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sábado, 9 de fevereiro de 2019

Os vendilhões do Congresso, por Carlos José Marques

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Publicado originalmente no site da revista ISTOÉ, em 08/fevereiro/2019

Os vendilhões do Congresso
Por Carlos José Marques

A cena rocambolesca não vai sair tão cedo do imaginário do brasileiro – e é bom que ela apareça repisada à exaustão para, quem sabe, um dia ser totalmente varrida da realidade do Congresso, por absoluta repulsa geral. Renan Calheiros, o alterego do fisiologismo escrachado, um cacique parlamentar de práticas deletérias, que já lhe renderam ao menos 14 ações por improbidade, cinco pedidos de cassação sucessivos, denúncias a dar com o pau, exibiu-se aos berros no Senado tentando fazer valer a sua intolerável artimanha de conluio com os cupinchas de sempre, antigos controladores da Casa. No afã de levar a peleja na marra, bradou impropérios, postergou votação, ameaçou, fez o diabo. Estava ali montado um show de horrores, um espetáculo digno apenas de colegiais secundaristas que se esgoelam até em bafo de figurinhas. De senadora surrupiando pasta da plenária a uma patota que articulava o esquema para melar a eleição, passando por distribuição a rodo de 300 cargos, suborno mesmo, na calada da noite, e apelação ao STF – que, nas mãos do presidente Toffoli, prontamente soltou uma liminar pretensamente redentora das intenções do coronel alagoano -, viu-se de tudo naquela mixórdia. Até mesmo trapaça. Criminosa trapaça, diga-se de passagem, que precisa ser exemplarmente apurada, punindo os responsáveis. Exatos 81 senadores produziram a mágica de encaminhar 82 votos à urna da bancada diretora. Um gaiato(a) aproveitou o pardieiro para fazer mais molecagem. E a sessão sem fim, que entrou sábado adentro, ganhou contornos de odisseia. Onde já se viu? Não se aprendeu nada com a indignação, repetidamente manifestada, até nas urnas, pelos brasileiros? Arruaceiros do legislativo – sim, eles ainda existem, e em bom número – quiseram espinafrar ainda mais a desfigurada imagem congressual. Sob que pretexto? O do controle do sistema para angariar vantagens, ora bolas! Foi sempre assim. Natural para quem passou décadas se lixando para a opinião pública, sem maiores consequências. A cambada de oportunistas, que vive do compadrio, do patrimonialismo e que só entende a representatividade popular como instrumento para proveito próprio, em completo desalinho com o interesse nacional, tenta se virar corriqueiramente na base do suborno, dos achaques, da corrupção sistemática. É da natureza dessa casta. O que se provou ali por esses dias é que os vendilhões do templo continuam na ativa. Vagueiam com o fervor das velhas práticas, não apenas nos bastidores. Exibem-se. Não temem a exposição, vexatória obviamente, das gambiarras que orquestram para tomarem o poder a qualquer custo. Querem se aboletar na cadeira de controle e fazer dela um refúgio inexpugnável, de onde emitem as ordens e traçam, à própria maneira, fora dos cânones republicanos, o destino do País. Renan pensou que a sua pretensa eleição ao comando seria um passeio. Amargou acachapante derrota, nessa que foi a sua quinta candidatura, e arregou da disputa com ares de quem urdia vingança. É bom que alguém avise a ele: Renan, seu tempo tirânico acabou! Hora de perceber, aceitar e recolher as armas. Quem ainda não captou a mudança de ares nos humores da população está fatalmente fadado ao ocaso absoluto e eis um exemplo. A ascensão do neófito Davi Alcolumbre, outro dignitário do chamado baixo clero, não é a certeza de novas e louváveis atuações. Alcolumbre foi ungido na base da opção restante, no lombo de um esquadrão de estreantes que deram um sonoro não à altivez ameaçadora do coronel nordestino. Diversos postulantes azarões, como ele, já tiveram a mesma oportunidade, ocuparam cargos de destaque no universo legislativo com o apoio da maioria e sucumbiram às tentações mesquinhas de manobras condenáveis. Que esse Davi da nova era aprenda com os erros dos antecessores e entenda a razão e a dimensão da coroa que herdou. Quanto a Renan, abatido, deverá se transformar em um espectro dele mesmo. Queira ou não. Típico de vendilhões.

Texto e imagem reproduzidos do site: istoe.com.br

domingo, 26 de novembro de 2017

Os políticos estão nus, sem pudores


Publicado originalmente no site da revista ISTOÉ, em 24/11/17.

Os políticos estão nus, sem pudores.
Por Carlos José Marques.

