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Diga não à violência!


Por Dra. Juliana Gabriel

Outro dia, estava numa reunião de amigos, cheia de crianças brincando. Até que uma delas se assustou quando viu uma minhoca atravessando o chão, ao passo que o pai imediatamente brada: "Mata, filha! Mata!".

Como assim, "mata!"?

Essa cena, tão comum, que já vi tantas vezes, dessa vez me fez pensar: será que não está aí a raiz dessa nossa falta de valorização da vida como um todo? Afinal, é tão normal "matar" o que nos incomoda, não?

Fui pesquisar sobre cultura da violência e descobri que ela é histórica. Ela passa pela violência contra a criança, a mulher, estrangeiros, pessoas de religiões diferentes. Um exemplo disso é a guerra. Afinal, o que tem dizimar um povo? Eles são "culpados" pela nossa crise econômica!

Felizmente, acordamos... será?

Hoje, amamos nossos animais de estimação, mas achamos normal confinar e matar aves, bovinos e suínos. Afinal, "nós precisamos comer", certo? Hoje, é normal ir na rede social de alguém e destilar um discurso de ódio. Hoje, é normal reagir xingando, humilhando quem pensa diferente de mim. Afinal, quem é ele para ir contra o que digo?

Nosso despertar ainda é lento...

Quando entendermos que a cultura da violência que oprime mulheres, negros, homossexuais, adeptos de religiões não cristãs é a mesma que acha normal matar um animal, como se essa vida valesse menos, talvez estejamos prontos para dar um passo adiante em nossa evolução...

Quando consideramos o veganismo e abraçamos esse gesto de não violência, isso ressoa em todas as outras áreas e passa a ser muito incômodo ser violento nas palavras, ações, relações com outros humanos, com o planeta, com o ambiente... Nossa atitude passa a ser uma atitude de não violência em todos os sentidos, pois somos seres congruentes e alinhados. A forma como fazemos qualquer coisa é a forma como fazemos tudo!

Diga não à violência: considere o veganismo! Junte-se a nós por um mundo mais ético e amoroso!



Leia também: Faça a conexão 

Xô, racismo e especismo!



Por Paulo Furstenau*


Sim, não importa a raça ou a mistura de raças, todos os cães, gatos e todos os animais de todas as espécies merecem nosso amor, respeito e cuidado. 

No caso de cães e gatos, alertamos sempre contra a compra de animais, por vários motivos:

1. Amor e amizade não se compra. Você compra seus amigos humanos em uma loja ou pela internet?

2. Já existem inúmeros cães e gatos vivendo nas ruas, sofrendo com fome, sede, frio, calor, violências e acidentes. Por que não adotar um (ou mais de um) e dar a esses animais uma vida nova, com amor e proteção?

3. A criação de cães e gatos de raça é uma indústria de filhotes que visa unicamente ao lucro e explora os animais. Leia aqui o relato de uma cadela usada por esses comerciantes de vidas e, depois, leia aqui a conclusão de sua história. Ambos os textos são um fiel retrato do que acontece na venda de cães e gatos de raça em todo o mundo. 

Sobre os outros animais não domésticos, lembramos sempre que eles não são comida, roupa (couro, pele, lã, seda), entretenimento, escravos nem cobaias de laboratórios - clique nos links para ler diversos textos sobre cada assunto.

Ame TODOS do mesmo jeito! Respeite TODOS do mesmo jeito!


*Paulo Furstenau é jornalista voluntário da Associação Natureza em Forma 

Desenho: Armandinho 

Coleção de livros infantis quer mostrar às crianças quem são realmente os animais



Por Paulo Furstenau*


Uma vaca, um porco, uma galinha, um peixe, um peru e um coelho. Animais que quase todos os seres humanos consideram simplesmente comida. Bom, o coelho apenas alguns, os adeptos de uma culinária mais "exótica", afinal, é um bichinho fofinho. Mas que todos os anos sofre o inferno da Páscoa, quando seres humanos presenteiam crianças com coelhos, mas logo elas se cansam de brincar com eles ou os pais constatam que aqueles brinquedos são na realidade seres vivos que precisam ser alimentados, cuidados e, que horror, fazem xixi e cocô, e os abandonam à própria sorte. (A propósito, irônica e morbidamente o pé de coelho é considerado um amuleto de sorte por alguns seres humanos, que o usam até como chaveiro...) 

Essa é a sina dos animais não humanos (sim, porque a verdade é que os humanos também são animais, mas a maioria se esquece – ou prefere se esquecer – disso) neste planeta: quando não são considerados alimento pelo homo sapiens, são brinquedos, produtos, roupa, entretenimento, mão de obra escrava, cobaia de laboratório, entre tantas outras “funções” cruéis que o bicho-homem lhes delega. Animais que sentem dor, medo, alegria e amor tanto quanto nós, pois são igualmente dotados de senciência, que, resumidamente, é a capacidade de sentir (saiba mais aqui).

Eles sentem, eles são indivíduos, cada um tem personalidade própria. Isso é fato comprovado e atestado por renomados cientistas de diversas partes do mundo (inclusive o gênio Stephen Hawking, falecido recentemente). E agora, nas páginas de uma coleção de livros infantis, eles também têm nomes e suas histórias contadas: Jill é uma vaca que escapa de um caminhão; Ismael é um porco que vive em um sítio; Márcia é uma galinha perdida no Parque Ibirapuera; Gary é um peixe de rio; George é um peru que vive em um cercado aberto para visitação pública; Vera é uma coelha encontrada no jardim de uma escola. E cada uma dessas histórias tem um ponto em comum: a amizade surgida entre esses animais não humanos e animais humanos. 

PAZ – Pessoas e Animais, AmiZades Legais é um projeto de literatura infantil idealizado pela atriz, diretora e professora de teatro Marcya Harco, com textos do escritor, ator, diretor teatral e filósofo Paulo Roberto Drummond e ilustrações da artista plástica e ilustradora Daniela Benite. Segundo o site do projeto, a ideia é fazer o leitor-mirim despertar para “uma percepção sensível em relação a si mesmo e ao outro, na direção de um mundo mais pacífico e compartilhado”. É conscientizar sobre quem são realmente os animais: amigos, e não comida, brinquedos, produtos, roupa, escravos, cobaias etc. etc. 

