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segunda-feira, abril 21, 2014

Histórias do Planeta da Bola (3)... O pontapé de saída de uma paixão centenária

Imagem histórica do primeiro jogo
da seleção brasileira
No que a futebol diz respeito, 2014 afigura-se como um ano que ficará gravado a letras de ouro na história do Brasil. Uma previsão extraída não só pelo facto da nação sul-americana acolher o evento desportivo de maior cartaz nos dias de hoje, vulgo, o Campeonato do Mundo da FIFA - e a ele aliado o facto de o poderem vencer - mas também pela constatação de que neste ano são comemorados 100 anos em torno de uma paixão internacional chamada... seleção. Internacional, sim, já que com o passar dos anos a seleção brasileira seduziu centenas de milhares de adeptos um pouco por todo o planeta da bola. Bom, a bordo da máquina do tempo viajamos até 1914, ano em que o futebol passa a ser tutelado de uma forma mais séria por um país que com ele havia travado conhecimento precisamente 30 anos antes (1894), no dia em que o jovem Charles Miller regressa de Inglaterra - país para onde havia ido estudar - com uma bola debaixo do braço. A partir daquele dia nada voltou a ser como dantes em terras de Vera Cruz. E em 1914 o futebol começou a ser tutelado de forma mais séria graças à fundação da Federação Brasileira de Sports, o primeiro órgão que geriu, por assim dizer, a popular modalidade. E seria pois este novo órgão o responsável pela criação nesse ano do primeiro combinado que representou as cores do Brasil numa partida de cariz internacional.
O histórico onze brasileiro composto por: Píndaro, Marcos, e Nery (fila de cima);
Sylvio Lagreca, Rubens Salles, e Rolando (fila do meio); Osvaldo Gomes,
Abelardo, Friedenreich, Osman, e Formiga

A efeméride deu-se então a 21 de julho desse longínquo 1914, o dia em que nasceu a seleção! O berço foi a Cidade Maravilhosa, o mesmo é dizer Rio de Janeiro, mais concretamente o Estádio das Laranjeiras - na altura ainda inacabado, isto é, sem bancadas, já que somente em 1919 seria concluído com o intuito de acolher a terceira edição do Campeonato Sul-Americano. O adversário do primeiro onze nacional brasileiro foi o Exeter City, team profissional inglês que à última da hora - ao que parece - resolve extender uma digressão pela Argentina até ao Rio de Janeiro, onde seriam agendados três encontros, um ante uma equipa de ingleses que viviam na cidade, outro diante de um clube local - presume-se que o Fluminense - e por fim um duelo contra um grupo composto pelos melhores jogadores da época das duas maiores cidades do país, São Paulo e o Rio de Janeiro, que juntos formaram então a primeira seleção brasileira.
Orientada sob o ponto de vista técnico por dois desses onze craques nacionais, nomeadamente Sylvio Lagreca e Rubens Salles, a seleção venceria os profissionais ingleses por 2-0, graças a golos de Oswaldo Gomes, e Osman, que levaram ao delírio um grupo de cerca de 3000 adeptos, que de pé, em volta do retângulo de jogo, bem aperaltados - reza a lenda que os torcedores tiraram dos armários os seus melhores fatos para ver jogar os mestres ingleses, os inventores do futebol moderno - presenciaram um momento histórico. Quanto ao jogo em si, e ainda de acordo com os poucos relatos da época, a técnica brasileira levou a melhor sobre a dureza britânica, sendo que uma das principais estrelas do team da casa, Arthur Friedenreich, chegou mesmo a perder dois dentes (!) após uma entrada violenta de um defensor europeu.


