A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

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sábado, 21 de fevereiro de 2009

'Pela noite à eterna dor se chega'




Pela noite à eterna dor se chega
cruel é a terra, diversa terra
quando teu rosto se esvai
e a névoa com voz de pranto
cai jamais leve sobre nós.

De breve uso, cresce no peito
uma tímida pálida alegria
precioso corpo luz, borboleta
de asas nítidas e tranquilas
que vigia o coração dos mortos.

Diz-me secretas brandas palavras
porque sou refúgio e escombro
de um vasto dia, áspero exílio
nas suaves sílabas de precisos
e curvos juncos, clarão sem sol.

Desce então pelo fulgor da luz
espírito suspenso em minhas mãos.
A espera é movimento cego.
Desce, sonâmbulo, extenso amor.


Ana Marques Gastão
In ‘Noturnos’ (2002)

domingo, 2 de setembro de 2007

"DEIXA-ME DORMIR"




Deixa-me dormir
quando
morre a noite.
Assim o amor
será absoluto
sacrifício
impassível sangue
árido prazer.

Deixa-me dormir
quando
morre a noite.
Assim o amor
guardará
uma grega ilusão
de sonho
e embriaguez.

Deixa-me dormir
quando
morre a noite.
Assim o amor
terá merecido
a dor, veloz,
insustentável
e imoderada.

Deixa-me dormir
quando
morre a noite.
Assim o amor
dir-nos-á
sois abandonados
cristos
na boca de deus.

Ana Marques Gastão
in «Nocturnos», Lisboa, Gótica 2002