Por meio dessas histórias de amizade interespécies, os livros mostram que não apenas cães e gatos merecem nosso respeito, amor e cuidados, mas todas as espécies que habitam este planeta com a gente. Nós, animais humanos, estamos aqui para crescer e aprender com eles, animais não humanos, e evoluirmos juntos. E, como seres dotados de uma inteligência racional, deveríamos ajudar esses outros seres, mais vulneráveis que nós, no que precisassem nessa caminhada conjunta, e nunca explorá-los e machucá-los como vem sendo feito. Eis a mensagem transmitida por essa coleção literária. 

Marcya, Paulo e Daniela, os envolvidos no projeto PAZ, são todos veganos, e essa é a primeira coleção brasileira de contos veganos para crianças. Marcya e Paulo também estão por trás da Cia. Lúdica - companhia teatral que completa 25 anos em 2018 e não usa nada de origem animal em suas produções nem aceita patrocínio de empresas envolvidas com exploração animal - e do Vegan Vj Theatre, projeto que cria performances não somente teatrais, mas também audiovisuais, tendo como temática a libertação animal (veja aqui o que eles fizeram sobre o Nada, o navio da morte). Segundo a dupla, é o artivismo (arte + ativismo) a favor da causa animal. E que agora chega até as crianças por meio do Pessoas e Animais, AmiZades Legais. 

Os livros estão à venda na loja virtual do PAZ (acesse aqui). Na compra da coleção completa (seis contos), há desconto de 20% no valor total. E esse é um projeto que está nascendo e seguirá crescendo, conforme adiantam seus criadores: “Pretendemos lançar novos livros, além de apoiar e desenvolver ações focadas em relações positivas entre pessoas e animais, tendo como base a literatura e a educação”. 



Mais artivismo para as novas gerações 

Outros ativistas pelos direitos dos animais que usam o artivismo para dar voz àqueles que não têm como protestar são o casal Nana Indigo (bailarina, cantora e compositora) e Bruno Monteiro (compositor e escritor). Por meio da Cia. Dente de Leão, eles também abordam a causa animal para o público infantojuvenil, além de terem gravado o primeiro CD vegano brasileiro, Animal Sente. E Nana é mãe do MiniVegano, artivista de 14 anos que criou com ela as ilustrações para o CD e tem uma página no Facebook e um canal no YouTube, onde fala para crianças, adolescentes e adultos. 


*Paulo Furstenau é jornalista voluntário da Associação Natureza em Forma

Especismo, veganismo e futuro



George Guimarães, nutricionista, ativista pelos direitos dos animais e presidente da ONG VEDDAS, fala sobre o especismo como a raiz que nos permite ter a exploração animal como base civilizatória.

Fonte: TEDx Talks 


NOTAS DA NATUREZA EM FORMA:

1. Sobre o especismo, leia: A forma do especismo 

2. Sobre pessoas que despertam sua consciência em relação aos animais ainda na infância, veja também: 



E conheça outras histórias e leia matérias sobre o assunto no marcador 'veganismo na infância'.

Por que ainda maltratamos os animais?


A ciência cansou de provar que animais são inteligentes, sentem dor e têm vidas sociais complexas. Algum dia vamos nos envergonhar do que fazemos com eles?


Conheci a Sandra em 2013, numa prisão de Buenos Aires.

Ela tinha aspecto largado e a expressão triste de quem havia sido separada do filho ainda pequeno. Nascida na Alemanha, ela já havia passado 20 anos atrás das grades na Argentina e ignorava todas as visitas que recebia, inclusive a minha. Não quis me olhar nos olhos. Era como se eu – ou ela – não estivesse ali.

No ano seguinte, advogados de Sandra entraram com pedido de habeas corpus, alegando que seu encarceramento era cruel e injustificado. Por um motivo simples: ela não havia cometido crime algum. Estava presa só por ser um animal. Sandra é um orangotango, e a prisão é o zoológico de Buenos Aires.

A Justiça argentina acatou o pedido feito pela Afada, uma ONG de direitos dos animais. Assim, Sandra se tornou o primeiro animal no mundo a ser reconhecido como “pessoa não humana” – e, portanto, “sujeito de direitos” que devem ser respeitados, inclusive o direito de não ser explorada para divertimento humano. Sandra ainda aguarda definição sobre seu destino, mas seu caso serviu de precedente para a libertação de outros grandes primatas.

Com essa decisão, os tribunais admitiram pela primeira vez o que a ciência já sabe faz um tempo: os animais não são assim tão diferentes de nós. Já foi provado que centenas de espécies têm inteligência, emoções e relações sociais complexas. Assim como nós, vacas fazem amizade. Chimpanzés sentem inveja e vergonha. Galinhas têm noção de futuro. Polvos usam ferramentas e constroem abrigos.

Mas, acima de tudo, como vi nos olhos de Sandra, animais têm a capacidade de sofrer. Até os menos desenvolvidos, como lagostas e peixes, que não fazem cara feia quando sentem dor. Se você injetar veneno de abelha nos lábios de uma truta, ela vai parar de comer e esfregar a boca contra a parede do tanque. Se você furar caranguejos com um anzol, eles vão passar as garras no lugar da lesão. E, se você passar ácido acético (um irritante) nas antenas de um camarão, ele vai massageá-las com as patas da frente, mas não se você aplicar anestesia antes. “Isso não é mero reflexo”, diz o biólogo Robert Elwood, da Queen’s University, na Irlanda do Norte. “É um comportamento prolongado e totalmente consistente com a ideia de dor.”

Ainda que não sejamos idênticos, mais de 2.500 estudos científicos já mostraram que os animais são seres tão complexos quanto nós. Mas fingimos que não sabemos disso e seguimos tratando-os como se fossem inanimados. Como conseguimos conciliar esses dois fatos? Por que torturamos outros bichos como Sandra, mesmo sabendo que eles sofrem?



“São da família”

Toda a nossa relação com os bichos é esquisita e irracional. Dividimos o reino animal em castas, que merecem mais ou menos direitos, de acordo com sua "utilidade". Há espécies, como as que nos servem de alimento, que são especialmente maltratadas. Multiplicamos de propósito bois, porcos e galinhas (só de galinhas, há 20 bilhões no planeta), apenas para confiná-los, criá-los em condições degradantes e depois matá-los. Frangos têm os bicos serrados para não praticar canibalismo dentro das gaiolas. Filhotes de boi são arrancados de suas mães e mantidos anêmicos para ficar com a carne macia. Milhares de peixes morrem todos os dias em redes que eram destinadas a matar outras espécies – e tudo bem. 

