terça-feira, 26 de fevereiro de 2013
''NUM DIA EM QUE EU FICAR SOZINHA''
terei saudade
da manhã em discordância
da flor delirante
e da nudez da nuvem.
terei saudade
da claridade do outono
em esplendor que se despede.
terei saudade
da surpresa da flor singela
com passo choroso
a bater em minha alma
como pingo d’água.
terei saudade
da maciez da noite quieta e morna
com sede de lua falante.
terei saudade
de meu pensamento sonâmbulo
saudade do irreal.
Alvina Nunes Tzovenos
Palavras ao Tempo
Em nome da tua ausência
Construí com loucura uma grande casa branca
E ao longo das paredes te chorei.
Sophia de Mello Breyner Andresen
[Fotomontagem de Regina Helena Siqueira ]
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Sophia de Mello Breyner Andresen
''Alegoria do crepúsculo''
Quem andará, dentro da tarde triste e fria,
perlustrando, em silêncio, as aleias de sombra,
e deixando, ao cair de um vago fim de dia,
o apressado rumor de leves pés na alfombra?...
Quem andará, dentro da tarde, triste e erma,
dentro da tarde, de olhos raros e distantes,
enchendo o parque de volúpia morna e enferma
de dedos longos e de lábios balbuciantes?...
Quem andará, dentro da tarde triste e fria,
quase roçando o espelho azul do lago raso?...
Quem andará dentro da tarde triste e fria?...
Quem andará perto do céu, nesta hora sombria,
desfolhando do azul, sobre as cinzas do ocaso,
grinaldas cor de luar, dentro da tarde fria?...
Athos Damasceno Pereira
(1902-1975)
[...]Chegou a primavera. Nas ruas úmidas da cidade rumorejavam regatos velozes entre o gelo sujo de esterco; as cores dos trajes e o som das vozes dos transeuntes distinguiam-se nitidamente. Nos jardins, atrás das sebes, as árvores inchavam de botões e mal se notava o balançar dos ramos ao sopro da brisa fresca. Por todo lado gotinhas transparentes pingavam... Pardais desajeitados piavam e adejavam com suas asinhas. Nos lados ensolarados, nas sebes, nas casas e nas árvores, tudo se movia e brilhava. Reinava a alegria e o viço tanto no céu e na terra como no coração dos homens.[...]
Liev Tolstoi
Texto extraído do livro "O Diabo e Outras Histórias", Cosac & Naify Edições — São Paulo, 2.000, pág. 29, tradução de Beatriz Morabito e Beatriz P. Ricci
''Os Justos''
Um homem que cultiva seu jardim, como queria Voltaire.
O que agradece que na terra exista música.
O que descobre com prazer uma etimologia.
Dois empregados que em um café do Sur jogam um silencioso xadrez.
O ceramista que premedita uma cor e uma forma.
O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez não lhe agrade.
Uma mulher e um homem que leem os tercetos finais de certo canto.
O que afaga um animal adormecido.
O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.
O que agradece que na terra exista Stevenson.
O que prefere que os outros estejam certos.
Essas pessoas, que se desconhecem , estão salvando o mundo.
Jorge Luis Borges
(Trad. Josely Vianna Baptista)
[Photography by Eldoras on Deviantart]
(Recebido da querida amiga Vera, Facebook)
quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013
''Fulgor de sonho''
De tudo o que já me deu
agradeço à vida o sonho
da rosa que não ganhei.
Minha mão não alcançou
a estrela que desejei
Seu fulgor o sonho inventa
invisível no meu peito.
O navio embandeirado
que espero desde criança
está custando a chegar.
Não faz mal, canta o meu sonho,
as águas que ele navega
sabem a sal de esperança.
Nada perdi...Como posso
perder o que nunca tive?
Vivo a vida do meu sonho,
meu sonho de sonho vive.
Thiago de Mello
SUBSTANTIVO INTRANSFERÍVEL*
O abandono não tem tempo
nem dono; não tem face:
não há ventania que o disfarce.
O abandono não tem o Tempo
como senhor; ignora a dor:
não diferencia alma ou cor.
O abandono não tem tempo
a perder; parece saber tudo:
o corpo que fere, o quê torna
o próximo espírito mudo!
O abandono não tem o Tempo
da Infância; cedo aprendeu dela
a exata e definitiva distância.
O abandono não tem o tempo
manifesto de forma clara: engana
sem mais saber; de ninguém tem rol
ou dó: falta-lhe um simples farol.
O abandono é substantivo, solitário,
vítima do assédio infante e vário:
só toma consciência do outro,
quando sob a terra já o tem morto!
*Jairo De Britto,
em “Dunas de Marfim”
nem dono; não tem face:
não há ventania que o disfarce.
O abandono não tem o Tempo
como senhor; ignora a dor:
não diferencia alma ou cor.
O abandono não tem tempo
a perder; parece saber tudo:
o corpo que fere, o quê torna
o próximo espírito mudo!
O abandono não tem o Tempo
da Infância; cedo aprendeu dela
a exata e definitiva distância.
O abandono não tem o tempo
manifesto de forma clara: engana
sem mais saber; de ninguém tem rol
ou dó: falta-lhe um simples farol.
O abandono é substantivo, solitário,
vítima do assédio infante e vário:
só toma consciência do outro,
quando sob a terra já o tem morto!
*Jairo De Britto,
em “Dunas de Marfim”
''ÚLTIMA CARTA''
Te ofereço Abril -
Abril subindo as escadas noturnas
onde o silêncio acumulou as heras do longínquo
Abril fitando um céu fluorescente
debruçado em sacadas e colunas.
