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segunda-feira, 15 de junho de 2015
MINUETE
O minuete das flores vai começar.
Ha uma rosa vermelha que balouça, balouça,
em reverência a um lírio.
Tocam os grilos escondidinhos para a quadrilha.
Há um crisântemo crespo muito orgulhoso,
e sua corola parece que gira.
Ele dança imóvel — consigo mesmo...
As folhas secas também valsam,
— realejo ao vento —
valsam remoinhos silenciosos,
— folhas ingênuas — baile de pobres...
Dançam as flores, dançam perfumes na minha alma.
0 minuete das mágoas vai começar.
Minha alma não dança com as outras almas:
— dança imóvel — consigo mesma...
Augusto Mayer
em Poemas de Bilú
quinta-feira, 24 de outubro de 2013
''SONETOS GÊMEOS''
I
Gota de luz no cálice de agosto,
Sabe a lúcida calma o desengano.
Em vão devora o tempo o mês e ao ano:
Vindima é a vida, vinho me é o sol-posto.
Cobre-se o vale de um rubor humano.
Um beijo solto voa no ar, um gosto
De uva madura, um aroma de mosto
Desce da rubra luz do céu serrano.
Vem, noite grave. E assim chegasse o outono
Meu, tão sutil e manso como agora
Mesmo subiu a sombra serra acima...
Tudo se apague e a hora esqueça a hora,
Que só do sonho eu vivo, e grato é o sono
A quem provou seu dia de vindima.
II
A quem provou seu dia de vindima
Votado ao outro lado, ao eco, ao nada,
Grata é a sombra mais longa e o fim da estrada
Começo de um descer, que é mais acima.
Grave, de uma tristeza inconsolada
Mas fiel, a minha sombra é a minha rima.
Princípio de um além que se aproxima
É o fim, talvez limiar de outra morada.
Gosto amargo e tão doce de ter sido
Poroso a tudo, alma aberta às auroras
Que hão de nascer, e ao lembrado e esquecido!
Saudade! mas saudade em que não choras
Senão cantando, o próprio mal vivido...
Que as horas voltem sempre, as mesmas horas!
Augusto Meyer
[Tela by Nita Engle]
quarta-feira, 17 de junho de 2009
ELEGIA DE MAIO
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Longo, lento, infindável o crepúsculo.
Na larga enseada uma tinta imprecisa
antes do lusco-fusco
insinua-se em tudo, esmaiada.
Corre um brusco arrepio de brisa,
encrespa-se de leve a água vidrada.
Difuso em tudo, o ouro da luz de outono
resiste, como a clara
recordação de um longo dia pára
e ainda hesita, antes da noite e o sono.
Escurecer que é quase amanhecer...
Um não sei quê de claridade escura
diluído em tudo, em tudo arde e perdura:
já é quase noite o longo dia
e a noite espera e sonha: ainda é dia.
Lá no alto, o adeus da tarde que ficou...
É dia ainda, o sol acorda agora
no largo oceano o sono de outra aurora,
mas derrama no seio do meu rio
todo o ouro do dia que passou.
Serena esta luz de ouro em meu outono:
recordação, antes do grande sono...
Augusto Meyer
in Poesias, 1957
(Rio Grande do Sul)
terça-feira, 16 de junho de 2009
POETA
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Deixa cair todo este orvalho puro
sobre os teus ombros doloridos.
Vê como é suave a terra:
mesmo nos galhos mais bruscos,
olha: há carícias amigas.
Tudo é mais coração, porque és mais coração.
Orvalho... Orvalho... Parece
que em tua vida alguma cousa amadurece.
Deixa cair, deixa rolar teu poema
como um fruto maduro, pelo chão.
Augusto Meyer
in Coração Verde
sábado, 13 de setembro de 2008
"Elegia para Marcel Proust"
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Aléia de bambus, verde ogiva
recortada no azul da tarde mansa,
o ouro do sol treme na areia da alameda
farfalham folhas, borboletas florescem.
Portão de sombra em plena luz.
Gemem as lisas taquaras como frautas folhudas
onde o vento imita o mar.
Marcel, menino mimoso, estou contigo, Proust:
vejo melhor a amêndoa negra dos teus olhos.
Transparência de uma longa vigília,
imagino as tuas mãos
como dois pássaros pousados na penumbra.
Escuta - a vida avança, avança e morre...
Prender a onda que franjava a areia loura de Balbec?
Cetim róseo das macieiras no azul.
Flora carnal das raparigas passeando à beira-mar.
Bruma esfuminho Paris pela vidraça
Intermitências chuva e sol ‘Le temps perdu.’
Marcel Proust, diagrama vivo sepultado na alcova.
O teu quarto era maior que o mundo:
Cabia nele outro mundo...
Fecho o teu livro doloroso nesta calma tropical
como quem fecha leve, leve, a asa de um cortinado
sobre o sono de um menino...
Augusto Meyer
(1902/1970)
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