Brasileiros tentam chegar ao gol...
Os melhores momentos desse histórico momento foram eternizados - de forma quase telegráfica (!) - pelo jornal carioca Correio da Manhã, os quais passamos a transcrever na integra: O "toss" foi favorável ao "team" local, que escolhe o lado favorável ao sol, do lado direito das arquibancadas. Nos primeiros cinco minutos, o jogo fica preso no meio de campo, sem vantagem aparente para nenhuma das equipes. O goleiro brasileiro Marcos faz defesa fácil. É o primeiro chute a gol da partida. Pouco depois, Lagreca comete o primeiro "corner" do "match". O público fica apreensivo, afinal os profissionais do Exeter City são exímios batedores de "corner". Marcos faz ótima defesa "shootando" a "esphera" dos pés dos atacantes da ala esquerda profissional. Nova "bella" defesa do grande "keeper" brasileiro, que mostra não estar disposto a vender barato o "goal" dos profissionais. Os brasileiros começam a atacar com mais constância e se aproximam das últimas linhas adversárias. Xavier dá um "centro" rasteiro, que passa diante do "goal" adversário, sem que Abelardo, bem colocado, se aproveitasse dele. Mais um "corner" é marcado contra os brasileiros após perigoso ataque de Hunter. No entanto, Marcos faz outra linda defesa. O goleiro inglês Loram faz ótima rebatida após o "shoot" de Abelardo. O "match" prossegue ardoroso, brasileiros e ingleses tentam ficar à frente uns dos outro. 


Goleiro Marcos atento a mais uma investida
dos mestres ingleses à sua baliza
O estupendo par de "backs" nacional e Rubens, "pivot" de toda a equipe, tiram o "team" de situações difíceis. Gol de Oswaldo Gomes para o Brasil. Goal! Hurrah! Brasileiros! Após tabela com Osman, Xavier dá belo "centro" para Friedenreich. Ele tenta dar o "shoot", mas é derrubado pelas costas por um "half" profissional. Com o brasileiro no chão, Strettle acerta o "center" patrício no lado esquerdo do rosto. Xavier aproveita e faz uma ótima "puxada" em "centro". Abelardo impede habilmente o "keeper" inglês de aparar a bola, que sobra para Oswaldo carregar no peito e, já dentro do "goal" inimigo, confirma o primeiro ponto brasileiro com um "shoot" que sacode a rede. As arquibancadas tremem de entusiasmo, mas o público, cego pela emoção, não vê Friedenreich estendido no chão, ferido pelo pontapé que errou o alvo. O center é levado por seus patrícios com a cara banhada em sangue. O "manager" do Exeter entra em campo e passa uma esponja molhada no rosto do jogador que, amparado, sai de campo. Quando todos pensavam que terminaríamos a partida com dez defensores, Friedenreich reentra em campo, deixando de lado seu sofrimento físico, com a camisa tinta, o rosto ferido e o olho esquerdo sem poder abrir. O jogo recomeça com ataque dos brasileiros. Os profissionais evidenciam os intentos de desfazer a diferença. Gol de Osman para o Brasil. Goal! Hurrah! Brasileiros! Friedenreich recebe bom passe, aproxima-se do "goal" contrário e, apesar de estar bem colocado para "shootar", prefere entregar a "esphera" para Osman, mais bem situado, que com um violento "shoot", consegue o segundo "goal" brasileiro. O público não sabe mais o que fazer. Chapéus são atirados ao campo em comemoração. 


O team inglês do Exeter City
Revoltados com a arbitragem, Lagan e Fort deixam o campo. Rubens Salles acena para o juiz com a mão pedindo que ele pare a partida. O capitão Rigby corre para buscar seus comandados, que não demoram para voltar a campo. Em novo lance do ataque brasileiro, o "keeper" do Exeter tem dificuldade para defender o "kick" de Abelardo. Ele já tem mais trabalho que o goleiro brasileiro Marcos. Termina a primeira parte do "match" com vantagem brasileira por 2 a 0. Iniciou-se o segundo "half-time"! Friedenreich perde chute cruzado na porta do "goal" adversário. Se o craque estivesse com a vista completa, poderia ter ampliado a vantagem brasileira. Osman avança por sua ala, mas acaba "shootando" para fora da área do "goal" do Exeter. A defesa brasileira se destaca neste "half". O "center-half" Rubens não perde uma defesa. Marcos atira-se sobre os inimigos, arrancando-lhes a "esphera", e jogou-a para os "halves" a três quartos do campo. Os ingleses perdem a paciência com a arbitragem. Lagan, com gestos de braço, ameaça usar meios físicos contra o juiz. Fim de jogo! Brasil vence por 2 a 0 os profissionais do Exeter City! Viva o "sport" brasileiro! Hurrah! Um grupo de cerca de 30 moças esperam Friedenreich, ainda bastante machucado, sair de campo e o abraçam, em um gesto tocante. O povo vibra intensamente com a "heroicidade" praticada pelos seus compatriotas!


