus vizinhos da Rússia e da Ucrânia, a prioridade era travar esta agressão russa, evitando que os ameaçasse diretamente. Para os EUA, mas também para os principais aliados ocidentais, o objetivo era travar a Rússia de uma forma que não levasse a um alargamento da guerra a países da NATO e a uma escalada para uma Terceira Guerra Mundial, potencialmente nuclear.

O trágico incidente, em novembro de 2022, que causou a morte de dois civis polacos mostrou que os países da NATO iriam respeitar essa linha vermelha mesmo em circunstâncias extremas. E a Rússia, apesar de toda a propaganda de sentido oposto, também mostrou não ter interesse em alargar a guerra para um conflito direto com países membros da Aliança Atlântica, muito mais capazes de lhe resistir militarmente do que a Ucrânia. É por isso, também, que os países ocidentais deixaram claro, desde o início, que não iriam envolver-se diretamente com tropas no conflito. É uma limitação importante da eficácia do envolvimento ocidental, mas essa estratégia tem sido relativamente bem-sucedida. Por isso, é tão importante na estratégia da Rússia a desinformação que visa desmobilizar o apoio ocidental à Ucrânia, procurando apresentar as armas que ajudaram a travar a agressão russa como uma ameaça à paz e não como uma ameaça ao imperialismo de Putin.

E o resto do Mundo? Está longe da guerra. Muitos países pobres e periféricos veem no conflito um obstáculo ao seu desenvolvimento e uma questão europeia, têm como prioridade defender pragmaticamente os seus interesses em boas relações de cooperação e comércio com os dois lados. Ainda assim, convém recordar que a maioria dos países do dito Sul Global não apoia a Rússia, e na Assembleia Geral da ONU esse grupo condenou a invasão russa; a maioria dos outros não foi além de abster-se de a condenar ou de recusar cortar relações económicas com Moscovo. Nem mesmo potências emergentes como a China ou a Índia se mostraram dispostas a sacrificar os seus interesses para apoiar militarmente a Rússia. Só mesmo Estados párias, como o Irão ou a Coreia do Norte, a Eritreia ou a Síria, viram na guerra uma oportunidade de reduzir o seu isolamento ou de reforçar a sua cooperação militar com a Rússia.

As fases da guerra: da máxima assimetria até às trincheiras

Em termos operacionais e táticos, a guerra tem passado por várias fases. Numa fase inicial, tivemos uma guerra estruturalmente assimétrica. A 24 de fevereiro de 2022, a Rússia tinha uma vantagem média de 10 para um em termos de aviões de combate, de tanques, de artilharia ou meios navais. Isso, e acreditar na sua própria propaganda, levou a liderança russa a subestimar a resistência ucraniana. Moscovo pensou poder fazer uma operação especial e atingir os seus objetivos em poucos dias. Daí ter lançado forças aerotransportadas sobre um aeroporto perto de Kiev, tentando, aparentemente e ao mesmo tempo, usar forças especiais para eliminar Zelensky e decapitar a resistência organizada ucraniana. Foi esta arrogância que levou à multiplicação das linhas de avanço russo sem a necessária coordenação ou apoio logístico. Putin apostou também na cumplicidade dos responsáveis das Forças Armadas da Ucrânia a cuja rendição e cooperação apelou publicamente.

A expectativa do Kremlin era algo semelhante ao sucedido na Crimeia, em 2014, em Kabul, em 1979, ou em Praga, em 1968. A Ucrânia não preparou grandes linhas defensivas, trincheiras ou campos de minas, ou barreiras antitanque na fronteira. Mas foi muito eficaz em guerra urbana e numa guerra irregular com ataques surpresa e emboscadas às longas, pesadas e lentas colunas blindadas russas. Fê-lo graças à determinação e heroísmo dos ucranianos; também ajudou o treino e doutrina NATO, e o fornecimento in extremis de armamento portátil ocidental, como os mísseis antitanque Javelin, antiaéreos Stinger ou drones.

