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quinta-feira, setembro 07, 2023

Histórias do Planeta da Bola (29)... Irene González: A pioneira do profissionalismo no futebol feminino


A polémica e o "ruído" que têm rodeado o beijo do presidente da Real Federação Espanhola de Futebol, Luis Rubiales, à jogadora Jenni Hermoso têm tirado o foco à maior conquista da história do futebol feminino castelhano: o Mundial. Facto ocorrido no hemisfério sul do planeta, mais concretamente na Austrália e Nova Zelândia, no verão de 2023, e que foi o culminar do grande trabalho que a Espanha vem fazendo ao nível da dinamização e desenvolvimento do futebol feminino. A materialização da ascensão espanhola no Desporto Rei praticado por senhoras pode ser explicado por diversos títulos internacionais (só) ao longo dos últimos cinco anos, quer a nível de seleções, quer a nível de clubes. Vejamos, Espanha venceu um Europeu de sub-17, três Europeus de sub-19, dois Mundiais de sub-17, um Mundial de sub-20, e viu ainda o FC Barcelona vencer por duas ocasiões a maior prova de clubes do Mundo, a Liga dos Campeões Europeus. Factos que atestam o crescimento que a nação ibérica tem tido ao longo do passado recente e que fazem dela já uma das maiores potências planetárias.

A paixão e - sobretudo - aptidão das espanholas pelo futebol não é, contudo, algo que surgiu nos tempos modernos, longe disso. No início do século XX a mulher castelhana já demonstrava encanto pela prática do futebol. Já aqui evocámos a história de Nita Carmona, uma malaguenha que nos anos 20 foi "obrigada" a passar-se por homem para contornar o preconceito então existente de ver uma mulher num campo de futebol. E se Nita teve de esconder a sua identidade de uma sociedade machista e retrógrada que então vigorava para dar azo à sua paixão pelo Belo Jogo, outra conterrânea sua foi ainda mais longe, e sem esconder quem era provou que a mulher tem tanto direito - como talento - quanto o homem para correr atrás de uma bola.

Essa mulher chama-se Irene González, uma galega que muitos apontam como a pioneira do futebol feminino em Espanha. Ela foi a primeira mulher a jogar ao lado de homens e contra homens aos olhos de todos! E mais, foi a primeira mulher a ter a sua própria equipa a competir num campo de futebol em Espanha. Tudo isto aconteceu também nos anos 20 do século passado, na Galiza, mais concretamente, a região de onde Irene González Basante nasceu a 26 de março de 1909. A Corunha foi o berço desta mulher que estava adiantada no tempo. Oriunda de família humilde, a sua mãe era doméstica e o seu pai um guarda do porto daquela cidade galega, Irene cedo deu a conhecer o sonho de ser futebolista, apesar de ter pela frente o obstáculo que era o seu progenitor, que a arrastava furiosamente sempre que a jovem corria atrás de uma bola no meio da rapaziada no campo de A Estrada. Irene foi persistente e aos 15 anos já atuava nos escalões de formação do Racing-Athletic, partilhando o terreno de jogo com homens que haveriam de seguir carreiras em clubes como Atlético de Madrid, Real Madrid, ou o Deportivo da Corunha. Irene começou a sua carreira como avançada, mas a sua paixão era a baliza, já que tinha como ídolo o lendário Ricardo Zamora, e rapidamente passa a competir com Rodrigo García Vizoso que anos mais tarde viria a defender as balizas do Deportivo e do Real Madrid. Nessa equipa atuava ainda Eduardo González Valiño, mais conhecido por Chacho no Planeta da Bola, e que é lendário por ainda hoje deter o recorde de golos ao serviço da seleção espanhola num só jogo: fez seis remates certeiros à baliza da Bulgária em 1933. Para Irene o futebol não era uma mera brincadeira e a prova é que em 1924 decide fundar o seu próprio clube: o Irene Fútbol Club. Por esta altura era já uma atração nos campos galegos, e indiferente aos comentários machistas da época funda, dirige, treina e joga - na condição de capitã de equipa e marcadora oficial de grandes penalidades sempre que necessário - no seu próprio clube, que aliás é inscrito na Real Federação Espanhola de Futebol. O Irene FC era uma atração em toda a Galiza, enchendo todos os recintos onde atuava, sendo convidado inclusive para festas um pouco por toda a região. Irene González aproveita esta fama para começar a cobrar dinheiro por estas aparições, ou por estes jogos amigáveis, fazendo com que seja hoje olhada como a primeira mulher futebolista profissional não só de Espanha como do resto do Mundo! Irene de pronto se tornou num mito, um mito que desapareceu da vida terrestre demasiado cedo, em 1928, com apenas 19 anos de idade, vítima de tuberculose.