A estrela brasileira Friedenreich sai do campo
com... menos dois dentes!
Arbitrado pelo inglês Harry Robinson este encontro nunca foi oficializado pela FIFA, entendendo a entidade que tutela o futebol mundial que assim nunca o foi pelo facto de ter sido jogado contra um clube, e não ante uma seleção!
Há 100 anos atrás este pode até ter sido um jogo banal para o emblema inglês, mas hoje... ele assume contornos de glória e de uma certa vaidade, pois eles foram os primeiros adversários da famosa seleção do Brasil, que nesse dia histórico trajou de camisola branca com mangas azuis, calções brancos, e meias pretas. Eternos são pois os nomes dos onze pioneiros que iniciaram o percurso lendário daquela que para muitos é a seleção mais virtuosa da história do futebol.


Marcos Carneiro de Mendonça: Mais do que ter sido o primeiro homem a defender a baliza da seleção, Marcos foi para muitos o primeiro grande goleiro brasileiro. Viveu na mesma época de lendas como Friedenreich, ou Neco, e com eles rivalizou em termos de pouplaridade. Nasceu no dia de Natal de 1894, em Cataguases (Estado de Minas Gerais), tendo iniciado uma brilhante carreira no Haddock Lobo, em 1907, então popular emblema do famoso bairro carioca da Tijuca que mais tarde viria a fundir-se com o América do Rio. Ao serviço deste clube Marcos venceu o seu primeiro título, o campeonato carioca de 1913, ceptro alcançado contra aquele que viria a ser o emblema da sua vida, o Fluminense. O casamento com o Flu dá-se em 1914, precisamente o ano em que a seleção efetuou o seu primeiro desafio, tendo permanecido nas Laranjeiras (casa do Fluminense) até 1922, ano em que encerrou a carreira. Pelo tricolor carioca atuou em 127 ocasiões e foi por três vezes campeão estadual (1917, 1918, e 1919). Ao serviço do Brasil ele ainda hoje detém o recorde do goleiro mais jovem e vestir a camisola da seleção, facto ocorrido extamente no dia 21 de julho de 1914, quando o Brasil efetuou o seu primeiro jogo. Marcos tinha então 19 anos. Pelo combinado nacional ele iria brilhar noutros episódios da história, como por exemplo em 1919, ano em que o Brasil vence o seu primeiro Campeonato Sul-Americano - hoje demominado de Copa América. Iria repetir a vitória na maior competição de seleções da América do Sul três anos mais tarde, precisamente no ano (1922) em que decidiu parar de jogar, tendo anos mais tarde assumido a presidência do seu Fluminense, cargo que desempenhou com orgulho em simultâneo com o de historiador. Viria a falecer no Rio de Janeiro a 19 de outubro de 1988.


Píndaro de Carvalho: Viveu a sua carreira de jogador entre os dois eternos inimigos do Rio de Janeiro, o Flamengo e o Fluminense. Exibiu-se com destaque ao lado de Nery na zaga brasileira naquela história tarde de 21 de julho de 1914, anulando com classe as investidas dos mestres ingleses à baliza de Marcos. Píndaro de Carvalho Rodrigues nasceu em São Paulo a 1 de junho de 1892, tendo entre 1910 e 1911 vestido a camisola do Fluminense, clube por quem atuou em nove ocasiões. Depois disso mudou-se para o rival Flamengo, onde viria a construir uma pomposa carreira até 1922, altura em que decidiu parar de jogar. Ao serviço do Mengão foi tetra campeão carioca (1914, 1915, 1920, e 1921), sendo que com a seleção viveu a sua maior alegria quando em 1919 foi um dos responsáveis pela conquista do Campeonato Sul-Americano, na sequência de um duelo emocionante - e desgastante - ante o Uruguai, realizado precisamente nas Laranjeiras, onde o combinado nacional brasileiro fez a sua primeira aparição internacional. Como treinador a página mais brilhante da carreira de Píndaro foi escrita em 1930, quando dirigiu a seleção brasileira no primeiro Campeonato do Mundo da FIFA, realizado no Uruguai. Brilhante é modo de dizer, já que a seleção teve uma atuação dececionante, não conseguindo passar da fase de grupos! Nem sempre os bons jogadores dão em bons mestres da tática. Píndaro de Carvalho que o diga. 


