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terça-feira, maio 28, 2013

Estrelas cintilantes (34)... Magnar Isaksen


Com o avançar dos anos - desde a sua (re)criação - os Jogos Olímpicos tornaram-se num acontecimento mediático à escala mundial. A industrialização – as vias de comunicação, o telégrafo, a imprensa, a rádio, e mais tarde a televisão – ajudou a que as Olimpíadas da Era Moderna adquirissem o estatuto de maior espetáculo desportivo do planeta durante a primeira metade do século XX. De quatro em quatro anos olhares provenientes dos mais diversos pontos do Mundo centravam-se nas demonstrações da mestria atlética de homens das mais variadas raças, credos e religiões. Na qualidade de grande evento global os Jogos Olímpicos tornaram-se alvo de interesses políticos, adquirindo o papel de importante veículo de promoção de ideologias políticas. Olhando para as Olimpíadas como um instrumento para conquistar o poder, regimes políticos serviram-se do mediatismo do evento para vangloriar o seu nacionalismo e mostrar a superioridade da raça em relação às demais. O significado de uma medalha de ouro foi alterado, o que dantes premiava a excecionalidade de um atleta era visto pelos regimes políticos como um meio para mostrar ao Mundo a superioridade da sua nação em relação às suas congéneres. O atleta tornava-se assim num objeto do seu Estado de origem com a finalidade de evidenciar a supremacia de uma raça, enquanto que o mediatismo global do evento olímpico era visto como uma vitrine para que regimes políticos e/ou sociedades pudessem vincar no plano externo as suas ideologias políticas e/ou sociais. 


O ano de 1936 é um bom exemplo de como os meios políticos procuraram usar a popularidade dos Jogos Olímpicos para evidenciar ao Mundo as suas ideologias. Berlim acolheu nesse referido ano aquela que era já inequivocamente a maior manifestação desportiva do planeta. A Alemanha de então vivia sob o regime nazista comandado por Adolf Hitler. Vendo nos Jogos a ferramenta ideal para mostrar ao Mundo a superioridade da raça ariana o líder nazi não se pouparia a esforços para fazer destas as Olimpíadas mais espetaculares da história. 

Hitler montou uma autêntica máquina de propaganda política através dos Jogos. Com um orçamento ilimitado não deixou ao acaso o mínimo detalhe que pudesse colocar em perigo a sua estratégia de assalto ao poder através do mega evento desportivo. Um estádio olímpico foi construído propositadamente, e aos atletas alemães tudo era dado e permitido para que se pudessem preparar conveniente para o evento e desta forma conquistar o máximo número de medalhas de ouro que traduzissem a superioridade da raça ariana. 


O mediatismo dos Jogos atingia o ponto mais alto da sua história até então. 49 países marcavam presença em Berlim representados por cerca de 4000 atletas. Um recorde para a altura. Pela primeira vez a televisão associava-se ao evento, difundindo imagens do populismo nazi que tomou conta de Berlim para todo o Mundo. O maior evento desportivo do planeta estava transformado numa gigantesca manifestação de índole nazi perante o olhar do Mundo. Tudo parecia correr de feição a Hitler até ao momento em que surge um descendente de escravos que com a mestria da sua performance atlética desmoronou a máquina de propaganda nazi edificada por Hitler. Jesse Owens, era o nome deste norte americano que logo nas primeiras provas (de atletismo) dos Jogos de 1936 arrecadou quatro medalhas de ouro para espanto do planeta que seguia com atenção os desenlaces de Berlim.

A proeza do negro Owens desde logo se tornou numa epopeia que deitou por terra as aspirações de Hitler em transformar um evento desportivo de cariz global numa manifestação do regime nazista por si liderado. A saga de Owens fez com saísse de Berlim endeusado por todos, inclusive pelo próprio público alemão, com exceção de Adolf Hitler, por motivos óbvios, claro está.
Bom, esta pequena sinopse retrata não só um pouco a essência dos Jogos (re)criados pelo Barão Pierre de Coubertin nos finais do século XIX como também uma das edições mais mediáticas da história deste mega evento desportivo global. Mas o que ainda hoje muita gente desconhece é que não foi apenas Owens o causador dos planos de Hitler terem ido por água abaixo em 1936. E é aqui que se inicia esta nossa viagem ao passado... 