Te ofereço a minha paz -
Este modo tranquilo de ser
como um pôr-do-sol na minha terra.
Te ofereço a gratuidade do crepúsculo,
a tradição dos relógios antigos
a doce alegoria dos cartões-postais.
Te ofereço esta árvore, tão provinciana,
que ainda sabe amadurar seus frutos
entre sombras e pássaros.
Tudo o que a tua infância não provou
e que a tarde como um canto rememora.
Mas não aceites nada -
que isso são coisas tristes do passado
e eu prefiro o teu sorriso
em que os dias eternos se renovam.
Ivo Barroso
de 'A Caça Virtual'
terça-feira, 19 de fevereiro de 2013
"Melódico"
Canto aos quatro cantos,
aos quatro ventos.
Desnudo as pautas do tempo
em claves, bemóis e sustenidos.
Hei de fazer chegar aos seus ouvidos
uma rima de amor em tom maior.
Quando o mundo cantá-la já de cor,
eu trago a flauta
que põe ternura nessa nota que ainda falta
pra perpetuar o nosso amor na partitura.
Flora Figueiredo
In Chão de Vento
[Tela de Angel Ortiz ]
''Explicação da Eternidade''
devagar, o tempo transforma tudo em tempo.
o ódio transforma-se em tempo, o amor
transforma-se em tempo, a dor transforma-se
em tempo.
os assuntos que julgamos mais profundos,
mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis,
transformam-se devagar em tempo.
por si só, o tempo não é nada.
a idade de nada é nada.
a eternidade não existe.
no entanto, a eternidade existe.
os instantes dos teus olhos parados sobre mim eram eternos.
os instantes do teu sorriso eram eternos.
os instantes do teu corpo de luz eram eternos.
foste eterna até ao fim.
José Luiz Peixoto
"A Casa, A Escuridão"
'PENSAMOS EM NADA'
Pensamos tanto em nada. Despenteados,
caçamos fantasmas de elefantes
na casa desarrumada, de estores fechados,
milionários esbanjadores de instantes,
piratas de tesouros enterrados, ilhas distantes,
sorte parada. Pensamos demasiado em nada.
Cobertos por farrapos de tempo,
arame farpado de tempo, cheiro a terra
molhada, um momento, outro momento,
a memória inteira emparedada, e nós,
sem desculpas, astronautas, centauros,
entre o sexo e o medo, presos na piscina
vazia e abandonada, no centro de tudo,
pensamos apenas em nada.
José Luis Peixoto
Caminhamos à tarde na encosta de um monte,
em silêncio. Na sombra do lento crepúsculo
o meu primo é um gigante vestido de branco,
que se move tranquilo, queimado no rosto,
taciturno. Calar é a virtude da gente.
Algum velho ancestral se sentiu com certeza bem só
-ave rara entre tolos ou pobre maluco-
para ensinar aos seus tanto silêncio.
Cesare Pavese
eexcerto do livro 'Trabalhar cansa'
em silêncio. Na sombra do lento crepúsculo
o meu primo é um gigante vestido de branco,
que se move tranquilo, queimado no rosto,
taciturno. Calar é a virtude da gente.
Algum velho ancestral se sentiu com certeza bem só
-ave rara entre tolos ou pobre maluco-
para ensinar aos seus tanto silêncio.
Cesare Pavese
eexcerto do livro 'Trabalhar cansa'
''Tarde''
Esta é uma tarde completa:
mil cacos de solidão.
Eu conto
eu comparo
eu formo
eu junto.
Estas são as minhas mãos nuas
numa mesa nua e triste.
Tento fixar este instante,
este fragmento de tempo, dissecá-lo completamente.
Tenho os olhos bem abertos.
Sinto o áspero e louco toque
da solidão.
Um sol branco, solitário e enlouquecido
está suspenso
no céu branco.
vasant abaji dahake
(índia, n. 1942)
tradução de pedro amaral
em quartzo, feldspato & mica
''BÁLSAMO SUPREMO''
Como a estrela, a correr no firmamento,
Cai da ilusão em treva convertida,
A esperança, a correr no pensamento,
Se envolve em treva e cai desiludida !...
Então o prazer, soprado pelo vento,
E a ventura em nevoeiro diluída,
Abandona o peito ao sofrimento,
Gravando na memória a dor sofrida.
E a alma anoitece. E quando passa o dia
Logo lhe esquece a luz de uma alegria;
Os anos passam... e não esquece a dor !...
_Mas sempre, a alma, à desventura unida,
A dor ingênita a sofrer na vida,
Por bálsamo supremo __ tem o Amor !
Maria Isabel da Câmara Quental
De ''Sonetos e outros poemas''
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Maria Isabel da Camara Quental
quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013
'A BELEZA'
Neste crisol do coração, Beleza
Que iluminas a nossa noite escura,
És a Bondade — que se fez Grandeza
E a Dor sofrida — que se fez Doçura.
És a muda expressão da Natureza;
Beijo no amor, sorriso na candura,
Prece na morte, pranto na tristeza
E, para os poetas, mística tortura.
Ninfeia azul no pântano estagnado,
Flores brotando na aridez das lousas,
Ou mistério no páramo estrelado,
Em tudo o que nos cerca, tu repousas,
Porque a Beleza é Deus manifestado,
A nos sorrir pela expressão das cousas.
[Afonso Schmidt]
(Paiting by OTTO SCHOLDERER)
Se sou alegre ou sou triste?…
Francamente, não o sei.
A tristeza em que consiste?
Da alegria o que farei?
Não sou alegre nem triste.
Verdade, não sou o que sou.
Sou qualquer alma que existe
E sente o que Deus fadou.
Afinal, alegre ou triste?