Nery: Do Flamengo para a primeira seleção, eis a dupla de defesas composta por Píndaro de Carvalho e Nery. Considerados os defesas mais completos do futebol brasileiro daquele tempo ambos deram boa conta das investidas inglesas ao goal de Marcos naquele lendário dia 21 de julho. Emanuel Augusto Nery nasceu a 25 de dezembro de 1892 no Rio de Janeiro, e tal como o seu parceiro de zaga, Píndaro de Carvalho, começou a sua carreira em 1910, no Fluminense, onde apenas - e à semelhança de Píndaro - permaneceu até 1911, já que um desentendimento com a equipa técnica do tricolor carioca fez com que nove jogadores - Nery e Píndaro foram dois deles - abandonassem o barco. Remaram então até ao Flamengo, clube que na altura se dedicava somente ao...remo. Ali chegados instituiram a secção de futebol, e o resto é... história. Ao serviço daquele que com o passar dos tempos haveria de ser tornar no emblema mais pouplar do Brasil, Nery venceu dois campeonatos estaduais (1914, e 1915) antes de se retirar os retângulos de jogo em 1919. Faleceu a 5 de novembro de 1927.


Sylvio Lagreca: Foi uma figura multifacetada dos primeiros anos do futebol brasileiro. De jogador, passando por treinador, e terminando em árbitro, Lagreca fez um pouco de tudo. Juntamente com o seu companheiro de equipa Rubens Salles ele foi o treinador da seleção brasileira no célebre confronto com a equipa inglesa do Exeter City. 
Voltaria a desempenhar o cargo - acumulado com o de jogador - nas primeiras duas edições do Campeonato Sul-Americando, em 1916, e 1917. Jogou a maior parte da sua carreira na Associação Atlética de São Bento, clube do Estado de São Paulo, cidade esta onde viria a falecer a 29 de abril de 1966.



Rubens Salles: Foi o outro técnico da seleção no embate ante o Exeter City. Tal como Lagreca atuava como médio, e é tido a par de nomes como Friedenreich, de Neco, e do prórpio pai do futebol brasileiro, Charles Miller, como um dos melhores atletas dos primeiros anos de reinado da modalidade em terras de Vera Cruz. Nascido a 14 de outubro de 1891 na cidade paulista de São Manuel, Salles atuou toda a sua carreira no Paulistano, um dos melhores emblemas paulistas - e do restante território do Brasil - do primeiro quarto do século XX. Por seis vezes foi campeão paulista ao serviço deste clube (1908, 1913, 1916, 1917, 1918, e 1919), e reza a lenda que era perito em executar passes de profundidade com extrema perícia. Abandonou os relvados em 1920 para abraçar a carreira de treinador - a tempo inteiro - em 1930, guiando o São Paulo ao título de campeão paulista em 1931.

Rolando: Sobre o doutor Rolando de Lamare pouca informação existe em torno da sua relação com a bola. Sabe-se apenas que foi um dos imortais que participou no encontro ante o Exeter City, e que foi três vezes campeão estadual pelo Botafogo (1907, 1910, e 1912), antes de se formar em medicina e assumir uma distinta carreira como médico urulogista e professor universitário.

Abelardo: Colocando em campo uma tática para lá de ofensiva, como traduz o 2-3-5 usado, a primeira seleção brasileira tinha em Abelardo o seu primeiro homem na hora de atacar a baliza inglesa. Aberlado de Lamare, familiar - não se sabe qual o grau de parentesco - de Rolando, era um avançdo robusto, dizem até que bastante duro na hora de disputar os lances com os adversários, o que lhe terá valido alguns castigos ao longo da carreira. 
Era senhor de um remate poderoso, que fizeram dele, por exemplo, o melhor marcador do campeonato carioca de 1910 ao serviço do Botafogo. 


Oswaldo Gomes: Para a eternidade o seu nome irá ser lembrado na história do futebol brasileiro... e internacional, porque não dizê-lo?!. Dos seus pés nasceu o primeiro golo da história da seleção, quando decorria o minuto 20 do embate com o Exeter City. Nasceu precisamente na cidade onde este facto histórico foi registado, o Rio de Janeiro, a 30 de abril de 1888. O seu nome assume contornos de lenda não só para o combinado nacional como também para o Fluminense, o seu clube de sempre, no qual conquistou oito títulos de campeão estadual (1906, 1907, 1908, 1909, 1911, 1971, 1918, e 1919), que fazem com que seja o jogador mais titulado da história do Cariocão. Disputou quase 200 jogos (189 para sermos mais precisos) pelo Flu e apontou 38 golos. 
Fora dos relvados distingiu-se como presidente da Confederação Brasileira dos Desportos, precisamente um ano depois de ter comandado - na qualidade de treinador - a seleção no Campeonato Sul-Americano. 