Além dos bichos que vão parar no nosso prato, há os que sacrificamos em nome do progresso. Cobaias de laboratório, por exemplo, nascem para ser torturadas até a morte. Fabricantes de cosméticos ainda gotejam xampu em coelhos imobilizados, que não podem piscar enquanto o produto corrói seus olhos. Já macacos bebês são trancados em jaulas e expostos a serpentes, choques e ruídos para desenvolver ansiedade e depressão e ter seus cérebros dissecados depois. Apenas nos EUA, 25 milhões de bichos são usados em experimentos, o equivalente a uma Austrália de animais humanos.

Aprisionamos, isolamos do mundo, arrancamos das mães e decidimos quando vão morrer até mesmo os animais que amamos, como gatos e cachorros. Difícil mesmo é tentar justificar o que fazemos com os animais de que gostamos. Quem tem cachorro e gato, por exemplo, jura que ama seus bichinhos mais do que tudo. No Brasil, 61% dos tutores de animais consideram seus animais um membro da família. Nos EUA, 36% compram presentes de aniversário para seus bichos. Mas ninguém em sã consciência trataria um parente homo sapiens como trata um canis familiaris ou um felis catus. Animais são cruzados entre si para gerar raças deformadas e com graves problemas genéticos apenas porque as consideramos “fofas”. Todos são arrancados de suas mães e confinados dentro de espaços limitados até o dia de sua morte. Escolhemos quando, quanto e o que vão comer. E temos a palavra final até sobre quando serão sacrificados. Isso sem falar de outros animais de estimação, como canários, peixinhos dourados ou hamsters, que passam a vida em celas solitárias que chamamos de gaiolas e aquários. Há correntes de filósofos e ativistas de direitos animais que apontam essas contradições para dizer que, não, adotar um bicho não é necessariamente bom para eles*.

Em comum, todos os animais – os que amamos, os que odiamos, os que comemos – sofrem da mesma condição: são considerados posse dos seres humanos. E, como nossa posse, podem ser dispostos da maneira como quisermos. Essa noção, claro, é uma convenção: uma ideia que se espalhou há séculos, e que serve como manual de como tratar seres de duas, quatro, seis, oito ou nenhuma pata. É o que cientistas chamam de especismo – a noção de que o homo sapiens é uma espécie superior, sagrada e incomparável, e que os diferentes de nós não merecem os mesmos direitos. Essa lógica não é parecida com outros discursos de superioridades que você já ouviu por aí?

E o pior: nem sempre foi assim.


Quem é que decide isso

Uma das legislações mais avançadas do mundo em relação aos direitos animais foi aprovada em 1936. Ela continha cláusulas que proibiam a alimentação forçada para gansos na produção de foie gras (coisa que é corriqueira até hoje) e obrigava estabelecimentos a anestesiar peixes antes de matá-los (coisa que ninguém nunca fez na vida). Ela até penalizava restaurantes que cozinhassem suas lagostas vivas, o que é obviamente uma crueldade, mas que ainda é padrão.

Cães não podiam ter seus rabos e orelhas cortados e os experimentos científicos em animais eram reprimidos. Ironicamente, quem aprovou essa legislação foi o regime nazista alemão e ninguém menos do que Adolf Hitler a sancionou – um psicopata que não via problema nenhum em exterminar outros seres humanos. O negócio era tão estranho que, em 1942, nazistas proibiram judeus de possuir bichos de estimação. Dizer que o regime desumano de Hitler tratava bem os animais não é um argumento contra a proteção dos bichos – só mostra que direitos são questão de convenção. E convenções mudam o tempo todo.

Na Roma Antiga, por exemplo, animais e humanos eram considerados categorias bem diferentes de seres vivos – tirando criminosos e inimigos derrotados, é claro, que entravam no primeiro grupo. Não à toa, bandidos, rebeldes, soldados capturados e leões lutavam contra si até a morte, para a diversão de milhares de outras pessoas. Foi o cristianismo que tirou os gladiadores do centro dos coliseus do Império, apenas no século 4, dizendo que, sim, eles tinham alma, assim como todo o resto dos sapiens.

Os argumentos estavam lá, escritos na Bíblia, inclusive: “Deus fez o homem à sua própria imagem”. Isso incluía todos os homens. Estranhamente, a Bíblia não impediu que pessoas fossem desumanizadas em outros períodos históricos. Ela não proibiu, por exemplo, que africanos fossem escravizados e tratados como posse até outro dia aqui nas Américas. Não impediu também que, na Idade Média, mulheres fossem consideradas propriedade de seus maridos, que tinham o direito até de matá-las caso não obedecessem a seus donos. Convenções, de novo, que determinavam que certos grupos de pessoas eram menos gente do que outros. A história do mundo é cheia de episódios de ódio e violência contra pessoas consideradas inferiores. Até que um dia as ideias mudam.

Pode soar absurdo, mas há uma sequência parecida na evolução do pensamento em relação a direitos de mulheres, negros e animais. Sexistas, racistas e especistas usam estratégias semelhantes para justificar seu domínio e superioridade sobre os demais. “Os racistas violam o princípio da igualdade ao darem mais peso aos interesses dos membros da mesma raça. Os sexistas, aos membros do mesmo sexo. E os especistas, aos da mesma espécie. O padrão é idêntico em todos os casos”, diz o filósofo australiano e pai do movimento de libertação dos animais, Peter Singer. Ele defende que, assim como é inaceitável hoje em dia discriminar qualquer ser humano alegando que ele seja inferior, vai chegar o dia em que não poderemos mais fazer o mesmo com os bichos.