Pensar nunca tem bom fim…
Minha tristeza consiste
Em não saber bem de mim…
Mas a alegria é assim…
Fernando Pessoa
[Tela de Wladyslaw Theodor Benda}
Francamente, não o sei.
A tristeza em que consiste?
Da alegria o que farei?
Não sou alegre nem triste.
Verdade, não sou o que sou.
Sou qualquer alma que existe
E sente o que Deus fadou.
Afinal, alegre ou triste?
Pensar nunca tem bom fim…
Minha tristeza consiste
Em não saber bem de mim…
Mas a alegria é assim…
Fernando Pessoa
[Tela de Wladyslaw Theodor Benda}
quinta-feira, 24 de janeiro de 2013
'Estudo'
Subitamente descobrimos o acaso
na nuvem que passa pelo pássaro
ou no pássaro que soturnamente percorre a nuvem.
De repente aprendemos a flor das coisas
e os seus movimentos na paisagem.
De repente trocamos a imagem pela paisagem
a palmatória pela parábola.
De repente descobrimos que os espelhos nos evitam
que o amanhã pertence aos outros
que da janela somos observados
por super-homens de celuloide.
De repente é o metal do amor que silencia
no coração onde tudo é paisagem.
Subitamente compreendemos
que as palavras envelhecem com os homens
que o amor também envelhece
quando as palavras envelhecem.
Francisco Carvalho
De "Os Mortos Azuis" 1.971
'Vãs confissões'
Não quero ou pretendo mais nada.
Tive, na minha idade, o suficiente
de alegria, decepção, dor e perdas.
Só gostaria de mais árvores, flores
e alvoradas.
E, se possível, um mundo menos
inclemente.
Jairo De Britto,
em "Dunas de Marfim"
sexta-feira, 18 de janeiro de 2013
''OS RIOS''
Magoados ao crepúsculo dormente,
Ora em rebojos galopantes, ora
Em desmaios de pena e de demora,
Rios, chorais amarguradamente.
Desejais regressar... Mas, leito em fora,
Correis... E misturais pela corrente
Um desejo e uma angústia, entre a nascente
De onde vindes, e a foz que vos devora.
Sofreis da pressa, e, a um tempo, da lembrança...
Pois no vosso clamor, que a sombra invade,
No vosso pranto, que no mar se lança,
Rios tristes! agita-se a ansiedade
De todos os que vivem de esperança,
De todos os que morrem de saudade...
Olavo Bilac
terça-feira, 8 de janeiro de 2013
''O CAMINHO BRANCO''
Vou por um caminho branco
Viajo sem levar nada.
Minhas mãos estão vazias.
Minha boca está calada.
Vou só com o meu silêncio
e a minha madrugada.
Não escuto, entre os barrancos,
a voz do galo estridente
que, na treva do terreiro,
anuncia as alvoradas.
Nem mesmo escuto a minha alma:
não sei se ela vai dormindo
ou me acompanha acordada,
se ela é vento ou se ela é cinza
ou nuvem rubra raiante
no dia que se levanta
como vela desdobrada
em nave que corta as vagas.
Não sei nem mesmo se é alma
ou apenas sal de lágrimas.
Vou por um caminho branco
que parece a Via Láctea.
Só sei que vou tão sozinho
que nem sequer me acompanho,
como se eu fosse um caminho
pisado por vulto estranho.
Não sei se é dia ou se é noite
o que surge à minha frente,
se é fantasma do passado
ou vivente do presente.
Não sei se é a torrente clara
da água que corre entre pedras
ou se um gavião me espreita
oculto no nevoeiro,
espantalho prometido
ao meu dia derradeiro.
Atravessando barrancos
e plantações de tomate
e ouvindo o canto escarlate
de airosos galos polacos,
vou por um caminho branco:
brancura de bruma e prata.
Entre tufos de carqueja
há constelações de orvalho
e um clarão de meio-dia
cega a minha madrugada.
Vou como vim, sem saber
a razão da travessia.
Nem sequer levo na boca
o gosto de água salgada
que relembra a minha infância
feita de mar e de mangue.
Nem sequer levo nos olhos
- nos meus olhos de menino -
a mancha rubra de sangue
deixada pelo assassino
que vi certa madrugada.
Vou por um caminho branco
e nada levo nem tenho:
nem ninho de passarinho
nem fogo santo de lenho.
Só vou levando o meu nada.
Foi tudo quanto juntei
para oferecer a Deus
nesta madrugada.
LÊDO IVO
Maceió (18/02/1924) – Sevilha (23/12/2012)
Viajo sem levar nada.
Minhas mãos estão vazias.
Minha boca está calada.
Vou só com o meu silêncio
e a minha madrugada.
Não escuto, entre os barrancos,
a voz do galo estridente
que, na treva do terreiro,
anuncia as alvoradas.
Nem mesmo escuto a minha alma:
não sei se ela vai dormindo
ou me acompanha acordada,
se ela é vento ou se ela é cinza
ou nuvem rubra raiante
no dia que se levanta
como vela desdobrada
em nave que corta as vagas.
Não sei nem mesmo se é alma
ou apenas sal de lágrimas.
Vou por um caminho branco
que parece a Via Láctea.
Só sei que vou tão sozinho
que nem sequer me acompanho,
como se eu fosse um caminho
pisado por vulto estranho.
Não sei se é dia ou se é noite
o que surge à minha frente,
se é fantasma do passado
ou vivente do presente.
Não sei se é a torrente clara
da água que corre entre pedras
ou se um gavião me espreita
oculto no nevoeiro,
espantalho prometido
ao meu dia derradeiro.
Atravessando barrancos
e plantações de tomate
e ouvindo o canto escarlate
de airosos galos polacos,
vou por um caminho branco:
brancura de bruma e prata.