Arthur Friendenreich: Sobre a primeira grande estrela do futebol brasileiro - e um dos primeiros astros do futebol global - já muito se escreveu no Museu Virtual do Futebol. Porém nunca será por demais recordar que este filho de pai alemão e mãe brasileira, nascido em São Paulo a 18 de julho de 1892, começou a destacar-se pela imaginação, técnica, estilo e pela capacidade de improvisar. Em 1919 foi apelidado pelos uruguaios de El Tigre por ter encantado as multidões com o seu futebol arte na Copa América que nesse ano foi conquistada precisamente pelo Brasil comandado por Friedenreich.

Jogava como avançado-centro, e foi o inventor de novas e belas jogadas no na altura jovem futebol brasileiro, como o drible curto e a finta de corpo.

Foi campeão paulista em sete ocasiões, seis das quais ao serviço do Paulistano, e outra pelo São Paulo da Floresta (clube que anos mais tarde se viria a chamar São Paulo FC). Por oito vezes foi o melhor marcador do campeonato paulista, a maior parte delas envergando as cores do Paulistano.
Era considerado pelos cronistas da altura como um jogador inteligente dentro de campo, e talvez tenha sido o jogador mais objetivo da sua época. Parecia conhecer todos os segredos do futebol e sabia quando e como ia marcar um golo. No ano de 1925, regressou da Europa (após uma digressão com o Paulistano) catalogado como um dos melhores jogadores do Mundo, depois de vencer por este clube nove dos dez jogos aí disputados. A sua conquista mais importante com a camisola do Brasil foi a conquista da Copa América de 1919.
Sobre a sua figura há uma dúvida que ainda hoje paira no ar, ou seja, será ele o maior goleador de todos os tempos? Há quem diga que sim e há quem diga que não. Uma dúvida que infelizmente não pode ser desfeita, já que existem poucos, ou mesmo nenhuns, dados que provem que Fried tem mais golos do que Pelé, que é, como se sabe, oficialmente considerado pela FIFA como o jogador que fez mais golos na história do futebol. Reza a lenda que El Tigre terá marcado 1239 golos.
Nota: Sobre os jogadores Osman e Formiga não foram encontrados dados biográficos.  
Para a história fica pois a ficha técnica do embate entre a primeira seleção do Brasil e o Exeter City:

BRASIL: Marcos de Mendonça, Píndaro e Nery; Lagreca, Rubens Salles e Rolando; Abelardo, Oswaldo Gomes, Friendereich, Osman e Formiga.

EXETER CITY: Loran, Jack Fort e Strettle; Rigny, Lagan e Hardin; Hold, Whittaker, Hunter, Lovett e Goodwin.

sexta-feira, maio 03, 2013

Copa América (2)... Uruguai 1917


Por estes longínquos dias de 1917 grande parte da América do Sul andava verdadeiramente louca com o futebol! O caudal de desafios era cada vez maior - sobretudo no plano interno - não sendo de estranhar que a recém nascida CONMEBOL (Confederação Sul-Americana de Futebol) decidisse no citado ano dar continuidade ao sucesso granjedado em 1916 pelo também recém edificado Campeonato Sul-Americano, ao nomear o Uruguai como anfitrião da segunda edição do certame. E para este segundo Campeonato Sul-Americano de Futebol uma novidade saltou de imediato à vista de todos: o troféu que iria - dali em diante - coroar o rei das américas.
Se na edição inaugural, ocorrida um ano antes, recorde-se, na Argentina, a organização não atribuiu qualquer troféu ao campeão continental - o Uruguai -, em 1917 foi apresentada uma deslumbrante taça concebida em prata, sobre uma base em madeira, comprada numa joalharia (!) de origem francesa localizada em Buenos Aires pelo preço de 3000 francos suíços. O troféu fez então a viagem para Montevidéu, a capital uruguaia, escolhida para palco da edição de 1917 do Campeonato Sul-Americano. Os convidados para dar vida à grande festa do futebol continental foram os mesmos que um ano antes estiveram em Buenos Aires, isto é, Chile, Brasil, Argentina, e a seleção da casa, e campeã em título, o Uruguai.
Pomposo - pelo menos assim era visto naquela época - era também o Parque Pereira, o recinto mandado construir pela Asociación Uruguaya propositadamente para acolher os seis encontros do torneio. Um estádio edificado em madeira (!) com capacidade para 40 000 espetadores que teria vida curta, já que pouco depois do torneio seria demolido para em seu lugar ser construída uma pista de atletismo! Facto curioso é que o Parque Pereira foi edificado a pouquíssimos metros do local onde 13 anos mais tarde seria erguido o majestoso Estádio Centenário, o palco principal do primeiro Campeonato do Mundo da FIFA. 