Quem discrimina tenta sempre dar uma aura científica aos seus argumentos. Racistas usavam a extinta frenologia (o estudo dos crânios humanos) para mostrar que havia diferenças biológicas entre brancos e negros. Nazistas saíram medindo os narizes e os portes físicos de judeus, eslavos e ciganos para tentar provar a inferioridade deles e justificar as atrocidades que fariam. E até Charles Darwin, o pai da evolução, tentou usar uma teoria para explicar por que os homens seriam superiores às mulheres. Em 1871, escreveu que eram mais capazes porque apenas eles tinham usado ferramentas ao longo da evolução (hoje sabemos que isso é mentira). Quando confrontado por uma ativista feminista, Darwin insistiu: “Embora as mulheres em geral sejam superiores aos homens nas qualidades morais, são inferiores nas intelectuais”. Ou seja, até Darwin – o cara que enterrou de vez a noção de que somos uma espécie mágica, mirabolante, purpurinada e provou que o homo sapiens é só mais um tipo de bicho – achava que tinha gente mais gente do que outras.

Com os bichos, é a mesma coisa. Diversos são os argumentos usados para provar que eles são inferiores a nós: “animais não são inteligentes”, “animais não são autoconscientes”, “animais não têm cultura” - como vimos, apenas a última afirmação é verdade, as demais já foram desmentidas pela ciência.

Mas, se você parar para pensar, nem todos os humanos preenchem todos esses requisitos. “O princípio ético da igualdade não se baseia em capacidades cognitivas, memória ou inteligência. Até porque esses atributos variam de pessoa para pessoa”, diz Peter Singer. “Bebês e pessoas senis não têm a mesma capacidade intelectual que um jovem adulto, por exemplo. Nem por isso devem ser tratados pior. Do mesmo jeito, há enormes diferenças entre animais humanos e não humanos, mas é errado causar sofrimento a outro ser, mesmo que não seja da nossa espécie.”

Ou seja, ao que tudo indica, estamos seriamente correndo o risco de passar vergonha diante das gerações futuras. “Lembra aquela época atrasada em que era aceitável escravizar e torturar outros seres vivos?”, dirão nossos tataranetos. Mas tem algo que possamos fazer agora?

É bom para o moral

Estamos bem longe de estabelecer a igualdade interespécies. Não dá para imaginar o que aconteceria se soltássemos de uma vez o bilhão de vacas e o 1,2 bilhão de ovelhas que criamos atualmente. Mudar o pensamento de um planeta inteiro é um negócio lento e custoso. O primeiro projeto de lei em defesa animal, escrito na Inglaterra no século 19, que proibia brigas entre cães e touros, foi derrotado no Parlamento e virou piada nos jornais. Outro, em defesa dos burros, gerou gargalhadas – mesma reação de muitos hoje quando ouvem falar de habeas corpus para orangotangos.

A palavra-chave para o manual de etiqueta dos bichos talvez seja “sofrimento” – e é ele que pode ser evitado. É moralmente impossível justificar o que grandes produtores de carne e farmacêuticas fazem com as outras espécies. No futuro, esse dilema tende a acabar. Várias empresas de biotecnologia estão desenvolvendo carne artificial, feita diretamente a partir de proteína sintética. O primeiro hambúrguer de laboratório, desenvolvido em 2013, custou proibitivos US$ 300 mil. Hoje, companhias como a Memphis Meats, dos EUA, já conseguem produzir por US$ 1.000. Ou seja: se os custos continuarem caindo, em uma ou duas gerações a ideia de criar animais para ter bifes no prato estará relegada ao passado. Por enquanto, as alternativas são: tirar a carne do prato; não comprar animais de raça; evitar produtos desenvolvidos em experimentos com bichos – até porque a FDA, a Anvisa norte-americana, já reconhece que 92% das drogas aprovadas em animais não funcionam em humanos. Ditar o nosso comportamento para evitar o sofrimento animal pode fazer sentido, mas, de novo, é uma regra traçada aleatoriamente. Pelo menos, é uma que não nos botaria mais na saia justa de não saber responder à pergunta lá do começo desta reportagem: como ainda conseguimos tratar os animais assim?



Imagens: Reprodução


*NOTA DA NATUREZA EM FORMA:

Em um mundo ideal, todos os animais deveriam ser livres na natureza, até mesmo os atualmente (e desde há muito tempo) domesticados, como cães e gatos. Acontece que, com a urbanização, hoje é impossível que esses animais vivam soltos pelas ruas, com seus incontáveis riscos: de violências, acidentes e contágio de doenças. O correto em relação a cães e gatos é acolhê-los em casa (adotar) e tutelá-los (concordamos com a oposição à ideia de posse mencionada no texto: não somos donos dos animais de estimação, e sim tutores), o que significa guarda (e não posse) responsável, ou seja, cuidar desses animais fornecendo-lhes abrigo, alimentação, cuidados médicos, lazer e amor, até o fim de suas vidas naturais (eutanásia, também citada no texto, apenas em último caso, assim como com os humanos, quando não houver mais como proporcionar qualidade de vida ao animal ou amenizar sua dor - em um quadro de doença grave ou ferimento. Há pessoas que já sacrificam o animal porque ele está velho ou com alguma doença perfeitamente tratável. Repudiamos veementemente tal atitude)Cães devem ser levados para passear ao menos três vezes por dia, na guia, e gatos não devem ter acesso à rua (a não ser por motivos de mudança de endereço, viagem ou ida ao veterinário, o que deve ser feito dentro de caixa de transporte própria para gatos), e sim mantidos dentro de casa, com todas as janelas teladas. Sim, parece uma prisão, infelizmente. Mas a alternativa para esses animais seria viver nas ruas das cidades, que, como dissemos, oferecem muito mais perigos do que benefícios para a integridade física deles. Para zelar pelo bem-estar psicológico dos bichos, aqui entra a parte do lazer que citamos. Leia os textos: 


O texto original desta postagem falava ainda que nós "decidimos se [os animais] poderão ficar com seus órgãos genitais ou não". Excluímos essa parte, pois essa escolha, diante de todo esse processo de urbanização e abandono de animais, realmente deve ser nossa. A castração de cães e gatos é essencial para o controle populacional de animais de rua. De nada adianta nós adotarmos e cuidarmos de X cães e/ou gatos se tantas centenas continuarem nascendo todos os dias. A meta que nós, da causa animal, lutamos para atingir é que não haja mais animais procriando nas ruas, e aqueles que já nasceram sejam adotados por famílias responsáveis. 

Clique aqui para saber mais sobre a castração, que não só controla a população de animais de rua, como também previne doenças nos bichos e prolonga a vida.