Entre tufos de carqueja
há constelações de orvalho
e um clarão de meio-dia
cega a minha madrugada.
Vou como vim, sem saber
a razão da travessia.
Nem sequer levo na boca
o gosto de água salgada
que relembra a minha infância
feita de mar e de mangue.
Nem sequer levo nos olhos
- nos meus olhos de menino -
a mancha rubra de sangue
deixada pelo assassino
que vi certa madrugada.
Vou por um caminho branco
e nada levo nem tenho:
nem ninho de passarinho
nem fogo santo de lenho.
Só vou levando o meu nada.
Foi tudo quanto juntei
para oferecer a Deus
nesta madrugada.
LÊDO IVO
Maceió (18/02/1924) – Sevilha (23/12/2012)
segunda-feira, 7 de janeiro de 2013
'Estou perdido para o mundo'
Estou perdido para o mundo,
Onde outrora consumi os meus dias,
Há tanto que não tem noticias minhas,
Bem pode acreditar que morri!
Também já não faz diferença,
Que me considere morto.
Não posso sequer dizer o contrário,
Pois, na verdade, morri para o mundo.
Morri para o bulício do mundo
E descanso numa região serena
Vivo sozinho no meu céu,
No meu amor, na minha canção!
Friedrich Rückert
(1788-1866)
'Ich bin der Welt abhanden gekommen'
Ich bin der Welt abhanden gekommen,
Mit der ich sonst viele Zeit verdorben,
Sie hat so lange nichts von mir vernommen,
Sie mag wohl glauben, ich sei gestorben!
Es ist mir auch gar nichts daran gelegen,
Ob sie mich für gestorben hält,
Ich kann auch gar nichts sagen dagegen,
Denn wirklich bin ich gestorben der Welt.
Ich bin gestorben dem Weltgetümmel,
Und ruh' in einem stillen Gebiet!
Ich leb' allein in meinem Himmel,
In meinem Lieben, in meinem Lied!
Friedrich Rückert
'A casa do coração'
O coração tem dois quartos:
Moram ali, sem se ver,
Num a Dor, noutro o Prazer.
Quando o Prazer no seu quarto
Acorda cheio de ardor,
No seu, adormece a Dor...
Cuidado, Prazer! Cautela,
Canta e ri mais devagar...
Não vá a Dor acordar....
Friedrich Rückert
Tradução de Antero de Quental
'A lágrima do Céu'
O céu deixou cair mimosa lágrima,
Que logo se julgou no mar perdida,
A concha a recolheu dizendo:"Agora
Serás a minha pérola querida.
Contra as vagas terás seguro abrigo,
Serena viverás sempre comigo.
Ó lágrima celeste ora em meu seio,
Tu és a minha dor, minha ventura!...
Permite, ó céu, que em doce e puro enleio
Eu guarde das tuas gotas a mais pura!"
Friedrich Rückert
Tradução de B. Taveira Júnior
Um trecho de 'Ines'
[...]Nem procurando exílio na zona a mais remota,
Posso escapar à sanha de meu feroz tormento:
Lá mesmo me acompanha, lá mesmo me persegue
Da vida esse demônio chamado Pensamento.
Lord Byron
-Do Childe Harold-
(Tradução Francisco Octaviano)
Posso escapar à sanha de meu feroz tormento:
Lá mesmo me acompanha, lá mesmo me persegue
Da vida esse demônio chamado Pensamento.
Lord Byron
-Do Childe Harold-
(Tradução Francisco Octaviano)
De Miguel de Sousa Tavares...
[...]
Eu acredito na continuidade das coisas que amamos, acredito
que para sempre ouviremos o som da água no rio onde tantas vezes mergulhamos a cara,
para sempre passaremos pela sombra da árvore onde tantas vezes paramos, para sempre
seremos a brisa que entra e passeia pela casa, para sempre deslizaremos através do silêncio
das noites quietas em que tantas vezes olhamos o céu e interrogamos o seu sentido.
Nisto eu acredito: na veemência destas coisas sem princípio nem fim, na verdade dos sentimentos nunca traídos.
E a tua voz ouço-a agora, vinda de longe, como o som do mar imaginado dentro de um búzio.
Vejo-te através da espuma quebrada na areia das praias, num mar de Setembro, com cheiro a algas e a iodo.
E de novo acredito que nada do que é importante se perde
verdadeiramente. Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos
outros.
Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram,
todos os dias felizes que se apagaram. Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre.
Miguel de Sousa Tavares
'Eternamente'
de 'Não te deixarei morrer,David Crockett'
Eu acredito na continuidade das coisas que amamos, acredito
que para sempre ouviremos o som da água no rio onde tantas vezes mergulhamos a cara,
para sempre passaremos pela sombra da árvore onde tantas vezes paramos, para sempre
seremos a brisa que entra e passeia pela casa, para sempre deslizaremos através do silêncio
das noites quietas em que tantas vezes olhamos o céu e interrogamos o seu sentido.
Nisto eu acredito: na veemência destas coisas sem princípio nem fim, na verdade dos sentimentos nunca traídos.
E a tua voz ouço-a agora, vinda de longe, como o som do mar imaginado dentro de um búzio.
Vejo-te através da espuma quebrada na areia das praias, num mar de Setembro, com cheiro a algas e a iodo.
E de novo acredito que nada do que é importante se perde
verdadeiramente. Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos
outros.
Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram,
todos os dias felizes que se apagaram. Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre.
Miguel de Sousa Tavares
'Eternamente'
de 'Não te deixarei morrer,David Crockett'
PALAVRAS AO VENTO
Talvez tivesse morrido de tédio em pleno azul da tarde
se não fosse o vento
vir subidamente e dizer
o que disse às suas orelhas pendidas.