Jesse Owens pode até ter sido o elemento mais mediático a desencadear a revolta - diria mesmo o ódio - de Adolf Hitler pelo facto de os seus discípulos terem sido humilhados, mas um outro homem, cujo foco da carreira desportiva praticamente se resumiu à efeméride que hoje vamos recordar, o facto que o tornou imortal na história do futebol, teve igualmente uma grande parte da responsabilidade por deixar furioso o... fuhrer. O seu nome é Magnar Isaksen, futebolista norueguês que integrou a lendária seleção nórdica que participou no torneio olímpico de futebol em 1936. Futebol que apesar da sua (já) vincada popularidade por aqueles dias até esteve para nem figurar no cartaz olímpico de Berlim! Ao que parece Hitler detestava o belo jogo (!), mas como este era tão só a modalidade rainha do planeta o fuhrer não teve dúvidas em inclui-lo no programa olímpico, e assim tirar partido da popularidade do jogo. Para a sua seleção nada faltou, tratando os seus futebolistas como verdadeiros membros da realeza, com o intuito de agarrar o ouro olímpico e assim atrair até si as luzes da ribalta
E as coisas até nem começaram nada mal para os germânicos, que na primeira ronda do torneio esmagaram o Luxemburgo por 9-0, para contentamento dos pares de Hitler, os quais após a pomposa vitória correram de imediato a avisar o fuhrer do massacre que haviam infringido aos frágeis luxemburgueses. Talvez devido a esse entusiasmo, o líder nazi fez questão de aparecer no encontro seguinte, a contar para os quartos-de-final, cujo adversário era a Noruega, que na eliminatória inicial se havia desenvencilhado da Turquia por 4-0. 

Reza a lenda que até então Adolf Hitler nunca havia presenciado uma partida de futebol (!), mas convencido pelos seus pares decide marcar presença no pomposo Estádio Olímpico de Berlim para ver a sua Alemanha ganhar e desta forma subir mais um degrau rumo ao ouro olímpico. Sim, ganhar, pois não lhe passava pela cabeça que depois dos nove golos aplicados aos luxemburgueses a sua equipa pudesse cair aos pés daqueles desconhecidos noruegueses. Aliás, os seus pares haviam-lhe garantido que a Alemanha não iria perder!!! Como estavas enganados. 

Não só caíram, como caíram com estrondo, graças a uma tarde inspirada do até então desconhecido avançado Magnar Isaksen. Atleta este nascido a 13 de outubro de 1910, na cidade costeira de Kristiansund, iniciando a sua - praticamente enigmática - carreira no clube da sua terra. Seria no entanto ao serviço do gigante norueguês Lyn (da capital Oslo) que Isaksen percorreu a maior parte do seu trajeto futebolístico. 1936 é na realidade um ano inesquecível na vida da nossa estrela cintilante de hoje, já que a 26 de julho faz o seu debute com a seleção nacional norueguesa, num encontro particular ante os vizinhos da Suécia. Uma estreia que não poderia ter corrido melhor, já que além da vitória (4-3) Magnar, que então contava com 26 anos, fez um dos golos da sua equipa. Se dúvidas existissem esta performance do avançado do Lyn convenceu o selecionador nacional Asbjorn Halvorsen a dar-lhe o cartão de embarque para Berlim, onde a Noruega iria escrever a página mais bela da sua história futebolística. Depois da já referida robusta vitória sobre a Turquia os noruegueses enfrentavam a turma da casa. 

Sem se intimidar com a presença de Adolf Hitler na tribuna de honra Magnar Isaksen silenciou por completo o estádio olímpico logo aos 7 minutos, quando pela primeira vez na tarde bateu o guardião Hans Jakob. Hitler terá gelado por esta altura, mas será que este não era mais do que um mero golpe de sorte de um duelo que ainda nem sequer tinha aquecido? Não, já que a Noruega controlou a contenda a seu bel prazer, e confirmaria essa superioridade já muito perto do fim - 83 minutos - e de novo pela estrela da tarde, Magnar Isaksen. 2-0, resultado final. Hitler, de cara fechada, de pronto abandonou o estádio olímpico, furioso, ao passo que Isaksen passava a ser inimigo eterno do fuhrer, tal como Jesse Owens, enquanto que para o seu povo ascendia à categoria de herói nacional.
A Noruega avançada para as meias-finais contra todas previsões, fase esta onde iria cair aos pés da futura campeã olímpica, a Itália. O prémio para a inolvidável façanha norueguesa viria com a conquista da medalha de bronze, após um trunfo sobre a Polónia por 3-2. Para sempre esta seleção nórdica ficaria conhecida como a equipa de bronze