De 30 de setembro a 14 de outubro de 1917 Montevidéu parou para assistir ao desenlace do Campeonato Sul-Americano. Favoritos à vitória? Talvez a equipa da casa, não só porque atuava diante do seu fervoroso público, mas porque continuava a agregar alguns dos melhores intérpretes do belo jogo da altura. O Uruguai era naqueles dias um autêntico viveiro de craques, e a prova disso é que mesmo a ausência das lendas responsáveis pela primeira conquista continental, Isabelino Gradín, José Piendibene, e Juan Delgado, impediu a celeste de continuar a ter um certo ascendente sobre os seus rivais. Gradín, Piendibene e Delgado deram lugar a outros astros que iriam marcar para sempre a história da modalidade, casos de Héctor Scarone ou Ángel Romano, homens que viriam a ser as duas grandes figuras - ligadas ao Nacional de Montevidéu - deste segundo torneio... e de outras futuras conquistas uruguais, algumas delas bem mais pomposas que o certame da CONMEBOL.

A 30 de setembro de 1917 é dado então o pontapé de saída de uma competição que à semelhança do ano anterior era disputada num sisteme de poule, onde todos jogavam contra todos, e o campeão seria o conjunto que somasse mais pontos.
Ao relvado do Parque Pereira subiram Uruguai e Chile. Diante de 22 000 espetadores, e sob a arbitragem do argentino Germán Guassone os uruguaios não tiveram grande dificuldade em esmagar o conjunto chileno por 4-0, com o destaque a pairar sobre os atacantes Ángel Romano e Carlos Scarone. Aos 20 minutos o irmão mais velho de Héctor Scarone batia o desampardo Manuel Guerrero pela primeira vez na tarde, para um minuto antes do intervalo Romano ampliar para dois golos a vantagem charrúa. A etapa complementar teve os mesmo protagonistas. À passagem do minuto 62, na transformação de uma grande penalidade, Carlos Scarone faz o 3-0, e aos 75 Ángel Romano fecha as contas em 4-0. Romano e (Carlos) Scarone teriam sortes distintas no futebol. Carlos, apesar de ter ficado na história como um excelente atleta viveu sempre na sombra do seu talentoso irmão mais novo, Héctor, enquanto que El Loco Romano cedo se tornou num dos jogadores mais queridos da afición uruguaia, muito graças à sua multifacetada maneira de estar em campo. Ao apurado sentido pelo golo o homem que fazia todas as posições de ataque da sua equipa (!), nascido em Montevidéu a 2 de agosto de 1893, era igualmente um talentoso organizador de jogo, rápido e preciso. Jogou quase 400 jogos (388 para sermos mais precisos) e marcou 164 golos até 1930, ano em que se retirou, ano este que coincidiu com a conquista do primeiro Campeonato do Mundo pelos charrúas. Ser campeão mundial teria sido o merecido prémio de uma brilhante carreira para El Loco Romano, uma lenda que ao lado de José Leandro Andrade, Héctor Scarone, Héctor Castro, ou José Nasazzi escreveu as páginas mais belas da... encantadora história do futebol uruguaio. Na ausência do título mundial o currículo de Ángel Romano é abrilhantado com os dois títulos olímpicos da década de 20 (1924 e 1928), que na altura eram equiparados... ao ceptro mundial. 