Que logo não estavam pendidas: altas, escutavam
o vento,
um vento de setembro com qualquer coisa
dos janeiros limpos pelas chuvas
que jamais cessam de cintilar
na memória.
E o vento falou, depois enovelou-se no capim e dormiu.
Merecidamente, deve ter pensado o que o escutara
e, escutando-o, sentira novo gosto pela vida.
Foi o que concluí, olhando disfarçadamente o velho caçador
erguer-se e distanciar-se pelo campo verde,
soprado assim por um vento que todos nós gostaríamos
de ouvir,
agora jovem perdigueiro
indo-se como, digamos, um barco branco
de orelhas pandas,
leve e cada vez mais longínquo,
até se desfazer azul na tarde
azul.
Ruy Espinheira Filho
In Poemas Reunidos
Excerto do nº 3
[...] Nessas horas lentas e vazias, sobe-me da alma à mente uma tristeza de todo o ser, a amargura de tudo ser ao mesmo tempo uma sensação minha e uma coisa externa, que não está em meu poder alterar. Ah, quantas vezes os meus próprios sonhos se me erguem em coisas, não para me substituírem a realidade, mas para se me confessarem seus pares em eu os não querer, em me surgirem de fora, como o elétrico que dá a volta na curva extrema da rua, ou a voz do apregoador noturno, de não sei que coisa, que se destaca, toada árabe, como um repuxo súbito, da monotonia do entardecer![...]
Do livro do Desassossego
Bernardo Soares
(Fernando Pessoa)
''SENSAÇÃO''
Nas tardes azuis de verão, irei pelos vergéis,
Picado pelo trigo, a pisar a erva miúda:,
A sonhar, sentirei um frescor sob os pés,
E o vento há de banhar-me a cabeça desnuda.
Em silêncio, eu não pensarei em nada:
Mas o amor infinito montará minh'alma,
E irei longe, muito longe, com o pé na estrada,
Pela natureza, feliz – na companhia da amada.
Arthur Rimbaud
Picado pelo trigo, a pisar a erva miúda:,
A sonhar, sentirei um frescor sob os pés,
E o vento há de banhar-me a cabeça desnuda.
Em silêncio, eu não pensarei em nada:
Mas o amor infinito montará minh'alma,
E irei longe, muito longe, com o pé na estrada,
Pela natureza, feliz – na companhia da amada.
Arthur Rimbaud
''Um poema de Gregório de Matos''
Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.
Porém se acaba o Sol, por que nascia?
Se formosa a Luz é, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?
Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.
Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.
Gregório de Matos
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.
Porém se acaba o Sol, por que nascia?
Se formosa a Luz é, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?
Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.
Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.
Gregório de Matos
''Até se diluir''
A tarde, em lise nestes vultos
Que cruzam meus passos lentos,
Confunde verdes no mar cinzento.
Gelo e fogo por dentro!
Deixo-me divagar, devagar,
No andar retrô, no vento que enverga.
Ninguém suspeita que me rasga
A fome oculta na nesga da prega.
Ninguém imagina que levo no esboço
Poças de silêncio e alvoroço,
Crispado e liso, vácuo e peso...
Largo- estreito, passo.
E um carro amarelo cruza avenida,
Dobra esquina, atrás da ilusão,
Deixando rastros do som da vida.
Minh’alma, numa bolha de sabão,
Intenta pousar no chão,
Como pingo de chuva.
Stella de Sanctis
Salmo à Vida (Psalm of Life )
Não me faleis, em enlutados versos,
Que um sonho vazio seja a vida!
Pois morta é a alma que adormece
E as aparências enganosas são.
Genuína, a vida! Vida, coisa séria!
O fim último o túmulo não é;
“Sois pó e ao pó retornais”,
Assertiva não condizente à alma.
Nem só de alegrias ou de tristezas
Se traçam nossos destinos
Mas de atos cumpridos a fim de que cada amanhã
Um passo melhor do que hoje seja.
Longa é a tarefa e fugaz é o Tempo,
Nosso corações, posto fortes e valentes,
Como tambores surdos ainda tocam
Marchas fúnebres a caminho do túmulo.
Que no amplo campo de batalhas do mundo
No bivaque da vida,
Não sejais gado inerte e submisso!
Um herói sede na luta!
Ainda que promissor, no Futuro não confieis!
Deixai que o Passado morto os que se foram sepulte!
Agi – no Presente em vida, agi!
Com o coração aberto e com Deus no Alto!
Recordar nos fazem todos os grandes homens
Que podemos tornar sublimes nossas vidas;
E, na despedida, deixar devemos
Nas areias do tempo nossas marcas –
Marcas que, quiçá, um outro ser,
Da vida velejando sobre o mar solene,
Um irmão, náufrago à deriva,
Avistando-as, a esperança há de reaver.
Em alerta e em ação permaneçamos sempre.
Com o coração a qualquer situação pronto
Alcançar procurando, perseguindo sempre,
A lutar e a esperar aprendei.
Henry Longfellow
(Tradução de Cunha e Silva Filho)
Que um sonho vazio seja a vida!
Pois morta é a alma que adormece
E as aparências enganosas são.
Genuína, a vida! Vida, coisa séria!
O fim último o túmulo não é;
“Sois pó e ao pó retornais”,
Assertiva não condizente à alma.
Nem só de alegrias ou de tristezas
Se traçam nossos destinos
Mas de atos cumpridos a fim de que cada amanhã
Um passo melhor do que hoje seja.