Esta geração de futebolistas de um país que raramente marcou presença em grandes eventos futebolísticos viveu ainda um segundo momento inesquecível, dois anos após a epopeia de Berlim, em França, país que acolheria a fase final do Campeonato do Mundo. Noruega que era um dos 15 participantes, sendo que os caprichos do sorteio ditaram que a Itália - campeã do Mundo e olímpica em título - seria o adversário na primeira eliminatória. Na tórrida tarde de 5 de junho de 1938 Magnar Isaksen fazia parte do onze nórdico que subiu ao relvado do Stade Velodrome para enfrentar Giuseppe Meazza e companhia. E o que se assistiu foi a mais uma magnífica exibição norueguesa, obrigando a squadra azzurra a horas extras - isto é, prolongamento - para passar à eliminatória seguinte. 2-1 a favor dos italianos - que viriam a consagrar-se neste campeonato de novo senhores do Mundo - mas a Noruega saiu de cena debaixo de fortes aplausos. 

Entre 1936 e 1938 Magnar Isaksen vestiu em 14 ocasiões a camisola da sua seleção, ao serviço da qual apontou cinco golos, sendo que dois deles - os de Berlim - fizeram dele uma lenda. Uma figura lendária não por ter sido um atleta extraordinário, nada disso, até porque a Noruega teve futebolistas de maior craveira, mas lendário porque foi graças ao seu instinto matador que Adolf Hitler ficou a detestar ainda mais o futebol no único jogo a que assistiu na sua vida! Magnar Isaksen faleceu a 8 de junho de 1979.

Legenda das fotografias:
1-Magnar Isaksen 
2-Imagem do histórico jogo que colocou frente a frente a Alemanha e a Noruega nos Jogos de Berlim, em 1936
3-O imortal onze norueguês que enfrentou os germânicos, com Isaksen na fila de cima (identificado com um círculo)
4-Noruega enfrenta a Itália no Mundial de 1938.

sexta-feira, janeiro 04, 2013

Futebol nos Jogos Olímpicos (6)... Berlim 1936

O nascimento do Campeonato do Mundo da FIFA, em 1930, retirou protagonismo ao que até então era o evento futebolístico de maior importância a nível internacional, o torneio olímpico. A curva descendente da modalidade no seio dos Jogos começou a verificar-se logo na edição de 1932, em Los Angeles, onde a batalha entre o amadorismo e o profissionalismo fez com o que futebol fosse riscado do programa do evento.

Neste contexto convém explicar que por aquela altura o futebol era já - um pouco por todo o Mundo - altamente profissional, facto que ia contra um dos princípios do olimpismo, que defendia que todos os atletas que participassem nos Jogos deveriam ser puramente amadores. Contudo, a popularidade do futebol a nível global era por demais evidente, e terá sido esse o facto responsável pelo reaparecimento do desporto rei no calendário das Olimpíadas quatro anos mais tarde em Berlim. Há quem diga, aliás, que o regresso do futebol aos Jogos foi uma imposição... de Adolf Hitler! Servindo-se dos Jogos Olímpicos como um mero veículo de propaganda para mostrar ao Mundo os ideais do regime nazi, Hitler não olhou a meios para fazer deste o maior evento desportivo alguma vez visto. Entre outros, construiu um magnífico estádio (olímpico) com capacidade para albergar 100 000 pessoas (!), organizou uma pomposa festa de abertura do certame nunca dantes visionada, colocou ao dispôr do Comité Olímpico Internacional (COI) meios financeiros ilimitados para que nada faltasse ao evento, e, claro, fez regressar ao programa olímpico a modalidade mais popular do planeta, o futebol.

