A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

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quarta-feira, 26 de setembro de 2012

''Fui eu''


(Tela de Emile Munier)
 
Fui eu essa menina que me espia
- melancólico olhar, sereno rosto,
postura fixa e o todo bem composto -
no retrato que o tempo desafia.
Fui eu na minha infância fugidia
de prazeres ingênuos, e o desgosto
de sentir tão efêmera a alegria
bem depressa trocada em seu oposto.
Fui eu, sim; mas o tempo que perpassa
e tudo altera nem sequer deixou
um grão de infância feito esmola escassa.
Fui eu: e na figura só ficou
o olhar desenganado, na fumaça
em que a criança inteira se mudou.

Fernando Py
in '70 poemas escolhidos'
 

sábado, 12 de setembro de 2009

"BECO"



Que se passa naquele beco
onde nunca estive?
Vislumbro o muro de passagem:
sombras, manchas, rastros
de existência.

Quem o habita, se é que o habita
alguém, se é que o beco
existe como existem
seres e coisas que vejo?

Quem derrama nesse recanto do universo
o sinal de vida, a marca indelével
da matéria organizada?

O que existe fora do meu
alcança de vista? Quem brinca
de esconder quando relembro
o muro caiado, a rua esquecida?

O que não vejo, pressinto:
existe mesmo ou é extinto
para mim, ignorado
como esse beco aonde nunca fui?


Fernando Py
in '70 Poemas Escolhidos'

sábado, 24 de maio de 2008

"Sextina 2"




A vida me anoitece
de sofrê-la no açoite
e vivê-la vazio
da beleza que a tece
— mudo me faço e noite
cego surdo e sombrio.

O futuro é sombrio
quando a alma anoitece
e me engolfo na noite
e me entrego ao açoite
— voltas que a vida tece
nesse abismo vazio.

De coração vazio
escondo-me em sombrio
casulo que me tece
a vida que anoitece
a alma ao pleno açoite
que me oferece a noite.

Faço-me a própria noite
e em minh'alma o vazio
silêncio lembra o açoite
latejante sombrio
da idade que anoitece
— fiação que me tece.

Pois tudo que me tece
lembra a pedra da noite
no peito que anoitece
— a alma sente o vazio
desse peso sombrio
à maneira de açoite.

Claro nítido açoite
é o que a vida me tece
extraindo o sombrio
refugo dessa noite
— deixa na alma o vazio
do corpo que anoitece.

Este açoite anoitece
e me tece vazio
no sombrio da noite.


Fernando Py