Falhado esse esforço nos primeiros meses, a Rússia decidiu focar-se nas regiões do leste e do sul, em particular no Donbas, procurando tirar partido da sua vantagem inicial em quantidade e alcance da artilharia. A Ucrânia apostou em reforçar as suas linhas defensivas por toda a linha da frente, mas também procurou, à medida que ia adquirindo artilharia ocidental mais precisa, mais poderosa e de maior alcance — os famosos HIMARS —, preparar eficazmente o terreno para desencadear contraofensivas bem sucedidas. Seja explorando a fraqueza das linhas defensivas russas e a desorganização do comando na zona de Kharkiv, seja estrangulando as vias de apoio logístico às forças russas na margem ocidental do Dniepre, em torno da cidade de Kherson.

Estas derrotas levaram a liderança russa a uma dupla escalada. Primeiro, por via da mobilização parcial de setembro de 2022. Segundo, pela aposta numa estratégia de guerra total contra a população civil ucraniana recorrendo a uma guerra aérea indiscriminada contra os principais centros urbanos e contra infraestruturas críticas com mísseis e drones iranianos, com vista a tentar quebrar a capacidade e, sobretudo, a vontade de resistência dos ucranianos. Essa estratégia não parece ter resultado — e a história do poder aéreo, desde o Blitz nazi contra os britânicos até aos bombardeamentos aliados contra a Alemanha nazi, não leva a crer que, por si só, tenha resultados decisivos.

Nas condições adversas do outono e do inverno, acabou por se consolidar uma fase da guerra predominantemente defensiva, uma guerra de trincheiras de que o precedente mais conhecido é a Primeira Guerra Mundial na Frente Ocidental, entre finais de 1914 e inícios de 1918. O resultado são batalhas que se arrastam durante meses. Foi assim com Verdun na Primeira Guerra Mundial. É assim com a batalha de Bakhamut, que se vem arrastando desde o verão de 2022, na presente guerra. Elas resultam em enormes baixas, sobretudo dos atacantes, mas também dos defensores, e avanços mínimos.

O que nenhum dos lados conseguiu, até ao momento, foi demonstrar uma consistente capacidade de levar concretizar com sucesso grandes operações ofensivas de armas combinadas e multidomínio. Ou seja, ruturas da frente depois exploradas e alargadas, combinando múltiplas unidades terrestres, aéreas e navais e outras capacidades para alcançar grandes avanços no terreno.

No caso da Rússia, esta guerra de movimento ofensiva só resultou na fase inicial da campanha, sobretudo no sul, onde a resistência ucraniana estava mais desorganizada e as forças russas tinham apoio logístico próximo na Crimeia. É estranho, dado o diferencial de meios e o facto de a Rússia ter anunciado sucessivos reforços de investimento na modernização e reforma das suas Forças Armadas. A explicação mais convincente deste mistério é o facto de o sistema militar russo ser muito negativamente condicionado pelo respetivo sistema político e social. Na Rússia temos um regime assente não só na corrupção mas também num grau crescente de lealdade cega e de compadrio. Ora, sem promover a iniciativa e o mérito, dificilmente se terá forças militares capazes de adaptação rápida e eficaz.

Essa dificuldade é natural no caso da Ucrânia, que tinha um equipamento militar muito insuficiente e envelhecido, em grande parte de origem soviético. A grande maioria dos países do Ocidente tinha-se limitado, até fevereiro de 2022, a treinar alguns oficiais ucranianos, para evitar provocar a Rússia ou perturbar esforços negociais, recusando-se a fornecer armamento ocidental avançado até ao momento da invasão. Apesar de tudo foi a Ucrânia quem — já dotada de algum equipamento ocidental — mais se aproximou de uma guerra de manobra ofensiva, nas operações que permitiram recuperar o território em torno de Kharkiv e Kherson. Mas eram regiões mal defendidas ou difíceis de defender. Veremos se nos próximos meses continuará a prevalecer uma guerra defensiva ou se passaremos a uma nova fase mais ofensiva de guerra de movimento para a qual os objetivos dos dois lados continuam a apontar.

Guerra com fim à vista?