Contudo, o COI continuava firma na sua postura em não aceitar que as seleções participantes integrassem os seus jogadores profissionais, e os jogadores profissionalizados eram indiscutivelmente os melhores entre os melhores, daí que em termos de nomes sonantes o torneio olímpico de 1936 tenha ficado um tudo ou nada aquém dos seus antecessores. Mesmo em termos de seleções não podemos dizer que em Berlim tenham estado os melhores combinados daquela época, já que o genial Brasil continuava a não dar grande importância ao evento, os bi-campeões olímpicos do Uruguai decidiram ficar em casa, a talentosa Espanha de Ricardo Zamora iden aspas, entre outras potências mais que começavam a olhar de lado, e com desinteresse, o torneio olímpico.

A excessão terá sido, talvez, a Itália, nação que em 1934 havia vencido o segundo Campeonato do Mundo da FIFA, sob a orientação do mestre da tática VittorioPozzo. Mesmo sem os astros - profissionais, lá está - que haviam conduzido à squadra azzurra ao trono do futebol planetário, casos de Giuseppe Meazza, Angelo Schiavio, Raimundo Orsi, Luigi Monti, ou Giampiero Combi, os italianos eram apontados pela crítica como os principais favoritos à conquista do ouro olímpico. Mas o trajeto até à gloria final, como se iria confirmar, foi mais difícil do que se esperava...

No jogo de abertura do torneio olímpico de 1936, disputado no dia 3 de agosto entre Itália e os Estados Unidos da América, houve mosquitos por cordas. Numa época em que as substituições ainda não eram permitidas os norte-americanos (que no Mundial de 34 haviam sido esmagados pelos italianos por 7-1) jogavam a certa altura - por motivo de lesão - com menos duas unidades em campo. A polémica instalou-se quando o árbitro alemão Karl Weingartner, posteriormente, deu ordem de expulsão ao italiano Piccine, o qual se recusou a acatar a decisão do juíz que cercado por uma floresta de jogadores - em fúria - da azzurra decidiu voltar atrás na sua decisão e permitir que o atleta continuasse em campo até final! No jogo jogado os italianos tiveram sérias dificuldades em bater por 1-0 um frágil mas lutador conjunto norte-americano, graças a um golo de Annibale Frossi, jogador que haveria de conquistar no final do torneio o título de rei dos goleadores na sequência de 7 remates certeiros.

Discípulos de Hitler esmagam o Luxemburgo

Ainda nesse mesmo dia 3 de agosto a Noruega iniciava aquela que viria a ser uma caminhada olímpica memorável. Sem apelo nem agravo os escandinavos goleavam a Turquia por 4-0, com destaque para o bis de Alf Martinsen. No dia seguinte entrou em campo a seleção da casa, a Alemanha. O selecionador germânico, Otto Nerz, reuniu um bom leque de jogadores - amadores, claro está - capazes de trazer alegria a Hitler, que pretendia o sucesso ariano - fosse em que modalidade fosse - a tudo o custo nas Olimpíadas de Berlim. E a campanha dos discípulos do fuhrer até nem começou nada mal, conforme traduz o expressivo resultado de 9-0 sobre o modesto Luxemburgo.

No encontro seguinte entrou em campo uma das três seleções que fazia a sua estreia olímpica, o Japão. E que estreia! Ante uma Suécia habituada às andanças olímpicas, os orientais venceram por 3-2, depois de terem estado a perder ao intervalo por 0-2. Kamo iniciou a reviravolta aos 49 minutos, e a 5 minutos do final Matsunaga confirmou aquela que viria a ser a primeira surpresa do torneio olímpico.

E a 5 de agosto foi a vez da Áustria entrar em campo para defrontar o experiente Egito. Sem a grande maioria das suas estrelas profissionais, onde entre as quais se destacava o homem de papel Matthias Sindelar, a grande estrela do wunderteam (equipa maravilha) criado por Hugo Meisl na década de 30, os europeus sentiram algumas dificuldades para alcançar o triunfo (3-1) que os levaria até aos quartos-de-final da competição.

No mesmo dia a Polónia derrotava a Hungria por 3-0 e também seguia em frente. E na derradeira jornada da 1ª eliminatória assistiu-se ao regresso de um velho conhecido nestas andanças olímpicas, ou melhor, o regresso de um antigo campeão olímpico, a Grã-Bretanha. Ausentes dos Jogos de 1924 e 1928 os britânicos - campeões olímpicos em 1908 e 1912 - enfrentavam os estreantes da China, num jogo que aparentemente não se afigurava nada complicado para os criadores do futebol moderno. Porém, os desconhecidos e pequenos chineses fizeram a vida díficil aos ex-campeões olímpicos, que só na 2ª parte conseguiram carimbar o passaporte para a fase seguinte, fruto de uma curta vitória por 2-0.