Longa é a tarefa e fugaz é o Tempo,
Nosso corações, posto fortes e valentes,
Como tambores surdos ainda tocam
Marchas fúnebres a caminho do túmulo.
Que no amplo campo de batalhas do mundo
No bivaque da vida,
Não sejais gado inerte e submisso!
Um herói sede na luta!
Ainda que promissor, no Futuro não confieis!
Deixai que o Passado morto os que se foram sepulte!
Agi – no Presente em vida, agi!
Com o coração aberto e com Deus no Alto!
Recordar nos fazem todos os grandes homens
Que podemos tornar sublimes nossas vidas;
E, na despedida, deixar devemos
Nas areias do tempo nossas marcas –
Marcas que, quiçá, um outro ser,
Da vida velejando sobre o mar solene,
Um irmão, náufrago à deriva,
Avistando-as, a esperança há de reaver.
Em alerta e em ação permaneçamos sempre.
Com o coração a qualquer situação pronto
Alcançar procurando, perseguindo sempre,
A lutar e a esperar aprendei.
Henry Longfellow
(Tradução de Cunha e Silva Filho)
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Henry Wadsworth Longfellow
- 'Presente vivo' -
Viver
é conjugação diária
do presente.
Viver
é presentear.
Mais do que um jeito de doer
é um modo de doar.
E um presente
mais que um objeto
é o elo entre dois olhos
a floração do gesto
o prateado evento
e o cristalino afeto.
Não se dá
apenas pelo prazer
de ver
o outro receber.
Dá-se
para que o outro
entre-abrindo-se ao presente
também dê.
Sant'Anna, Affonso Romano, 1935-
Poesia reunida: 1965-1999/Affonso Romano Sant'Anna.-- Porto Alegre:L&PM,2004.
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Affonso Romano de Sant'Anna
Procuro uma alegria
uma mala vazia
do final de ano
e eis que tenho na mão
- flor do cotidiano -
é vôo de um pássaro
é uma canção.
Carlos Drummond de Andrade
Dezembro de 1968
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Carlos Drummond de Andrade
sexta-feira, 21 de dezembro de 2012
''Ponto de fuga''
Fitam-me olhos de folhagens
molhados de chuva no jardim.
Não sei se me dizem algo
ou se trago carências de um sim.
Se imagem é degredo, ignoro –
tão míope o infinito
onde paralelas haverão de se unir.
Fernando Campanella
quinta-feira, 20 de dezembro de 2012
Excerto do nº 3 - Livro do Desassossego -
[...] Nessas horas lentas e vazias, sobe-me da alma à mente uma
tristeza de todo o ser, a amargura de tudo ser ao mesmo tempo uma
sensação minha e uma coisa externa, que não está em meu poder alterar.
Ah, quantas vezes os meus próprios sonhos se me erguem em coisas, não
para me substituírem a realidade, mas para se me confessarem seus pares
em eu os não querer, em me surgirem de
fora, como o elétrico que dá a volta na curva extrema da rua, ou a voz
do apregoador noturno, de não sei que coisa, que se destaca, toada
árabe, como um repuxo súbito, da monotonia do entardecer![...]
Do Livro do Desassossego
Bernardo Soares
(Fernando Pessoa)
Do Livro do Desassossego
Bernardo Soares
(Fernando Pessoa)
quinta-feira, 13 de dezembro de 2012
''TEMPO''
Tempo essência do Espaço eterno. Tempo - fio
Da vida, mas que enleia a vida e a morte agoura,
Ligando o que hoje cria à destruição vindoura:
Cada berço nascente a um túmulo vazio!
Ilude se é veloz, engana se é tardio,
Porque só se lhe altera a força imorredoura,
Quando encanece o campo ou quando o campo aloura,
Causando o outono, o inverno, a primavera e o estio.
Transforma as cousas: cerra um astro e outro descerra.
Mas, sem que a vida enerve e sem que a morte afoite,
Mantém a coexistência orgânica da Terra.
Desvenda, aos poucos, tudo o que o mistério acoite.
E ao Sol sempre cingindo o mundo, o mundo encerra
No eterno ciclo - a aurora, o dia, a tarde, a noite.
Luís Carlos
de Columnas -(1920)
(p. 21.)
Ilude se é veloz, engana se é tardio,
Porque só se lhe altera a força imorredoura,
Quando encanece o campo ou quando o campo aloura,
Causando o outono, o inverno, a primavera e o estio.
Transforma as cousas: cerra um astro e outro descerra.
Mas, sem que a vida enerve e sem que a morte afoite,
Mantém a coexistência orgânica da Terra.
Desvenda, aos poucos, tudo o que o mistério acoite.
E ao Sol sempre cingindo o mundo, o mundo encerra
No eterno ciclo - a aurora, o dia, a tarde, a noite.
Luís Carlos
de Columnas -(1920)
(p. 21.)
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Luís Carlos da Fonseca Monteiro de Barros
"AH!"
Ah se pelo menos o pensamento não sangrasse!
Ah se pelo menos o coração não tivesse
[memória!
Como seria menos linda e mais suave
minha história!
Antonio Carlos F. de Brito - Cacaso
In ‘Lero-lero’ (2002)
In ‘Lero-lero’ (2002)
''Poema de passar o domingo.''
Num sol sem angustias
esquento a pele
abro os poros
abro as portas
entro eu e o sol
seus raios
expulsando o escuro
e abrindo a casa
aos meus passos de volta
e aos passos incipientes
do domingo
há poeira nos móveis
limpados a pouco
em suas curvas
há poeira em meus olhos
cerrados pela clara imposição
do sol, seus raios
pela fuga das sombras
caminho para dentro
enquanto o domingo
desenrola sua teia sobre
as costas indecisas deste vate
sobre os ombros impacientes do dia...