É provável que a guerra continue e até se intensifique nos próximos meses. Porquê? Os dois lados continuam a ter objetivos mínimos que só podem ser alcançados pela via militar. A Rússia não está disposta a negociar os territórios que anexou formalmente, nem parece abdicar da redução da Ucrânia ao estatuto de satélite. Confia que, com o tempo, os EUA e outros aliados da Ucrânia se cansarão de a apoiar. A Ucrânia só está disposta a negociar no pressuposto de uma retirada russa de todo o seu território, inclusive a Crimeia, além de exigir indemnizações pelos danos causados e a punição de crimes de guerra. Pode ser que parte dessas exigências sejam maximalistas. É possível que novas ofensivas sejam mais difíceis, depois de os dois lados terem mobilizado mais tropas e terem multiplicado linhas defensivas, vulgo trincheiras. É provável que ambos os lados acabem por esgotar os seus meios e vontade de continuar a combater. Mas esse não parece ser o caso para já. Apelos vagos à paz, sem qualquer proposta concreta de como a atingir, ignoram esta realidade e não oferecem qualquer alternativa viável.

O que pode mudar e alterar de forma importante os dados da questão? Dois aspetos fundamentais. Primeiro, se um dos lados for capaz de aumentar significativamente a sua eficácia militar, nomeadamente em operações ofensivas, sempre as mais exigentes. Não sabemos até que ponto a Rússia terá aprendido a lição dos seus falhanços e terá a capacidade de uma mudança de fundo do seu modus operandi em função disso. Também não sabemos se a Ucrânia terá atingido o limite dos seus até aqui notáveis esforços de adaptação e se o novo armamento e munições ocidentais chegarão em quantidade e com rapidez suficientes para fazer uma diferença significativa no campo de batalha.

A história mostra-nos que é arriscado prever o desfecho de um conflito. Até porque o fim de uma guerra nunca é apenas uma decisão racional, mas também emocional. A história também nos mostra que uma paz formal e negociada não é a única saída possível para uma guerra."

O segundo dado seria uma mudança no perfil ou nível de empenho das alianças dos dois lados. Uma guerra prolongada é essencialmente uma guerra de erosão, uma prova de resistência muito condicionada pela disponibilidade dos meios para continuar a guerra. A coligação de aliados da Ucrânia representa mais de 50% da economia global, a Rússia representa 3% do total. Isto significa que a Ucrânia — apesar de ter visto a sua infraestrutura e economia serem deliberadamente visadas e destruídas — tem a vantagem de ter o apoio das economias mais ricas e mais avançadas do mundo.

Os países ocidentais são, no entanto, regidos por regimes democráticos pluralistas, em que existem verdadeiras eleições com a possibilidade de alternância no poder — temos várias, e importantes, nos próximos dois anos, em particular em 2024. O significa que os governos ocidentais são mais suscetíveis às pressões de uma opinião pública eventualmente cansada com os custos de uma guerra que se prolongue sem ganhos evidentes. As sociedades abertas e livres são também mais vulneráveis à desinformação russa.

Outra alteração fundamental seria a Rússia conseguir apoios militares significativos para além do Irão e da Coreia do Norte. Em particular, se a China decidir que não pode deixar Putin perder, e alterar a sua posição passando a apoiar a Rússia militarmente, tecnologicamente e economicamente de forma significativa e visível, isso alteraria significativamente o equilíbrio de forças.

A história mostra-nos que, por todas estas razões, é arriscado prever o desfecho de um conflito. Até porque o fim de uma guerra nunca é apenas uma decisão racional, mas também emocional. É muito difícil saber qual o verdadeiro limite dos meios e da vontade dos dois beligerantes. Os EUA fizeram muitas contas com os primeiros grandes computadores para calcular exatamente o limiar de resistência do Vietname do Norte aos ataques aéreos norte-americanos, mas todas esses cálculos saíram furados. Uma sondagem de final de novembro mostrava 95% dos ucranianos decididos a combater mesmo com contínuos bombardeamentos das suas cidades. O único centro de sondagens minimamente credível na Rússia mostra que a maioria dos russos diz apoiar o esforço de guerra, mas também que uma percentagem crescente desejaria a paz.