Três dias mais tarde, no mesmo cenário, Brasil e Argentina lutaram entre si. Os brasileiros partiram para a capital uruguaia com baixas de vulto no seu grupo em relação ao que se havia passado em 1916. Desde logo a ausência mais notada foi a do melhor jogador brasileiro daquele tempo, Arthur Friedenreich. Como parecia ser tradição não faltaram confusões na hora do embarque da seleção rumo a Montevidéu. A mais conflituosa terá sido a da escolha do treinador. A Confederação Brasileira dos Desportos (CBD) formou uma comissão técnica para liderar a equipa, comissão essa que seria encabeçada por Mário Pollo (dirigente da Liga Metropolitana, do Rio de Janeiro) e R. Cristófaro (dirigente da APEA). Além de escolher os jogadores que iriam representar o país esta comissão tinha por missão eleger o capitão de equipa, posto para o qual foi nomeado o atleta do Fluminense Chico Netto. Como as guerras entre Rio de Janeiro e São Paulo eram na época bem acesas alguns dirigentes paulistas não terão gostado da escolha, e indicaram Sílvio Lagreca para o posto. A CBD manteve a sua posição, e Chico Netto continuou capitão, mas em contrapartida Lagreca assumiu a função de treinador! E foi com Sylvio Lagreca como jogador/treinador que o Brasil defrontou a armada Argentina a 3 de outubro, encontro este que até começou da melhor forma para os brasileiros, que logo aos oito minutos inauguraram o marcador, por intermédio de Neco. 

Outra ausência de vulto no combinado de Lagreca era a do guarda-redes do Fluminense, Marcos Carneiro de Mendonça, o primeiro grande keeper canarinho. Para o seu lugar foi convocado o português Casemiro do Amaral - que já tinha participado no Campeonato Sul-Americano de1916. Aos 15 minutos Pedro Calomico empata o jogo, e a partir daqui o que se viu foi uma atuação... verdadeiramente desastrosa do guardião nascido em Lisboa ao serviço do Brasil. Seleção que no entanto iria para o descanso em vantagem, já que ao minuto 39 o jogador/treinador Lagreca converteu com êxito uma grande penalidade. No segundo tempo a Argentina aproveitaria então o desnorte de Casemiro do Amaral para dar a volta ao marcador. Sucessivas falhas do goleiro fizeram com que o Brasil fosse derrotado por claros 4-2 e hipotecasse - praticamente - desde logo as aspirações quanto à vitória final na competição. Quem disse definitivamente adeus ao título seria o frágil Chile, que no dia 6 de outubro perdeu por 0-1 precisamente ante a Argentina, graças a um lance infeliz de Luis Garcia, que aos 76 minutos apontaria um golo na baliza errada! Chile de regresso a casa - embora ainda faltasse disputar um encontro - e a Argentina em estado de graça com duas vitórias noutros tantos jogos realizados e com francas possibilidades de destronar o Uruguai como campeão das américas. Mas não iria ser bem assim, como mais à frente iremos poder constatar.  

E por falar em Uruguai, na tarde de 7 de outubro 21 000 aficionados celestes foram à loucura com mais uma exibição de gala da sua seleção. Os brasileiros foram despachados com a mesma chapa que uma semana antes haviam sido os chilenos, isto é, 4-0! Héctor Scarone aos oito minutos inaugurou a goleada. Veloz, tecnicamente bastante evoluído, exímio cabeceador, e de relação próxima com o golo o mais novo dos irmãos Scarone foi um dos grandes nomes do futebol uruguaio das décadas de 10 e 20, tendo sido preponderante não só na conquista deste mas de outros títulos que hoje em dia enchem de orgulho o povo charrúa pelo seu glorioso passado futebolístico.
Voltando ao relvado do Parque Pereira a magia uruguaia não se ficaria por ali. El Loco Romano ampliou a vantagem aos 17 minutos, sendo que já na segunda parte - ao minuto 77 - o mesmo Romano bisou na partida, fazendo desta forma o seu quarto golo na competição, o tento que o iria coroar como o rei dos goleadores deste segundo Campeonato Sul-Americano. Ainda antes do apito final do argentino Guassone o mais velho dos hermanos Scarone, Carlos, faria o 4-0 final, numa altura em que o relógio marcava 86 minutos.
Perante este resultado o cenário de 1916 voltava a repetir-se, ou seja Uruguai e Argentina iriam no derradeiro jogo da prova lutar pelo título de campeão. A final, assim era encarado esse encontro, estava marcada para 14 de outubro, mas antes disso, dois dias antes o Brasil fazia história. Diante de 10 000 pessoas os pupilos de Sílvio Lagreca esmagavam o Chile por 5-0, conquistando desta forma não só o terceiro lugar da copa mas acima de tudo a sua primeira vitória na ainda curta história de vida do certame continental.