Georgio Rios
e abrindo a casa
aos meus passos de volta
e aos passos incipientes
do domingo
há poeira nos móveis
limpados a pouco
em suas curvas
há poeira em meus olhos
cerrados pela clara imposição
do sol, seus raios
pela fuga das sombras
caminho para dentro
enquanto o domingo
desenrola sua teia sobre
as costas indecisas deste vate
sobre os ombros impacientes do dia...
Georgio Rios
''ENTRE O SEMPRE E O NUNCA''
Entre o sempre e o nunca
é que as coisas acontecem
um segundo sem fôlego
quando menos se espera
o mundo transforma-se
afundado em si próprio
sete corações abaixo
é que de repente se imagina
uma época em que as pedras
começam a sangrar.
Pia Tafdrup
de Tradução colectiva coordenada por Laureano Silveira
de Ponto de Focagem do Oceano, Quetzal, 2004
o mundo transforma-se
afundado em si próprio
sete corações abaixo
é que de repente se imagina
uma época em que as pedras
começam a sangrar.
Pia Tafdrup
de Tradução colectiva coordenada por Laureano Silveira
de Ponto de Focagem do Oceano, Quetzal, 2004
quinta-feira, 29 de novembro de 2012
''AO SAL''
"Nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria."
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria."
(Pablo Neruda)
Nega-me tua alma –
esta alma, mesma, que me furtas
e é ao degredo irremediável
que me remetes.
Nega-me tua chama
que arde no delírio dos deuses,
teu anjo, que ressona na fluidez dos lagos,
tuas asas desdobradas,
nega-me, nega-me tua espuma
que regurgita no sonho das aves
(eu sou o teu infante pássaro)
e é sem minhas fontes que me deixas,
sem meu ar extasiado.
Nega-me teu mar, tua tempestade,
o sonho e a fantasia,
e me deixas ao relento, ao sal amargo
de cada dia.
Nega-me teu olhos e já não me atento
que a felicidade embora utopia das sombras
é também certa luz incidente
que só de teu olhar
meus olhos como cúmplices pressentem.
Fernando Campanella
segunda-feira, 19 de novembro de 2012
''PRECE''
Eu queria cantar o mundo,
com voz bem afinada,
e fazer ressoar meu canto
em cada canto,
em cada estrada.
Eu queria tocar qualquer instrumento,
que vertesse som,
que fluísse música com harmonia
e fazer cada corpo vibrar
ao compasso da minha melodia.
Eu queria ser pintor,
espalhar cores, muitas cores,
manchar telas com habilidade,
retratar a natureza, os sentimentos,
alegrar olhos e almas
e transmitir paz, serenidade.
Eu pedi a Deus tudo isso,
pois queria enternecer corações,
encher a vida de alegria,
colorir pensamentos
e despertar emoções...
Antes mesmo de nascer,
eu pedi para ser esteta...
Ah! como eu pedi a Deus!...
Pedi tanto, tanto,
que Deus me fez poeta.
Adélia Maria Woellner
domingo, 11 de novembro de 2012
''POR AÍ ALÉM''
Deixa um momento o asfalto, vem comigo,
entre jogos de sombra e claridade
conhecer a cintura da cidade.
Respira a plenitude do silêncio
destes montes e montes sucessivos
que ignoram a dor dos seres vivos.
Mergulha no mistério vegetal
da mata exuberante, onde as lianas
e as bromélias se calam, soberanas.
E na imobilidade do saveiro
diante da igrejinha, vai sentindo
o que é doçura e paz na hora fluindo.
Carlos Drummond de Andrade
in ‘Poesia Errante ‘
''ACORDAR, VIVER''
Como acordar sem sofrimento?
Recomeçar sem horror?
O sono transportou-me
àquele reino onde não existe vida
e eu quedo inerte sem paixão.
Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,
a fábula inconclusa,
suportar a semelhança das coisas ásperas
de amanhã com as coisas ásperas de hoje?
Como proteger-me das feridas
que rasga em mim o acontecimento,
qualquer acontecimento
que lembra a Terra e sua púrpura
demente?
E mais aquela ferida que me inflijo
a cada hora, algoz
do inocente que não sou?
Ninguém pode, a vida é pétrea.
Carlos Drummond de Andrade.
In 'Poesia Completa'
e eu quedo inerte sem paixão.
Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,
a fábula inconclusa,
suportar a semelhança das coisas ásperas
de amanhã com as coisas ásperas de hoje?
Como proteger-me das feridas
que rasga em mim o acontecimento,
qualquer acontecimento
que lembra a Terra e sua púrpura
demente?
E mais aquela ferida que me inflijo
a cada hora, algoz
do inocente que não sou?
Ninguém pode, a vida é pétrea.
Carlos Drummond de Andrade.
In 'Poesia Completa'
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Carlos Drummond de Andrade
''A PALAVRA''
Já não quero dicionários
consultados em vão.
Quero só a palavra
consultados em vão.
Quero só a palavra
que nunca estará neles
nem se pode inventar.
Que resumiria o mundo
e o substituiria.
Mais sol do que o sol,
dentro da qual vivêssemos
todos em comunhão,
mudos,
saboreando-a.
Carlos Drummond de Andrade,
in 'A Paixão Medida'
nem se pode inventar.
Que resumiria o mundo
e o substituiria.
Mais sol do que o sol,
dentro da qual vivêssemos
todos em comunhão,
mudos,
saboreando-a.
Carlos Drummond de Andrade,
in 'A Paixão Medida'
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Carlos Drummond de Andrade
''QUALQUER TEMPO''
Qualquer tempo é tempo.
A hora mesma da morte
é hora de nascer.