A história também nos mostra que uma paz formal e negociada não é a única saída possível para uma guerra. A Segunda Guerra Mundial não terminou com um tratado formal de paz mas com uma rendição incondicional que deixou muito por resolver entre Aliados cada vez mais desavindos. Um tratado de paz só surgiu, em 1975, com a Conferência de Helsínquia. A Guerra da Coreia terminou, de facto, em 1953, mas isso não levou a um acordo de paz nem a uma verdadeira pacificação da península coreana, mas sim a uma paz armada e tensa. Parece-me muito mais provável que haja um congelamento — temporário ou prolongado — do conflito do que uma paz negociada, dado o extremar de posições dos dois lados com o prolongar do conflito e o aumento do seu custo. Na melhor das hipóteses, teremos um cessar-fogo mais formalizado. Depois do que se passou, as relações da Rússia de Putin com a Europa e os EUA dificilmente voltarão a ser o que eram. Tudo isto tem implicações importantes na ordem global.

Uma guerra com forte impacto na ordem global

O que podemos concluir desde já relativamente ao impacto desta guerra em termos de grandes tendências na política global? Confirma-se que a transição de poder é um momento de alto risco e elevada probabilidade de conflito armado. Estamos a assistir ao fim da ordem estabelecida com o fim da Primeira Guerra Fria, em 1991, em que tínhamos uma única grande potência, os EUA, capaz de projetar poder a nível global em todas as dimensões relevantes — económica, militar, tecnológica e outras. Esse declínio relativo e o surgimento de novas grandes potências globais ou mesmo regionais estimula ambições de revisão, inclusive violenta, da ordem vigente. A Rússia é uma potência revisionista especialmente perigosa, porque sendo o maior país do mundo pela dimensão do seu território, controlando recursos importantes que lhe têm permitido disfarçar outras fragilidades da sua economia, foi claramente o grande perdedor do final da Guerra Fria, e parece apostada em reconquistar pela força militar uma esfera de influência que não consegue manter de outra forma. Recordo que a Organização do Tratado de Segurança Cooperativa — uma espécie de NATO de iniciativa russa, criada em 1992 — começou com nove Estados pós-soviéticos e já só tem seis.

Em segundo lugar, temos um acelerar da tendência para uma Segunda Guerra Fria. Claro que ela não será igual à anterior, pois nenhuma guerra o é. Mas temos novamente uma forte tendência para a fragmentação regional da ordem globalizada, com a formação de blocos securitários, económicos e ideológicos liderados por grandes potências nucleares com visões opostas do mundo. A valorização da dimensão militar e de segurança favorece a emergência de blocos securitários, mas também económicos e ideológicos. Depois da emergência sanitária do Covid-19, a invasão russa deixou claro que em muitos setores críticos — como a energia ou a tecnologia — é demasiado arriscado ficar excessivamente dependente apenas de um fornecedor, e pensar apenas no lucro. Isto não significa uma total desglobalização, que seria demasiado custosa, mas é já detetável um esforço de redução da excessiva dependência externa em setores críticos. Também é claro que nesta Segunda Guerra Fria a China e a Rússia trocarão os papéis que desempenharam na Primeira Guerra Fria (1945-1991). Desta feita, será Pequim a ter um papel dominante. Como resultado desta guerra, Moscovo ficou mais dependente da China em termos económicos e tecnológicos, como a única alternativa realista aos mercados e investidores do Ocidente.

Neste tipo de ordem internacional, apesar de grandes tensões, e muitos conflitos indiretos, a existência de vastos arsenais nucleares deve impedir a escalada para grandes guerras entre grandes potências. Isso implica disciplina estratégica das grandes potências e canais de comunicação para evitar o risco de escalada acidental ou descontrolada. Resta ainda perceber se esta Segunda Guerra Fria irá resultar numa ordem bipolar dominada pelos EUA e a China, em que haverá tentativas fracas e relativamente ineficazes de outros Estados para se manterem não-alinhados. Ou se iremos ter uma ordem multipolar — com várias grandes potências globais e regionais —, mesmo que algo assimétrica, com os EUA e a China a terem mais peso do que as demais potências.