Quanto a pássaros e peixes, esses animais realmente devem viver livres no ar e nas águas, e nunca aprisionados em gaiolas ou aquários. Exceções podem ocorrer quando houver aves feridas devido a tráfico de animais ou acidentes e elas serem mantidas em viveiros durante período de reabilitação, para posterior soltura na natureza, ou quando alguma ave é apreendida de tráfico, mas não é nativa e não sobreviveria em um ambiente diferente daquele de sua espécie. Porém, frisamos, esse é um caso originado por mais um exemplo de maus-tratos contra os animais e que, portanto, nem deveria existir - mas como existe, temos de lidar da melhor forma possível (oferecendo um viveiro com bastante espaço, por exemplo).

Quanto aos hamsters citados, ainda existe muita reprodução em cativeiro para venda, prática que deveria ser proibida. Também existem hamsters resgatados de testes em laboratórios, assim como camundongos, coelhos, porquinhos-da-índia etc. E novamente dizemos: temos que lidar da melhor forma. No caso de coelhos e porquinhos-da-índia, devem ter um recinto próprio dentro da casa do tutor, como um quartinho de empregada ou banheiro desativado e com a devida ambientação (leia aqui). Hamsters, camundongos e outros roedores menores podem ser mantidos em gaiolas grandes com rodas de exercícios, tubos e outros entretenimentos, mas também serem soltos com frequência em um espaço controlado e na presença do tutor. 

"Defender os animais é uma questão de justiça", afirma pesquisador espanhol

Professor Oscar Horta, da Universidade de Santiago de Compostela, Espanha 
(Foto: Henrique Almeida / Agecom/UFSC)



Com o tema “Por que a defesa dos animais é uma questão de justiça: expandindo as fronteiras da ética”, a palestra do professor espanhol Oscar Horta, realizada em 26 de fevereiro [2018] no Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), apresentou os argumentos éticos que justificam o respeito pelos animais. “Muitas pessoas acreditam que aqueles que se envolvem na defesa dos animais decidem se dedicar à causa como um ‘hobby’ ou porque ‘gostam de animais’. Mas isso não é verdade. E não é pela mesma razão que as pessoas que lutam pelos direitos humanos não fazem isso simplesmente porque ‘gostam’ dos indivíduos em situações desfavorecidas. Devemos efetivamente respeitar os animais não por uma questão de ‘preferência’ ou como uma ‘atitude de bondade’, mas sim por uma questão de justiça”, explicou o pesquisador.

Segundo Oscar Horta, não existe um critério plausível e coerente que justifique, ao mesmo tempo, uma atitude de respeito pelos seres humanos e de desrespeito pelos animais. “Normalmente, a justificativa mais utilizada é a de que os seres humanos têm capacidades cognitivas avançadas, e por isso são ‘superiores’ e os únicos que merecem respeito. Mas quem defende isso ignora o fato de que há também animais não humanos que possuem capacidades cognitivas muito avançadas. E há nesse argumento outro problema ainda mais sério: existem seres humanos que não têm essas capacidades cognitivas. Esse é o caso dos recém-nascidos, por exemplo. E também pode ser o caso de qualquer pessoa que adquira uma doença ou sofra um acidente que lhe cause danos cerebrais. Todos estamos sujeitos a isso.” Diante desse argumento, explicou, a maioria das pessoas concorda que todos os seres humanos deveriam ser respeitados, sejam quais forem suas capacidades intelectuais. Logo, por uma questão de lógica, é preciso rejeitar a ideia de que deveríamos ter direitos garantidos por nossas capacidades intelectuais.

“Para garantir que nenhum ser humano seja discriminado, devemos rejeitar esses critérios e defender uma posição que implique necessariamente na consideração pelas demais espécies. Alguém pode dizer que ‘respeitar os animais é uma questão de preferência’. O fato é que, mesmo nas questões de gosto, de preferência, existe uma lógica, uma coerência. Não posso, ao mesmo tempo, dizer, por exemplo, que gosto de manga e não gosto de nenhuma fruta. Isso é uma contradição. O mesmo acontece aqui. É inconsistente a ideia de que devemos respeitar todos os seres humanos e não respeitar os demais animais por qualquer razão que seja. Alguém ainda pode dizer que essa discriminação é justificada ‘simplesmente porque somos seres humanos’. Mas isso não é uma justificativa. É apenas repetir, de outra maneira, o que está tentando defender.”

"É inconsistente a ideia de que devemos respeitar todos os seres humanos e não respeitar 
os demais animais por qualquer razão que seja" (Foto: Henrique Almeida / Agecom/UFSC)


O professor apresentou ao público a possibilidade de dois mundos possíveis: em um deles, os animais são explorados para os mais diversos fins, exatamente como ocorre no mundo hoje. Em outro mundo hipotético, os interesses dos animais não humanos são levados em consideração da mesma forma que os interesses dos humanos. “Se pudéssemos escolher, antes de nascer, em qual mundo vamos viver, qual escolheríamos?”, perguntou. “Muitos poderiam dizer que prefeririam morar no mundo como é hoje. Dizem isso porque supõem que vão nascer seres humanos. Mas e se houvesse a possibilidade de nascermos animais? E se não soubéssemos se seríamos humanos ou animais de outras espécies? Que mundo escolheríamos?” Ao fazer esse exercício de se colocar no lugar do outro, todos optam pelo mundo onde as demais espécies são respeitadas. 

Senciência

“Muitos animais têm a capacidade de sofrer e desfrutar, pois, assim como nós, eles têm uma fisiologia com um sistema nervoso central que transmite informações, a partir dos órgãos do sentido, e as transformam em experiências. Essas experiências podem ser positivas ou negativas, de prazer ou sofrimento. Além de sabermos dessa capacidade por sua fisiologia, isso também é evidente por seu comportamento. A conduta dos animais demonstra que eles sofrem, sentem. A razão, portanto, para respeitar alguém, deveria ser sua fisiologia, sua capacidade de sentir - isso é o que definimos como ‘senciência’. E essa é uma capacidade que não só os animais mais próximos de nós, como os mamíferos, possuem. Diversos outros animais, inclusive muitos invertebrados, também são sencientes. Por isso, não é justo que os animais utilizados pelos seres humanos sejam submetidos a tanto sofrimento.” O professor descreveu como vivem os animais explorados para alimentação, que passam a maior parte da vida em espaços minúsculos, sofrem de muitas doenças e não têm nenhuma oportunidade para desfrutar minimamente a vida. “Esses animais morrem de formas terríveis.”