Nenhum tempo é tempo
bastante para a ciência
de ver, rever.
Tempo, contratempo
anulam-se, mas o sonho
resta, de viver.
Carlos Drummond de Andrade,
in 'A Falta que Ama'
Marcadores:
Carlos Drummond de Andrade
''A vida tem cores''
A vida tem cores
nas cores da vida,
em aquarela tingida
...desenha luz e som!
...desenha luz e som!
A vida tem cores
no beijo dos pássaros,
num adeus sem perfumes
... no pólen das flores!
A vida tem cores
numa palavra amarga,
num céu muito amplo
... presença que tarda!
A vida tem cores
num abraço amoroso,
num sorriso que chega
... num crepúsculo choroso!
A vida tem cores
nos sonhos vividos,
nos mares inquietos
... encontros perdidos!
A vida tem muitas e muitas cores,
as que ninguém pode ver,
quando minh'alma chora e ri
pela felicidade
que eu posso conter!
A vida tem cores
mesmo num coração morto!
Alvina Tzovenos
In Sonhos e Vivencias
no beijo dos pássaros,
num adeus sem perfumes
... no pólen das flores!
A vida tem cores
numa palavra amarga,
num céu muito amplo
... presença que tarda!
A vida tem cores
num abraço amoroso,
num sorriso que chega
... num crepúsculo choroso!
A vida tem cores
nos sonhos vividos,
nos mares inquietos
... encontros perdidos!
A vida tem muitas e muitas cores,
as que ninguém pode ver,
quando minh'alma chora e ri
pela felicidade
que eu posso conter!
A vida tem cores
mesmo num coração morto!
Alvina Tzovenos
In Sonhos e Vivencias
sexta-feira, 2 de novembro de 2012
''AERODINÂMICA''
A tarde às vezes me convida
para um exílio nos campos
para um exílio nos campos
entre contornos de montes
ante o silêncio de uma ermida.
A uma luz inclinada
por um certo sopro de outono
às vezes a tarde me quer voo
em transparências de azul
por entre as nuvens à deriva.
A tarde, soberana, irreverente,
se esquece às vezes
que não tenho o descompromisso
das aves, que sou gente.
(Fernando Campanella
ante o silêncio de uma ermida.
A uma luz inclinada
por um certo sopro de outono
às vezes a tarde me quer voo
em transparências de azul
por entre as nuvens à deriva.
A tarde, soberana, irreverente,
se esquece às vezes
que não tenho o descompromisso
das aves, que sou gente.
(Fernando Campanella
''MEMORIAL''
Aqueles túmulos me contam
que meus mortos vivem comigo,
que apenas deixaram invólucros
por algum tronco, suas vestes
que meus mortos vivem comigo,
que apenas deixaram invólucros
por algum tronco, suas vestes
ao esquecimento da estrada.
Um dia cantaremos também,
na memória, como as cigarras.
Fernando Campanella
(Fotografia de Fernando Campanella)
Um dia cantaremos também,
na memória, como as cigarras.
Fernando Campanella
(Fotografia de Fernando Campanella)
domingo, 28 de outubro de 2012
''Soneto da porta''
Quem bate à minha porta não me busca.
Procura sempre aquele que não sou
e, vulto imóvel atrás de qualquer muro,
é meu sósia ou meu clone, em mim oculto.
Que saiba quem me busca e não me encontra:
sou aquele que está além de mim,
sombra que bebe o sol, angra e laguna
unidos na quimera do horizonte.
Sempre andei me buscando e não me achei:
E ao pôr-do-sol, enquanto espero a vinda
da luz perdida de uma estrela morta,
sinto saudades do que nunca fui,
do que deixei de ser, do que sonhei
e se escondeu de mim atrás da porta.
Ledo Ivo
de "Plenilúnio".
In: Poesia completa (1940-2004)
quinta-feira, 25 de outubro de 2012
''MENSAGEM''
Onde estiveres, além do arco-íris,
do mundo e das estrelas e até do
infinito se ele finito fosse.
No meu imaginário encontrei-me contigo,
parece até que o tempo está no mesmo ponto.
Que pena não poder te enlaçar, que castigo,
teu cheiro não sentir, porém, ouve este conto.
Quase nada mudou, pássaros cantam iguais,
as guerras continuam e há vírus mortais.
Aumenta a estupidez com raras exceções,
sempre buscando o ser ilusões e emoções.
As condutas humanas ainda são banais,
morre-se por tolices em ações bestiais.
Por sua perfeição a mulher não mudou,
sofrendo por amar ou porque não amou.
Cantos de parabéns nas festas continuam,
as modas vão e voltam e os desejos flutuam.
A juventude acha que domina a história,
porém todos se vão, apenas uns com glória.
Walter Dimestein
No meu imaginário encontrei-me contigo,
parece até que o tempo está no mesmo ponto.
Que pena não poder te enlaçar, que castigo,
teu cheiro não sentir, porém, ouve este conto.
Quase nada mudou, pássaros cantam iguais,
as guerras continuam e há vírus mortais.
Aumenta a estupidez com raras exceções,
sempre buscando o ser ilusões e emoções.
As condutas humanas ainda são banais,
morre-se por tolices em ações bestiais.
Por sua perfeição a mulher não mudou,
sofrendo por amar ou porque não amou.
Cantos de parabéns nas festas continuam,
as modas vão e voltam e os desejos flutuam.
A juventude acha que domina a história,
porém todos se vão, apenas uns com glória.
Walter Dimestein
Homenagem ao médico e poeta pernambucano, Walter Dimenstein,
(16.12.1924 / 25.10.2009).
(16.12.1924 / 25.10.2009).
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