Em terceiro lugar, como resultado da invasão russa da Ucrânia estamos a viver uma guerra de agressão e conquista imperial, uma guerra de resistência nacional e, sim, também uma guerra indireta ou por procuração (proxy). Isso não é nenhum segredo e também não é ilegítimo, ilegal, ou imprevisto. Nada na Carta das Nações Unidas impede um país soberano de procurar o armamento de que precisa para exercer o seu direito a defender-se. Nada impede, bem pelo contrário, um Estado soberano de ajudar outro na sua legítima defesa contra uma agressão externa. Mais, os EUA e outros países ocidentais avisaram a Rússia de que se invadisse a Ucrânia sofreria sanções sem precedentes e que iriam dar ao país invadido as armas para se defender. Este tipo de apoio aconteceu centenas de vezes durante a Guerra Fria de 1945-1991.

A existência de guerras indiretas é, aliás, uma das razões que explica outra tendência global que esta invasão confirma: frequentemente, desde 1945, as grandes potências não conseguiram vencer guerras assimétricas em que pareciam ter vitória garantida. Uma guerra indireta (ou por procuração) não significa, porém, que os combatentes locais sejam meras marionetas irrelevantes. Também não significa que seja legítimo, ou legal, ou expectável que daí resulte um alargamento ou uma escalada do conflito. Em termos de evolução dos conflitos armados, esta guerra confirma que numa Guerra Fria são expectáveis mais conflitos indiretos precisamente porque são uma forma de evitar uma grande guerra entre potências nucleares.

O que invasão russa também confirma é que a agressão armada — e, sobretudo, uma guerra de conquista que procura alterar pela força fronteiras internacionais — tende a gerar grandes coligações contra o país agressor. Na Segunda Guerra Mundial foi assim contra a Alemanha nazi. Na Guerra Fria foi assim contra a União Soviética. Hoje é assim contra a Rússia de Putin, que violou o memorando de Budapeste que garantia as fronteiras da Ucrânia independente em troca das suas armas nucleares. É assim contra Putin, que depois de ocupar a Crimeia, em 2014, garantiu publicamente que não queria mais territórios ucranianos.

O conflito também mostrou a enorme vantagem de alianças formalizadas e fortemente institucionalizadas como a NATO para dissuadir potências agressivas. A Ucrânia não é mais vulnerável em termos geopolíticos do que os Países Bálticos, bem pelo contrário. Os Bálticos são países bem mais pequenos e menos populosos, e muito menos defensáveis que a Ucrânia. A conclusão de que não se pode confiar em nenhum compromisso com a Rússia revisionista de Putin, e que a melhor garantia de segurança é a pertença à NATO, tem levado a sucessivos alargamentos da Aliança Atlântica a leste, inclusive com o recente pedido de adesão da Finlândia e da Suécia, depois de décadas ou séculos de neutralidade. É um irritante para Putin, mas só tem de culpar a si próprio.

Por fim, esta guerra confirmou a importância fundamental do diferencial de qualidade tecnológico, mas também ao nível organizacional e doutrinal, das forças militares ocidentais. Preservar esse diferencial, que tem caracterizado a forma ocidental de fazer a guerra durante séculos, será fundamental. Será também um grande desafio num período de inovação muito acelerada.

Em suma, a invasão da Ucrânia pela Rússia de Putin é uma guerra em curso. E, como todos os conflitos, é o reino da incerteza, não sendo possível garantir qual será o seu desfecho ou impacto definitivo. Mas podemos afirmar com segurança que o 24 fevereiro de 2022 será um marco em futuros livros de História da Europa e do Mundo pelo impacto que já teve na ordem regional e global. Podemos também ter a certeza de que estamos a viver num Mundo mais imprevisível e perigoso. Procurar uma paz a qualquer preço neste momento pode ser um desejo bem intencionado, mas ignora o risco de que daí possam resultar mais guerras de agressão no futuro.

Text e imagem reproduzidos do blog otambosi.blogspot.com