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sábado, 16 de maio de 2009
O devanear de um Cético
Tout corps som ombre et tout
esprit son doute. (V. Hugo)
(excerto)
Virá a morte com as mãos geladas
Quebrar um dia esse terrível selo,
Que a meus olhos esconde tanto arcanos?
...............................................................
Ó campa! - atra barreira inexorável
Entre a vida e a morte levantada!
Ó campa, que mistérios insondáveis
Em teu escuro seio muda encerras?
És tu acaso o pórtico do Elísio,
Que nos franqueias as regiões sublimes
Que a luz da verdade eterna brilha?
Ou és do nada a fauce tenebrosa,
Onde a morte pra sempre nos arroja
Em um sono sem fim adormecidos!
Oh! quem pudera levantar afouto
Um canto ao menos desse véu tremendo
Que encobre a enternidade...
Mas debalde
Interrogo o sepulcro - e o debruçado
Sobre a voragem tétrica e profunda,
Onde as extintas gerações baqueiam,
Inclino o ouvido, a ver se um eco ao menos
Das margens do infinito me responde!
Mas o silêncio que nas campas reina,
É como o nada - fúnebre e profundo...
...............................................................
Se ao menos eu soubesse que co'a vida
Terminariam tantas incertezas,
Embora os olhos meus além da campa,
Em vez de abrir-se para a luz perene,
Fossem na eterna escuridão do nada
Para sempre apagar-se... - mas quem sabe?
Quem sabe se depois desta existência
Renascerei - pra duvidar ainda?!...
Bernardo Guimarães
excerto de 'Canto da solidão'
Ilusão
Vê, que painel formoso a tarde borda
Na brilhante alcatifa do ocidente!
As nuvens em fantásticos relevos
Aos olhos fingem, que inda além da terra
Novo horizonte infindo se prolonga,
Onde lindas paisagens se desenham
Descomunais, perdendo-se no vago
De vaporosos longes
Lagos banhados de reflexos d'ouro,
Onde se espelham gigantescas fábricas;
Solitárias encostas, onde avultam
Aqui e além ruínas pitorescas,
Agrestes brenhas, serranias broncas,
Pendentes alcantis, agudos píncaros,
Fendendo um lindo céu de azul e rosas;
Fontes, cascatas, deleitosos parques,
Encantadas cidades quais só pode
Criar condão de fadas,
Surdem do vale, entre vapor brilhante,
Com a fronte coroada de mil torres,
De esguios coruchéus, de vastas cúpulas;
E além ainda mil aéreas formas,
Mil vagas perspectivas se debuxam,
Que por longes sem fim se vão perdendo!
Todo enlevado na ilusão donosa
Longo tempo meus olhos espaireço
Porém do céu as cores já desbotam,
Os fulgores se extinguem, se esvaecem
As fantásticas formas vem de manso
A noite desdobrando o véu das sombras
Sobre o aéreo painel maravilhoso;
Apenas pelas orlas do horizonte
Bruxuleia através da escuridade
O crespo dorso dos opacos montes,
E sobre eles fulgindo merencória,
Suspensa, como pálida lucerna,
A solitária estrela do crepúsculo.
Assim vos apagais em sombra escura,
Ledas visões da quadra dos amores!...
Lá vem na vida um tempo
Em que a um sopro gélido se extingue
A fantasia ardente,
Esse sol puro da manhã dos anos,
Que doura-nos as nuvens da existência,
E mostra além, pelo porvir brilhando,
Um céu formoso e rico de esperança;
E esses puros bens, que a mente ilusa
Cismara em tanto amor, tanto mistério,
Lá vão sumir-se um dia
Nas tristes sombras da realidade;
E de tudo que foi, conosco fica,
No fim dos tempos, a saudade apenas,
Triste fanal, brilhando entre ruínas!
Bernardo Guimarães
terça-feira, 3 de março de 2009
Prelúdio
Neste alaúde, que a saudade afina,
Apraz-me às vezes decantar lembranças
De um tempo mais ditoso;
De um tempo em que entre sonhos de ventura
Minha alma repousava adormecida
Nos braços da esperança.
Eu amo essas lembranças, como o cisne
Ama seu lago azul, ou como a pomba
Do bosque as sombras ama.
Eu amo essas lembranças; deixam n'alma
Um quê de vago e triste, que mitiga
Da vida os amargores.
Assim de um belo dia, que esvaiu-se,
Longo tempo nas margens do ocidente
Repousa a luz saudosa.
Eu amo essas lembranças; são grinaldas
Que o prazer desfolhou, murchas relíquias
De esplêndido festim;
Tristes flores sem viço! - mas um resto
Inda conservam do suave aroma
Que outrora enfeitiçou-nos.
Quando o presente corre árido e triste,
E no céu do porvir pairam sinistras
As nuvens da incerteza,
Só no passado doce abrigo achamos
E nos apraz fitar saudosos olhos
Na senda decorrida;
Assim de novo um pouco se respira
Uma aura das venturas já fruídas,
Assim revive ainda
O coração que angústias já murcharam,
Bem como a flor ceifada em vasos d'água
Revive alguns instantes.
Bernardo Guimarães
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