Por fim, o também estreante Perú - o único representante da América do Sul - goleava por 7-3 a repetente Finlândia, com destaque para os 5 golos do peruano Teodoro "Lolo" Fernandez, nada mais nada menos que a primeira lenda futebolística do país dos Andes.

Nova polémica



O primeiro dia (7 de agosto) destinado aos quartos-de-final foi envolto num misto de superioridade e de surpresa! No primeiro aspeto a Itália de Pozzo - que viajou para Berlim sem 10 dos campeões do Mundo de 34 - cilindrou sem dificuldades o Japão por 8-0, com destaque para o poker (4 golos) de Carlo Biagi e o hattrick (3 golos) de Frossi. Quanto à surpresa ela aconteceu no encontro entre os anfitriões e a Noruega, jogo ao qual assistiu Adolf Hitler, que esperava uma nova e robusta vitória dos seus conterrâenos. No entanto, o norueguês Magnar Isaksen tinha outros planos, e ao apontar dois golos afastou os germânicos da competição para espanto de todos. Espanto e irritação, já que ao que parece aquando do segundo tento norueguês, apontado aos 83 minutos, Hitler abandonou o seu camarote no estádio profundamente... irritado. O que é certo é que segundo relatos da época esta foi uma vitória mais do que merecida, orquestrada por um técnico, Matti Goksoyr, que vivia adiantado no seu tempo, quer em termos de preparação física, quer no que concerne à tática. Este é aliás considerado pelos historiadores desportivos da Noruega como o maior feito do modesto futebol daquele país do norte da Europa.

No dia seguinte registou-se nova polémica no torneio olímpico. Perú e Áustria mediram forças entre si, num encontro que os europeus começaram bem melhor, ao colocar-se em vantagem sobre os seus adversários com um resultado de 2-0. No entanto, a raça sul-americana acabaria por vir ao de cima quando faltavam apenas 15 minutos para o final, altura em que o Perú empata o jogo e força a um prolongamento.
A polémica surgiu então no período extra, altura em que adeptos peruanos invadem o terreno de jogo para agredir um atleta austríaco, sendo que no meio da confusão os sul-americanos apontam dois golos e selam o placard final em 4-2 a seu favor. Os europeus protestaram de imediato junto do COI, entidade esta que anulou então a partida e mandou que se realizasse um novo encontro à porta fechada, isto é, sem adeptos. Os peruanos não concordaram, e resolveram fazer as malas e regressar a casa, tendo o COI atribuido à vitória à Áustria.

No derradeiro encontro desta fase houve nova surpresa. A modesta Polónia batia a poderosa Grã-Bretanha por 5-4 e juntava-se assim a Itália, Áustria, e Noruega na luta final pelas medalhas.

Escandinavos duros de roer ficam com o bronze

A 10 de agosto realizou-se a primeira meia final, cabendo à Itália "B", digamos assim, enfrentar a surpresa da competição, a Noruega. E aquilo que se viu foi mais uma demonstração do talento norueguês, que forçaram a Azzurra a um prolongamento para garantir a presença no jogo mais desejado da competição. Valeu aos transalpinos - uma vez mais - o instinto goleador - de Frossi, que aos 96 minutos colocou um ponto final no atrevimento da Noruega, ao fazer o 2-1.
O opositor da Itália na final seria encontrado no dia seguinte, opositor esse que daria pelo nome de Áustria, que despachou a Polónia por 3-1.

No dia 13 de agosto lutou-se pelo bronze no Estádio Olímpico de Berlim. Perante 82 000 espetadores Arne Brustad tornou-se num autêntico herói nacional - da Noruega - ao apontar os três golos com que os escandinavos derrotaram a Polónia (poe 3-2), levando desta forma a medalha de bronze para casa. Merecida, há que dizê-lo.

