A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

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segunda-feira, 17 de agosto de 2009

E N F A D O



Há dias em que o corpo se dilui
na multidão amorfa de suas células
e os filetes da sensibilidade amortecida
perdem contato com outras vidas outros corpos
outros seres,
o cogumelo do enfado emergindo
do fundo das estranhas
como parasita das sombras.


Ser só na dispersão de si,
mancha de óleo se alongando
lentamente lentamente
sobre águas mortas de uma lagoa,
arvore reduzida a filigranas tênues de raízes
esparramadas pelos estratos superficiais
da terra gorda.


Ser só eu-espaço deliqüescente,
no tédio morno do tempo
plúmbeo
parado.



Miguel Reale
In: Poemas do Amor e do Tempo

terça-feira, 24 de março de 2009

O Mar



O que me atrai no mar não é o mistério
Da superfície côncava das águas
Mas a infindável rumorosa fala
Que do pélago rola até as praias.

Só o céu está à altura de seu diálogo
E no horizonte ambos se confundem:
Uma mensagem chega em cada vaga,
Do infinito um chamado para os homens.

E, assim, te escuto, ó mar, perdidamente
Procurando captar o ensinamento,
Que se faz e desfaz cada momento

Na unidade de teu espelho ingente,
Por mais que teus segredos nos escondas
Na conversa dinâmica das ondas.


Miguel Reale

O Eu



Abismo em que me perco todo dia
Sempre à procura de meu ser disperso,
Reflexo do que passa pelo céu
Ou espelho exposto a todas as figuras.

Um centro vivo ou então periferia
Às vezes emergindo outras imerso
No que é dos outros ou no que é meu,
Dando sentido e nome às criaturas.

Barco perdido em meio à correnteza
Ou bússola marcando os horizontes,
Um sair e volver eternamente,

Novelo intumescido de incerteza
As chãs planícies e elevados montes,
Virtualidades todas da semente.

Miguel Reale

Muro final



Que pretensão de sermos uma ponte
entrelaçando gerações!
Que ilusão de sermos segmento
da sonhada trajetória!
Talvez sejamos contas de um rosário
de amor e morte
que os dedos trêmulos desfiam,
mal chegando até os lábios frios
o reprimido impulso de uma prece.
Com a saudade dos entes que perdemos
vamos tecendo os fios da existência
e de repente damos conta disso
como quem surpreende a própria idade
nas rugas ou nas mãos de um velho amigo.
Vivemos e, quanto mais os anos passam,
mais nosso ser é o ser dos encantados,
até chegarmos, peregrinos cegos,
junto ao muro das lágrimas iguais.


Miguel Reale
São Paulo(1910-2006)