Sobre a suposta necessidade de utilizar animais para alimentação, Horta explicou o que deve ser ponderado: “Quando temos que tomar uma decisão, devemos avaliar quais interesses estão implicados. No caso do consumo de animais, devemos analisar, por um lado, quais são os benefícios que os seres humanos têm e, por outro, quais os danos que sofrem os animais. Ao fazer essa avaliação, concluímos que os danos que sofrem os animais são bem maiores do que os benefícios que têm os seres humanos*. Se para obtermos esse mesmo benefício, precisássemos submeter não os animais, mas os seres humanos, aos mesmos danos, jamais faríamos isso”.

Material informativo da organização Ética Animal


Além de pesquisador e professor da Universidade de Santiago de Compostela, Oscar Horta integra a organização internacional Ética Animal, cujo objetivo é fornecer informações e promover discussões e debates sobre o assunto, buscando uma mudança de atitude em relação aos animais, conforme informa o site da entidade. A ONG tem representantes em diversos países e seu site está traduzido em oito idiomas: português, espanhol, francês, italiano, alemão, inglês, polonês e chinês.

Oscar Horta publicou, em 2017, o livro Un Paso Adelante en Defensa de los Animales. Leia aqui a introdução da obra, em espanhol.



NOTAS DA NATUREZA EM FORMA:

*1. Além disso, o consumo de animais causa diversos malefícios para a saúde humana, como tem sido provado por diversos estudos científicos nacionais e internacionais. Leia aqui.

A forma do especismo

Corpo do Homem Anfíbio foi baseado em O Monstro da Lagoa Negra 
(Creature from the Black Lagoon, 1954) (Foto: Fox Searchlight Pictures / Reprodução)


[ATENÇÃO: O TEXTO ABAIXO CONTÉM SPOILERS, INFORMAÇÕES SOBRE O FILME]


Por Paulo Furstenau*


Recordista de indicações ao Oscar 2018 (13 categorias, incluindo melhor filme, direção e roteiro original), A Forma da Água (The Shape of Water, 2017) pode ser considerado uma fábula sobre o especismo. O documentário Terráqueos (Earthlings, 2005) faz a seguinte definição do termo: “Humanos, portanto, não sendo a única espécie no planeta, compartilham este mundo com milhões de outras criaturas vivas, já que todos nós evoluímos aqui juntos. Contudo é o terráqueo humano que tende a dominar a Terra, frequentemente tratando outros terráqueos e seres vivos como meros objetos. Isso é o que significa especismo”. 

Com base nesse pensamento antropocêntrico, os humanos cometem diariamente as maiores atrocidades contra os animais: nos matadouros, granjas, indústria de laticínios, fazendas de peles, laboratórios, criações de cães e gatos de raça (saiba mais aqui), rodeios, rinhas, vaquejadas, zoológicos, circos, aquários (leia aqui sobre outros locais onde animais são explorados para “entretenimento” humano) e muitos outros lugares - até mesmo nas ruas e dentro de casa - e situações. E quando dizemos "humanos cometem", nos referimos não só a quem faz o mal em si, como também ao "consumidor" dos resultados dessas crueldades, que as julgam naturais, pois acreditam que animais devem servir aos humanos.

“As lagostas são cozidas bem aqui. Elas gritam um pouco, mas são muito macias e doces”, 
diz esse homem, em uma bastante comum demonstração humana de desprezo pela dor 
e sofrimento de criaturas sencientes (Foto: Fox Searchlight Pictures / Reprodução)


Dirigido, escrito e produzido por Guillermo del Toro, A Forma da Água conta a história de uma criatura híbrida de humano com anfíbio, capturada por militares norte-americanos na Amazônia. Eles a levam para um centro de pesquisas nos EUA, onde anunciam sua chegada para os funcionários como um novo bem material, uma propriedade, da empresa. Como o filme se passa no período da Guerra Fria, não tarda para que aquele ser vivo se torne mais um elemento de disputa entre EUA e União Soviética. 

Infiltrado entre os norte-americanos, um cientista russo alega que a ciência teria muito a aprender com o Homem Anfíbio (sua forma de respiração dentro e fora d’água poderia ensinar sobre a respiração dos astronautas no espaço), mas seus compatriotas querem que ele o mate, evitando assim que seus inimigos tenham esse possível trunfo científico nas mãos. Mas o espião discorda: “Não quero que uma criatura complexa e bela, inteligente, capaz de se comunicar e entender emoções, seja destruída”. 

Embora o cientista espião defenda a vida do Homem Anfíbio, não fica claro até então sobre como ele acha que a ciência poderia aprender com a criatura. O fato é que aquele ser não estava sendo observado em seu ambiente, livre e podendo exercer seu comportamento natural, e sim preso em um tanque, assim como tubarões, baleias, golfinhos e outros animais aquáticos trancafiados em aquários e ainda expostos à curiosidade de pessoas sem nenhuma consciência sobre a atrocidade daquele confinamento. Dentro da prisão, o que viria a seguir para essa compreensão humana sobre a criatura? O mesmo que ocorre com as cobaias de laboratórios? (Leia aqui matérias sobre testes e vivissecção.) 

Além da captura e encarceramento, outra violência já acontecia pelas mãos do militar raptor, que acorrentou o Homem Anfíbio para lhe eletrocutar com uma vara de choque elétrico de alta voltagem para gado. “Aquela coisa pode parecer humana porque anda com as duas pernas, mas nós fomos criados à imagem do Senhor. E você não acha que aquilo se parece com Deus, né? Deus se parece humano”, diz ele, como um típico humano presunçoso que se considera superior às demais espécies, além de ressentido pelo fato de que aquele ser era adorado como um deus pelos indígenas da Amazônia. 

O Homem Anfíbio é torturado com o mesmo instrumento usado para eletrocutar bovinos 
(Foto: Fox Searchlight Pictures / Reprodução)


Mas uma das faxineiras do centro de pesquisa, Elisa (Sally Hawkins, em uma atuação que lhe rendeu a indicação ao Oscar de melhor atriz), se encanta pela criatura. Primeiramente, ela se compadece daquele ser vivo aprisionado. Em um segundo momento, se identifica com ele, por ser mudo como ela. E Elisa decide libertar o Homem Anfíbio. 