Repetição da épica meia-final do Mundial de 34

E na grande final de 15 de agosto subiam ao relvado do Olímpico de Berlim a Itália e a Áustria, dois velhos conhecidos do planeta da bola. Dois anos antes, em Milão, as duas seleções haviam protagonizado um épico confronto a contar para as meias-finais do Campeonato do Mundo que a Itália organizou. Jogo muito controverso, em que o árbitro ajudou uma squadra azzura que se viu e desejou para derrotar o wunderteam de Hugo Meisl.

Agora, dois anos volvidos, os austríacos tinham uma oportunidade de ouro - no duplo sentido - para se vingar da equipa de Pozzo. Como se esperava este novo duelo foi bastante equilibrado, e só um golpe de génio podia... desiquilibra-lo. E foi o que aconteceu. Annibale Frossi, jogador da Udinese, foi o herói da tarde, ao apontar os dois golos com que a Itália arrecadou o ouro olímpico, uma conquista só confirmada no prolongamento, já que no final dos 90 minutos o resultado era de 1-1. Aos 92 minutos Frossi bateu pela segunda vez o guardião Eduard Kainberger, e juntou a medalha de ouro dos Jogos Olímpicos de 1936 ao título mundial de 1934. A Itália vivia sem margem para dúvidas o período áureo da sua história, a qual iria ser ainda enriquecida com um novo título mundial alcançado em 1938.

A figura: Annibale Frossi

Sem as suas estrelas do Mundial de 34 o selecionador Vittorio Pozzo viu-se obrigado a recorrer a segundas escolhas para atacar o ouro de Berlim. Uma dessas escolhas acabaria por revelar-se extremamente acertada, como pudemos constatar ao longo desta nossa curta viagem até ao torneio olímpico de 1936. Annibale Frossi, o melhor marcador dos Jogos de Berlim com 7 remates certeiros, e mais do que isso o herói da final, o homem que apontou os dois golos que deram o título olímpico à Azzurra.

Frossi era um jogador digamos que caricato visualmente. Jogava de óculos, uma vez que desde criança sofria de uma acentuada miopia. Foi o primeiro jogador da história a quem foi dada a permissão para atuar de óculos, muito antes, portanto, do holandês Edgar Davids o fazer já em pleno século XXI.

Frossi foi um mediano jogador nascido a 6 de agosto de 1911 em Muzzana del Turgnano, na região de Udine, tendo precisamente iniciado a sua carreira na Udinese, em 1929, emblema que representou até 1931. Seguiram-se 5 anos na Série B do calcio, ao serviço de modestos emblemas como o Padova, o Bari, e o L'Aquila, até ao momento em que foi descoberto por Pozzo em meados de 1936.

Impedido de levar os seus melhores futebolistas até Berlim, pelos motivos já aqui recordados, o lendário treinador convidou o até então desconhecido Frossi a integrar a seleção italiana. Convite aceite o médio do L'Aquila não desiludiu, muito pelo contrário, e tornou-se na principal referência da equipa ao longo da caminhada triunfal. Marcou em todos os quatro jogos disputados pela Itália, e no regresso ao seu país recebeu de imediato convites de emblemas de maior poderio, caso do Inter de Milão, clube pelo qual assinou um contrato profissional logo a seguir ao torneio olímpico de 36. Pelo Inter jogou até 1942, tendo atuado pelos milaneses em 125 ocasiões, e conquistado dois campeonatos (1938 e 1940) e uma Taça de Itália (1939).

A aventura com a seleção italiana resumiu-se praticamente ao torneio olímpico, pois depois disso só em mais uma ocasião voltou a vestir a camisola azzurra. Além dos óculos Frossi jogava com uma fita branca na cabeça, adereços que faziam com que fosse um jogador... excêntrico.
Depois de pendurar as botas tornou-se treinador. Treinou equipas como o Monza, Torino, Modena, Nápoles, Genoa, e o Inter, tendo entrado para a história como o treinador que inventou o sistema tático de 5-4-1, para muitos o sistema que anos mais tarde daria oirgem ao catenaccio italiano. Frossi tinha um gosto particular pelo futebol ultra-defensivo, e uma vez terá dito que «o resultado perfeito no futebol é o 0-0, pois é sinal que nenhuma das equipas cometeu erros»!