Aputrefação da política brasileira parece ter atingido seu ápice, seu registro lapidar, na situação enfrentada hoje pelo Rio de Janeiro. Ali vive-se a falência absoluta da representatividade. Não bastassem os seguidos problemas de violência, caos social e pane dos serviços públicos a região tem que amargar mais essa triste e desmoralizante realidade. A folha corrida dos eleitos pelo povo é de estarrecer. Quase nenhuma autoridade, em mandato ou não, escapa. Do Legislativo ou do Executivo. Na semana passada, três ex-governadores e quatro ex-presidentes da assembleia legislativa local encontravam-se trancafiados atrás das grades. Além deles, dezenas de secretários, parlamentares e afins tinham o mesmo destino, por malversações de toda ordem. Um quadro pavoroso. Lamentável. Verdadeira aberração moral para uma sociedade que há quase duas décadas (desde 1998), pelo menos, é comandada ali por quadrilheiros e saqueadores sistemáticos de recursos do Estado. Como pontuaram, estarrecidos, vários cidadãos fluminenses, TODOS os governadores do Rio eleitos desde 98 e TODOS os presidentes da assembleia escolhidos desde 95 foram parar na cadeia. Nem dá para acreditar. Alguma coisa está muito errada nesse reino do fisiologismo e do voto de cabresto controlado por poderosos habituais. É espantoso o grau de periculosidade de suas excelências. No passado não muito longínquo, nos idos de 1949, o deputado Edmundo Barreto Pinto se tornou o primeiro político cassado por falta de decoro. Ele não havia feito nenhum assalto aos cofres públicos. Longe disso. O delito: ter posado de cuecas para uma foto. Bons tempos aqueles em que o máximo de transgressão parlamentar observada era essa, digamos, falta de compostura. Hoje a maioria dos votantes se pergunta se vale voltar às urnas para eleger um candidato que ao menos pareça honesto. Naturalmente, não há salvação fora da política. A questão é que tipo de política vem sendo praticada, como mudá-la e com quem mudá-la. Ou, ao menos, como rever as regras. Não é normal e denota um estágio de avançada gangrena moral a bagunça que se instaurou na plenária da Alerj há alguns dias. Ali os caciques imperam, atuam em corriola, se protegem e fecham os olhos a qualquer desvio dos colegas, aliados ou não, numa prática multipartidária, e sem hegemonia ideológica à esquerda ou à direita, para locupletar a patota. Não importa o crime, muito menos o tamanho do prejuízo provocado à população. As raposas controlam o galinheiro, enquanto cidadãos fazem das ruas palco de quebra-quebra em protesto exigindo faxina. Luta inglória! Tome-se o exemplo concreto dos três deputados – Jorge Picciani, atual presidente da Alerj, Paulo Melo, o antecessor, e Edson Albertassi, também da cúpula – que em poucos dias tiveram a prisão decretada, foram soltos e depois novamente recolhidos ao xilindró, num dos espetáculos mais bizarros de disputa entre poderes de que se tem notícia. O Tribunal Regional da 2º Região, em decisão unânime, mandou o trio às grades sob a acusação de recebimento de milionárias propinas. Como previsível, a prisão foi revogada pela Alerj, porque ali a tropa de choque de Picianni & Cia. manda e desmanda. Os danos causados pela interpretação propositalmente parcial sobre a imunidade parlamentar ficaram logo evidentes. A Alerj entendeu que ninguém mete a mão em quem é da casa e trouxe o grupo de volta. Estava assim sacramentada entre os áulicos da instituição a defesa de uma espécie de licença para delinquir, a ser distribuída entre os seus e agregados. O STF entrou no meio para acabar com a fuzarca. O ministro Fux definiu a decisão como lamentável. Seu colega na Alta Corte, Marco Aurélio Mello, se disse abismado. O Supremo restaurou a ordem de trancafiar o bando. Na prática, o Rio, apesar do desfecho pela justiça, segue como uma terra sem lei, também no plano político. Enquanto isso, Picciani e seus comparsas experimentam a hospedagem no presídio de tratamento especial, cujas celas mostram conforto acima da média e abrigam ainda outros detentos ilustres como Cabral, Garotinho e a mulher, Rosinha. Encarcerar o bando não é, decerto, garantia de solução definitiva. Até as pedras que margeiam o Rio sabem. Na contabilidade geral, não apenas na esfera fluminense como em todo o Brasil, existem perto de 55 mil autoridades – o número é esse mesmo! – com o chamado foro privilegiado, o que dá a essas figuras o direito à proteção incondicional em inúmeras circunstâncias. No STF a discussão sobre algumas restrições ao foro privilegiado finalmente entrou na pauta. A tendência é que prevaleça nos tribunais a tese de que esse direito ficará reservado para casos de desvios de conduta referentes exclusivamente ao cargo. Já seria um começo.

Texto e imagem reproduzidos do site: istoe.com.br