A heroína do filme pede então a ajuda de seu melhor amigo, Giles (Richard Jenkins, indicado ao Oscar de ator coadjuvante pelo papel), no resgate. Amargurado pela vida, Giles nega, alegando: “Ele nem humano é”. Elisa rebate: “Se não fizermos nada, também não seremos nada”. Mas seu amigo muda de ideia após ser vítima de homofobia, expulso de uma lanchonete porque o local era “de família”, sentindo assim na pele a discriminação por ser considerado inferior. E aqui fazemos mais um paralelo entre o especismo, o filme em questão e o documentário Terráqueos

“Numa analogia com o racismo e sexismo [e homofobia, xenofobia, entre outras formas de discriminação], o termo 'especismo' é o preconceito a favor dos interesses dos membros de uma espécie [que se considera superior] contra os membros de outra [considerada inferior pelos autoproclamados superiores]”, narra o ator Joaquin Phoenix no filme de 2005. Em A Forma da Água, na mesma cena em que Giles é expulso da lanchonete, um casal negro é proibido de sentar ao balcão, exclusividade dos brancos. Em outra cena, o carrasco do Homem Anfíbio assedia Elisa, acreditando que ela, por ser mulher, tem obrigação de se submeter a ele, inclusive sexualmente. 

“Cientista mandará cavalo para voo espacial”, diz a manchete do jornal “lido” pelo cavalo no programa a que o Homem Anfíbio está assistindo: outra modalidade de exploração de animais 
(Foto: Fox Searchlight Pictures / Reprodução)

Em outro momento, a criatura vai ao cinema contíguo à casa de Elisa e Giles e se surpreende 
com a cena de um filme que mostra homens escravizados (considerados inferiores 
por seus “senhores”) sendo chicoteados (Foto: Fox Searchlight Pictures / Reprodução)


E Giles ajuda então Elisa no resgate do Homem Anfíbio, que na última hora ganha ainda os reforços de sua colega de trabalho Zelda (Octavia Spencer, indicada como atriz coadjuvante) e do cientista russo espião (que então prova sua genuína preocupação com a criatura). Elisa e Giles o levam para a casa deles, onde ela pretende mantê-lo até chegar o momento ideal de levá-lo ao mar. Com a convivência, Giles passa a se identificar em outro ponto com a criatura, além da discriminação sofrida: a solidão. E se mostra compreensivo quando o novo hóspede come sua gata: “Ele é um animal selvagem, não podemos pedir que seja outra coisa”. 

Porém ele é outra coisa além de um animal selvagem. Ele é o Homem Anfíbio, um híbrido de animal e humano (e deus, segundo os indígenas). E seu lado humano e a conexão estabelecida com Elisa acabam fazendo com que a criatura e sua salvadora se apaixonem. Quando seus amigos humanos o levam para o mar, o Homem Anfíbio transforma cicatrizes no pescoço de Elisa, resultado de uma violência sofrida quando ela era criança, em guelras, possibilitando que sua amada possa viver sob a água como ele, e com ele. No final das contas, além de homem e animal, a criatura se revela realmente dotada de poderes divinos. Mas nós lembramos que essa divindade reside em cada um dos animais de nosso planeta e, portanto, todos merecem nosso respeito, e não exploração sob qualquer forma. 

Cartaz do filme (Foto: Fox Searchlight Pictures / Reprodução)


Especismo em série e mais causa animal no Oscar 

Outro texto nosso que aborda o especismo em uma obra audiovisual é Fariam?, que identifica essa forma de discriminação na série Sense8. Sobre outro filme indicado ao Oscar deste ano (melhor animação), leia Ferdinando, ativista da causa animal. Já Star Wars: Os Últimos Jedi (Star Wars: Episode VIII – The Last Jedi, 2017), que concorre em quatro categorias (incluindo efeitos especiais e trilha sonora original) ao Oscar 2018, também dá uma importante contribuição à causa animal – leia aqui a matéria do portal Vista-se. Por outro lado, O Rei do Show (The Greatest Showman, 2017), indicado à estatueta por melhor canção original, comete um grande desserviço ao divulgar e glamorizar a vida de uma pessoa que só fez mal aos animais – leia aqui o texto publicado pelo Mimi Veg.


*Paulo Furstenau é jornalista voluntário da Associação Natureza em Forma


[ATUALIZAÇÃO PÓS-OSCAR]

Das 13 indicações, o filme levou quatro estatuetas: melhor filme, direção, trilha sonora original e design de produção.

A exploração dos animais nas artes – antropomorfização e zoomorfização


Por Marcya Harco*

“Os olhos de um animal têm o poder de falar uma grande linguagem”, Martin Buber


Na história da humanidade, a presença do animal não humano é fortemente vista na literatura e em outras artes. Desde a mitologia antiga, seres híbridos se fundem em corpo humano e não humano. Por exemplo, na Grécia, o centauro apresentava corpo de cavalo e tronco humano; o minotauro, corpo de homem e cabeça de touro; as sereias ou mulheres aves mostravam parte do corpo mulher e patas de ave e, posteriormente, nas mitologias nórdica e celta, transfiguraram-se em mulheres metade peixe.

A metáfora animal delineia grande parte das características do ser humano, seja pelo caminho da antropomorfização (atribuição de características humanas a seres não humanos ou coisas), seja via zoomorfização (características animais atribuídas a seres humanos, deuses ou coisas).

As fábulas conferem lugar à animalidade, a fim de despertar no animal humano o reconhecimento de sua humanidade/animalidade em histórias moralizantes. Os bestiários, catálogos manuscritos produzidos por monges católicos que reuniam informações sobre animais reais e fantásticos, acompanhados de mensagem moralizadora, eram relevantes na baixa Idade Média.


René Descartes se valeu do racionalismo para argumentar sua tese do animal-máquina. Charles Darwin recuperou a questão da animalidade em seu discurso evolucionista, assim como os pensadores Georges-Louis Leclerc (conde de Buffon), Jakob Johann von Uexküll, Gilles Deleuze e tantos outros.

A metáfora animal tem sido empregada no decorrer da literatura e das artes, conforme pode ser constatado nos exemplos a seguir.