Após abandonar o futebol formou-se em engenharia, sendo que nos últimos anos da sua vida foi ainda colunista no jornal Corriere della Sera, de Milão. Viria a falecer nesta mesma cidade a 26 de fevereiro de 1999, com 86 anos de idade

Resultados

1ª Eliminatória

Turquia - Noruega: 0-4
(Martinsen, aos 30m, aos 70m, Brustad, aos 53m, Kvammen, aos 80m)

Itália - Estados Unidos da América: 1-0
(Frossi, aos 58m)

Alemanha - Luxemburgo: 9-0
(Urban, aos 16m, aos 54m, aos 75m, Simetsreiter, aos 32m, aos 48m, aos 74m, Gauchel, aos 49m, aos 54m, Elbern, aos 76m)

Japão - Suécia: 3-2
(Kamo, aos 49m, Ukon, aos 62m, Matsunaga, aos 85m)
(Persson, aos 24m, aos 37m)

Áustria - Egito: 3-1
(Steinmetz, aos 4m, aos 65m, Laudon, aos 7m)
(Sakr, aos 85m)

Polónia - Hungria: 3-0
(Gad, aos 12m, aos 27m, Wodarz, aos 88m)

Grã-Bretanha - China: 2-0
(Dodds, aos 55m, Finch, aos 65m)

Perú - Finlândia: 7-3
("Lolo" Fernández, aos 17m, aos 33m, aos 47m, aos 49m, aos 70m, Villanueva, aos 21m, aos 67m)
(Kanerva, aos 42m, Gronlund, aos 75m, Larvo, aos 80m)

Quartos-de-final
Itália - Japão: 8-0
(Frossi, aos 14m, aos 75m, aos 80m, Biagi, aos 32m, aos 57m, aos 81m, aos 82m, Cappelli, aos 89m)

Alemanha - Noruega: 0-2
(Isaksen, aos 7m, aos 83m)

Perú - Áustria: 4-2 (vitória atribuída à Áustria por decisão do COI)

Polónia - Grã-Bretanha: 5-4
(Wodarz, aos 43m, aos 48m, aos 53m, Gad, aos 33m, Piec, aos 56m)
(Clements, aos 26m, Edgar Shearer, aos 56m, Joy, aos 71m, aos 78m)

Meias-finais

Itália - Noruega: 2-1
(Negro, aos 15m, Frossi, aos 96m)
(Brustad, aos 58m)

Áustria - Polónia: 3-1
(Kainberger, aos 14m, Laudon, aos 55m, Mandl, aos 88m)
(Gad, aos 73m)


Jogo de atribuição da medalha de bronze

Noruega - Polónia: 3-2
(Brustad, aos 15m, aos 21m, aos 84m)
(Wodarz, aos 5m, Peterek, aos 24m) 
Final

Itália - Áustria: 2-1 (após prolongamento)

Data: 15 de agosto de 1936

Estádio: Olímpico de Berlim (Alemanha)

Árbitro: Peco Bauwens (Alemanha)

Itália: Venturini, Foni, Rava, Baldo, Piccini, Locatelli, Frossi, Marchini, Bertoni, Biagi, e Gabriotti. Treinador: Vittorio Pozzo

Áustria: E. Kainberger, Kunz, Kargl, Krenn, Walmueller, Hofmeister, Werginz, Laudon, Steinmetz, K. Kainberger, e Fuchsberger. Treinador: James Hogan

Golos: 1-0 (Frossi, aos 74m), 1-1 (K.Kainberger, aos 79m), 2-1 (Frossi, aos 92m)


                                          Vídeo: ITÁLIA - ÁUSTRIA

Legenda das fotografias:
1-Cartaz oficial dos Jogos Olímpicos de 1936
2-A bola usado no torneio olímpico de Berlim
3-Lolo Fernandez, a estrela do Perú
4-O mestre da tática Vittorio Pozzo
5-Lance do polémico Perú-Áustria
6-Jogo Alemanha - Noruega
7-Lance da final, onde aparece em primeiro plano Frossi, de óculos e fita branca na cabeça
8-Annibale Frossi, a estrela dos torneio olímpico de 1936
9-Italianos saudam o público de Berlim
10-Noruega, a surpreendente vencedora da medalha de bronze 
11-Lance da grande final de Berlim
12-Os campeões olímpicos de 1936