sexta-feira, março 08, 2019

Histórias do Planeta da Bola (23)... Nita Carmona: o exemplo de coragem e paixão que ousou derrubar a barreira do preconceito e do machismo

Nita Carmona

Tal como em tantos outros setores da sociedade global o futebol ainda é visto no presente como um Mundo exclusivamente masculina! Por incrível que aparece assim é.  
Esta constatação vem a propósito do Dia Mundial da Mulher, que hoje se comemora em todo o planeta. E leva-nos numa viagem ao passado de quase um século de distância para recordar a história de uma mulher que teve a coragem de entrar num Mundo que lhe era proibido para dar azo à sua paixão: jogar futebol.
Nita Carmona, o nome da heroína que para derrubar a barreira da masculinidade no futebol teve de... se disfarçar de homem!
Nascida em Málaga (Espanha) a 16 de maio de 1908, Anita Carmona Ruiz desde criança, nas calles do Bairro de Capuchinos, onde vivia, contornou as rígidas regras sociais, digamos assim, da época para viver a sua grande paixão: jugar la pelota.
Filha mais nova de um estivador do Porto de Málaga, Nita apaixonou-se pelo Belo Jogo precisamente ali, onde marinheiros ingleses praticavam o football nos tempos livres. Desde criança que lutou contra o preconceito de ser mulher num Mundo a quem só era permitida a entrada a homens. Luta que começava no seu próprio lar, com os castigos impostos pelos seus pais, que ao ver a sua menina mais nova chegar a casa com os joelhos esfolados e arranhões por todo o corpo após longos e duros (por certo) duelos futebolísticos travados com os chicos de Málaga, decretavam de pronto a prisão domiciliária com o intuito de a impedir de voltar a correr atrás da sua paixão: a bola.

Nita, ao meio, disfarçada de Veleta!
O preconceito familiar chegou a determinada altura a ser estendido ao tio de Nita, médico de profissão, que alegava que a força física, o suor e a competitividade que eram características da prática do futebol estavam restritas aos homens, e que tal esforço iria ser prejudicial ao desenvolvimento corporal da sua sobrinha. Nesse sentido, pediu aos pais de Nita para a enviarem temporariamente para a localidade isolada de Vélez-Málaga para a afastar da tentação de jogar futebol.
Porém, nem todos pactuavam com o preconceito de apoiar e acima de tudo incentivar uma mulher a brilhar num Mundo de homens. Em 1921, chega ao Bairro de Capuchinos um padre... liberal. O padre Miguez. Oriundo de Ourense (Galiza) também ele se havia deixado enfeitiçar pela bola, e no âmbito da igreja fundou o Sporting de Málaga, que acabaria por ser uma das sementes para a criação anos mais tarde do atual Málaga Club de Fútbol.
Nita entrou para um clube cuja missão passava acima de tudo por angariar fundos para adquirir roupas e comida para os menino(a)s mais desfavorecidos do bairro, como colaboradora do massagista da equipa de futebol.
Terá sido esta a forma de o padre Miguez ajudar Nita a contornar a proibição dos seus progenitores em dar azo à sua paixão de menina. Paixão essa que ganhava vida nos jogos que o Sporting de Málaga realizava fora de portas, nos quais tinha um reforço de peso: Nita Carmona. Isto acontecia porque nos jogos caseiros corria o risco de ser reconhecida pela vizinhança!
Corpulenta, de feições rudes, cabelo curto, a jovem durante algum tempo conseguiu esconder em campo os seus traços femininos, usando calças cumpridas, camisas largas e cabelo curto. Após ter sido descoberta por uma qualquer equipa adversária, Nita foi mesmo enviada de castigo para Vélez-Málaga, para casa de familiares. Ali, continuou a lutar pela sua paixão, tendo então feito amizade com a irmã do capitão da equipa do Vélez, Juan Barranquero, o qual viria a convencer a deixá-la atuar pelo combinado local sob o nome (masculino) de... Veleta, para que não fosse descoberta nem por adversários nem pelos próprios colegas de equipa.

E sob este disfarce, Nita jogou vezes sem conta ao serviço do Vélez. Foi assim até meados da década de 30, quando teve início a Guerra Civil espanhola, altura em que Nita Carmona não conseguiu mais ludibriar a barreira do preconceito, acabando por ser descoberta e detida pelas autoridades em várias ocasiões, sendo que a sua condenação nunca foi mais longe sempre devido à influência (Divina) do padre Miguez.
Nita Carmona morreu jovem, com apenas 32 anos, mas para a História mais do que ter sido a primeira mulher-futebolista em Espanha foi um exemplo de coragem e paixão ousou derrubar a barreira do preconceito e do machismo numa sociedade tão desigual (entre homens e mulheres).