Os Saltimbancos

A obra dos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm, no conto Os Músicos de Bremem, inspirou o musical infantil Os Saltimbancos, autoria do letrista italiano Sergio Bardotti e do músico argentino Luis Enríquez Bacalov. Esse musical mostra uma alegoria política, em que o burro representaria os trabalhadores do campo; a galinha, a classe operária; o cachorro, os militares; e a gata, os artistas. O barão (o homem!), inimigo dos animais, é a personificação da elite, os “detentores do meio de produção”.

Commedia Dell’Arte

Na Commedia Dell’Arte, verifica-se outro exemplo perante a composição dos personagens: uma característica de animais aos humanos. Na visão do dramaturgo italiano Dario Fo, a maioria das máscaras faz alusão aos animais e suas formas, evidenciando o aspecto zoomórfico em sua tipologia. Dessa maneira, um homem pode ter fisionomias de animais não humanos, como um porco, um boi, um cão, entre outros, ressaltando sempre o aspecto psicológico caricatural do humano em relação à fisicalidade do animal não humano.

O Porco


No Brasil, o monólogo O Porco, tradução de El Cerdo, do diretor e dramaturgo espanhol Antonio Andrés Lapeña, cujo texto original, Stratégie pour Deux Jambons, é do francês Raymond Cousse, esteve em cartaz em São Paulo (2006), no Centro Cultural São Paulo, com direção de Antonio Januzelli e atuação de Henrique Schafer. A peça mostra o depoimento de um porco na véspera do abate.

A crítica do jornalista Sergio Salvia Coelho, no jornal Folha de S. Paulo, dizia o seguinte: “Não há metáforas, porém, a crueza arquetípica da situação do porco cercado para a morte acaba remetendo ao que o público quiser: o holocausto, a condição humana e, por que não, a situação do ator que, em seu espaço mínimo, recria um sentido para a vida”. A reflexão sobre o espetáculo O Porco, levantada pelo jornalista, remete às questões puramente humanas, sem sugerir qualquer importância moral pelo animal porco, representado por Schafer.

Cãocoisa e a Coisa Homem

O espetáculo Cãocoisa e a Coisa Homem, do grupo curitibano Ateliê de Criação Teatral (ACT), texto e direção de Aderbal Freire Filho, protagonizado por Luis Melo, que esteve em cartaz no Sesc Consolação, em São Paulo (2002), aborda a relação do ser humano com o cachorro.

O personagem principal é um homem que atravessa diversas fases da história, acompanhado por um anjo ou por um cão, interpretados pelos atores do ACT. Luis Melo resume o espetáculo: “O homem humanizado pelo cão. Ele é capaz de perceber o que é o verdadeiro amor, sem cobranças, através da lealdade do animal”. O cão mais uma vez é o exemplo para discutir a moralidade humana e, como reflete Sergio Salvia Coelho em crítica na Folha de S. Paulo: “(…) atores podem dissecar a dinâmica do amor, com a higiene castrando o instinto, ou a solidão cosmopolita, na qual se finge que é de seu cachorro que se está falando”.

A Cabra ou Quem É Sylvia?

Em A Cabra ou Quem É Sylvia?, de Edward Albee, encenada no Teatro Vivo, em São Paulo, no ano de 2008, com direção de Jô Soares e atuações de José Wilker, Denise Del Vecchio, Gustavo Machado e Francarlos Reis, é contada a história de Martin, um arquiteto de sucesso no ápice da carreira, que tem uma vida familiar exemplar, com a amorosa esposa Stella e um filho. No dia de seu aniversário, Martin revela que está apaixonado por Sylvia, entretanto, Sylvia é uma cabra.

Albee desafia os espectadores a questionar sua própria moral diante de tabus sociais como infidelidade, zoofilia, pedofilia e incesto. O âmago da questão de A Cabra ou Quem É Sylvia? está na exposição da perda da razão da sociedade contemporânea. O crítico de teatro Luiz Fernando Ramos argumentou na Folha de S. Paulo: “O amor não tem limites, nem a imaginação de Albee. O bode está na sala pronto para o sacrifício”.

Ainda aqui, o enfoque é o drama humano acerca da moralidade social em relação a tabus, a percepção da identidade feminina no contraste entre a mulher Stella e a cabra Sylvia e a natureza arbitrária de normas e convenções sociais sobrepondo a bestialidade de Martin ao seu desgosto em relação à homossexualidade do filho Billy.

Não há valoração moral em relação ao drama sofrido pela cabra Sylvia em seu suposto relacionamento “consensual” com Martin. Não se levanta a questão sobre atos sexuais cometidos contra animais, que são atos forçados, de violência, diante da vulnerabilidade desses seres. Entretanto os demais personagens da obra de Albee suscitam a exposição da miséria e do sofrimento humano.


A arte lida com o sensível, com a experiência. E o teatro, como propõe o fundador do Teatro do Oprimido, Augusto Boal, indica um caminho ou uma capacidade de se colocar no lugar do outro, ampliando a visão de mundo pela assimilação de novas possibilidades.

Citados esses exemplos, é importante afirmar a necessidade de reconstruir o sensível na sociedade para além dos paradigmas pré-estabelecidos. Nesses novos tempos, a arte tem como função aflorar essa sensibilidade para um reconhecimento de que o ser humano não se limita à cultura da “natureza” baseada em instintos crus, mas em outras possibilidades perceptivas que ampliem sua consciência no tocante à consideração moral em relação ao próprio humano e ao não humano, propiciando também sua libertação e evolução mais abrangentes no contexto da bioética em relação às outras espécies.


Referências

COPSTEIN, Liège; SILVA, Denise A. Metáfora Animal e Especismo: Retórica do Poder no Contexto Pós-Moderno. Cadernos de Semiótica Aplicada (CASA) Capa v.12, n.1, UNESP, 2014

GUIDA, Angela. A poética da crueldade: um olhar no humano e no não humano. Santos Dumont, UFMG, 2011

M. AGUIRRE; A. STEBAN. Cuentos de La Mitología Vasca. Ediciones de la Torre, Madrid, 2006



*Marcya Harco é atriz, diretora de teatro e arte-educadora; fundadora integrante da Cia. Lúdica de Teatro e do projeto Vegan Vj Theatre; licenciada em artes cênicas pela Faculdade Paulista de Artes e pós-graduada em direção teatral pela Escola Superior de Artes Célia Helena

Fonte: Mimi Veg 

Fotos e imagens: Reprodução