Neste encontro um episódio curioso ocorreu. Quer Brasil quer Chile usavam camisola branca. Assim sendo os brasileiros foram obrigados a arranjar uma indumentária de outra cor, mas como na época as equipas/seleções não tinham mais do que um equipamento - e às vezes nem isso! - os brasileiros foram obrigados a ir a uma loja de material desportivo em Montevidéu comprar camisolas de outra cor. Vermelho foi a cor encontrada, e de vermelho vestido a seleção alcançaria então o seu primeiro triunfo na história da copa.
Com o terceiro lugar entregue ao Brasil as atenções focaram-se na final do dia 14. Mas antes disso um outro episódio caricato ocorreu na história deste campeonato de 1917. Amadores de alma e coração - o profissionalismo ainda só existia em Inglaterra - grande parte dos atletas que faziam parte do grupo argentino que se deslocou a Montevidéu teve de regressar a Buenos Aires para os... seus respetivos empregos! O futebol era tão somente uma paixão, e não o ganha pão do dia a dia, e como tal muitos dos craques das pampas tiveram de apanhar o barco de regresso à capital do seu país, deixando para trás o encontro decisivo do certame.


Perante isto a tarefa dos anfitriões ficou ainda mais facilitada. No derradeiro jogo da competição 40 000 pessoas lotaram por completo o Parque Pereira. 40 000 fervorosas almas que viram a estrela Héctor Scarone oferecer o título à celeste quando estavam decorridos 60 minutos de jogo. 
Um simples tento que deu o bi-campeonato sul-americano a um pequeno país cujo talento no futebol parecia ser inesgotável. Não estavam Gradín, Piendibene, ou Delgado, mas estavam outros capazes de continuar a caminhada triunfal que marcou a época dourada do futebol uruguaio. 
Na final outro episódio curioso ocorreu. Numa época em que não eram permitidas substituições o guarda-redes da casa, Saporitti, sofreu uma lesão a meio da contenda, tendo sido substituído pelo jogador de campo Manuel Varela, que até final se portou muito bem na posição de portero
O Uruguai terminava assim a competição invicto... e sem golos sofridos! 
Depois do último apito do chileno Juan Livingstone o Parque Pereira explodiu - naturalmente - de alegria.

 

Números e nomes:

30 de setembro de 1917

Uruguai - Chile: 4-0
(Carlos Scarone, aos 20m, aos 62m, Ángel Romano, aos 44m, aos 75m)

3 de outubro de 1917

Argentina - Brasil: 4-2
(Ohaco, aos 56m, aos 58, Calomino, aos 15m, Blanco, aos 80m)
(Neco, aos 8m, Lagreca, aos 39m)

6 de outubro de 1917

Argentina - Chile: 1-0
(Luis Garcia (p.b.), aos 76m)

7 de outubro de 1917
Uruguai - Brasil: 4-0
(Ángel Romano, aos 17m, aos 77m, Héctor Scarone, aos 8m, Carlos Scarone, aos 86m)

12 de outubro de 1917

Brasil - Chile: 5-0
(Haroldo, aos 26m, aos 59m, Caetano, aos 21m, Neco, aos 23m, Amilcar, aos 41m)

14 de outubro de 1917

Uruguai - Argentina: 1-0
(Héctor Scarone, aos 60m)

Classificação

1-Uruguai: 6 pontos
2-Argentina-4 pontos
3-Brasil: 2 pontos
4-Chile: 0 pontos

Legenda das fotografias:

1-O troféu instituído em 1917 que coroa - até aos dias de hoje, os vencedores do Campeonato Sul-Americano/Copa América
2-O Parque Pereira (estádio já desaparecido) onde decorreu toda a ação do certame de 1917
3-Ángel El Loco Romano, o melhor marcador da copa
4-Fase do duelo entre Argentina e Brasil
5-O português Casemiro do Amaral, que ocupou o posto de goleiro da seleção brasileira neste campeonato
6-Héctor Scarone, uma das estrelas do torneio
7-Amilcar, faz um dos cinco golos com que o Brasil - vestido de vermelho! - bateu o Chile
8-Seleção da Argentina
9-Héctor Scarone
10-Seleção brasileira
11-Fase do encontro entre chilenos e brasileiros
12-A seleção do Uruguai, bi-campeã das américas