Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Publicado originalmente no site da revista ISTOÉ, em 08/fevereiro/2019
Os vendilhões do Congresso
Por Carlos José Marques
A cena rocambolesca não vai sair tão cedo do imaginário do
brasileiro – e é bom que ela apareça repisada à exaustão para, quem sabe, um
dia ser totalmente varrida da realidade do Congresso, por absoluta repulsa
geral. Renan Calheiros, o alterego do fisiologismo escrachado, um cacique
parlamentar de práticas deletérias, que já lhe renderam ao menos 14 ações por
improbidade, cinco pedidos de cassação sucessivos, denúncias a dar com o pau,
exibiu-se aos berros no Senado tentando fazer valer a sua intolerável artimanha
de conluio com os cupinchas de sempre, antigos controladores da Casa. No afã de
levar a peleja na marra, bradou impropérios, postergou votação, ameaçou, fez o
diabo. Estava ali montado um show de horrores, um espetáculo digno apenas de
colegiais secundaristas que se esgoelam até em bafo de figurinhas. De senadora
surrupiando pasta da plenária a uma patota que articulava o esquema para melar
a eleição, passando por distribuição a rodo de 300 cargos, suborno mesmo, na
calada da noite, e apelação ao STF – que, nas mãos do presidente Toffoli,
prontamente soltou uma liminar pretensamente redentora das intenções do coronel
alagoano -, viu-se de tudo naquela mixórdia. Até mesmo trapaça. Criminosa
trapaça, diga-se de passagem, que precisa ser exemplarmente apurada, punindo os
responsáveis. Exatos 81 senadores produziram a mágica de encaminhar 82 votos à
urna da bancada diretora. Um gaiato(a) aproveitou o pardieiro para fazer mais
molecagem. E a sessão sem fim, que entrou sábado adentro, ganhou contornos de
odisseia. Onde já se viu? Não se aprendeu nada com a indignação, repetidamente
manifestada, até nas urnas, pelos brasileiros? Arruaceiros do legislativo –
sim, eles ainda existem, e em bom número – quiseram espinafrar ainda mais a
desfigurada imagem congressual. Sob que pretexto? O do controle do sistema para
angariar vantagens, ora bolas! Foi sempre assim. Natural para quem passou
décadas se lixando para a opinião pública, sem maiores consequências. A cambada
de oportunistas, que vive do compadrio, do patrimonialismo e que só entende a
representatividade popular como instrumento para proveito próprio, em completo
desalinho com o interesse nacional, tenta se virar corriqueiramente na base do
suborno, dos achaques, da corrupção sistemática. É da natureza dessa casta. O
que se provou ali por esses dias é que os vendilhões do templo continuam na
ativa. Vagueiam com o fervor das velhas práticas, não apenas nos bastidores.
Exibem-se. Não temem a exposição, vexatória obviamente, das gambiarras que
orquestram para tomarem o poder a qualquer custo. Querem se aboletar na cadeira
de controle e fazer dela um refúgio inexpugnável, de onde emitem as ordens e
traçam, à própria maneira, fora dos cânones republicanos, o destino do País.
Renan pensou que a sua pretensa eleição ao comando seria um passeio. Amargou
acachapante derrota, nessa que foi a sua quinta candidatura, e arregou da
disputa com ares de quem urdia vingança. É bom que alguém avise a ele: Renan,
seu tempo tirânico acabou! Hora de perceber, aceitar e recolher as armas. Quem
ainda não captou a mudança de ares nos humores da população está fatalmente
fadado ao ocaso absoluto e eis um exemplo. A ascensão do neófito Davi
Alcolumbre, outro dignitário do chamado baixo clero, não é a certeza de novas e
louváveis atuações. Alcolumbre foi ungido na base da opção restante, no lombo
de um esquadrão de estreantes que deram um sonoro não à altivez ameaçadora do
coronel nordestino. Diversos postulantes azarões, como ele, já tiveram a mesma
oportunidade, ocuparam cargos de destaque no universo legislativo com o apoio
da maioria e sucumbiram às tentações mesquinhas de manobras condenáveis. Que
esse Davi da nova era aprenda com os erros dos antecessores e entenda a razão e
a dimensão da coroa que herdou. Quanto a Renan, abatido, deverá se transformar
em um espectro dele mesmo. Queira ou não. Típico de vendilhões.
Texto e imagem reproduzidos do site: istoe.com.br